Paz

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Paz caminhava por um belo jardim, as crianças e a Banshee estavam dentro da casa. Paz ouviu alguns gritos, talvez fosse seu irmão desobedecendo uma de suas ordens, que não seria nada novo. Era manhã ainda, Paz tentava pensar em algo diferente, sempre na busca pelo sentir, o jardim realmente era lindo, coberto por folhas amarelas e laranjas pelo chão, algumas árvores pareciam estranhamente secas, desprovidas de vozes chacoalhavam a canção da morte. Talvez esse também fosse um de seus dons ou maldição, Paz possuía a habilidade de se perder em pensamentos, era capaz de ficar horas observando algo que qualquer pessoa julgaria inútil, mas o que é útil e o que é inútil para uma deusa que pode tudo. Quando ela olhou para o céu tomou um susto, perdera-se em pensamentos novamente, já era noite. Mais gritarias começaram a sair da casa, uma nova briga entre a mais nova e a mais criança, Paz viu a garota mais nova sair da casa chorando, a mais velha veio logo atrás, mas acabou desistindo e deixando a garota sozinha. A garota caminhava lentamente em direção da árvore seca, chegando, ela sentou-se e continuou chorando, a garota chorava e um ar gélido a acompanhava, uma sensação de tocar a neve pairou sobre Paz, será que essa era a sensação da tristeza, ficar coberto por gelo. Paz então sentou-se do lado da garota, para sentir melhor esse ar gélido.

Normalmente os deuses são capazes de sentir o que os humanos sentem, como um sexto sentido, cada sentimento humano é interpretado por uma temperatura no corpo de um deus, pelo menos isso é o que Paz havia ouvido os outros dizerem, ela nunca soube se o que ela estava sentindo era realmente um sentimento ou apenas a brisa de outono.

Paz ficou horas observando a menina, ela chorou muito, depois parou de chorar, chorou de novo, e cansada de tanto chorar começou a lembrar de sua mãe, esse também era um dos dons de um deus, poder acessar as memórias e pensamentos de um humano, geralmente os outros fazem isso para se lembrar de como era sentir-se humano, mas para Paz tudo sempre era diferente, ver as memórias de um humano era como olhar os mortos de uma guerra, ela não conseguia entender as motivações nem como lidar com elas. Uma de tantas lembranças de Cassandra com a mãe intrigou Paz, Rubia era uma mestiça, Paz ainda se lembrava de quando veio com seu irmão, dar a notícia de que uma de suas filhas era uma alma pura, os mestiços tem uma conexão direta com os deuses, afinal são filhos de um deus com um humano, por isso eles são capazes de fazer magia, ainda que fraca, mas são capazes. Tudo agora se encaixava, quatro filhas de uma mestiça com um humano, dentre elas há uma futura deusa, o quão forte ela poderia ser, seria capaz de fazer muito mais do que os outros são capazes. Outra lembrança, a mãe de Cassandra ensinou pouco-a-pouco a filha a clamar aos deuses, nada muito perigoso, mas a garota é capaz de clamar, isso torna tudo mais interessante, ela pode clamar por um deus ou deusa específico, então não seria um deus aleatório que viria para identificar a nova deusa.

— Para quem ela irá clamar? — Questionou Paz.

Mesmo Paz sentada ali, a garota não era capaz de vê-la, Paz preferia assim, não gostava muito de interagir com outras pessoas, apenas observá-las.

— Vinde espíritos que os pensamentos espreitais de morte — disse Cassandra.

— Goiá — disse Paz.

— Tire-me a infantilidade — continuou a garota — deixe-me com a mais pura força da cabeça aos pés. Eu chamo o poder, eu clamo o antigo. Eu o invoco de dentro das minhas entranhas. Eu o convoco de todos os lados da minha alma, venha a mim Goiá e mate minha fragilidade.

— Eu não sei você é burra ou muito corajosa garota — disse Paz.

Clamar ao deus da morte, apenas para que ela não seja mais frágil, uma criança ser capaz de fazer isso para se mostrar mais forte para a irmã, nada disso faz sentido. Paz fica confusa quanto ao certo e o errado, pois a culpa faz com que você sinta que tal ação foi um erro, nada parecia errado para Paz, apenas burrice.

— Está muito tempo observando-a irmã, — disse Caos — daqui a pouco você vai começar a sentir algo por ela.

— Se fosse possível, eu ficaria o quanto fosse necessário.

— Não busque por algo que você não sente falta, aquilo que nunca tivemos, nunca nos afetará.

— Eu sei.

— Descobriu algo? — Perguntou Caos.

— A mais velha herdou os dons de mestiça da mãe. — Explicou Paz — A mais nova é capaz de clamar à um deus, a outras ainda não apresentaram nada, mas é melhor nos prepararmos, dessa vez nada será fácil.

— Você tem certeza?

— Sim, — explicou Paz — a mais nova possuí lembranças bem fortes da mãe, ela morreu antes de ensinar tudo a garota, mas ela é capaz de clamar por Goiá.

— Ela parece tão frágil e patética. O medo a dominaria. — Disse Caos

— Ela já fez. — Explicou Paz.

— O que? Ele não pode vir, você lembra o que aconteceu da última vez, sempre que ele aprece alguém...

— Morre. — Interrompe Paz — Eu sei, mas a garota já fez, não podemos fazer nada, esse não é nosso trabalho, estamos aqui apenas para certificar que nada fora do normal acontecerá. Você sabe que eles precisam passar por isso para serem deuses melhores, Goiá não está fora disso, ainda mais com o último acontecimento.

— Mas e se acontecer com uma delas o que aconteceu com Eloá?

—Eu pedi para você não falar nada sobre ela enquanto estivermos aqui. Ainda queseja difícil aceitar, ele fez o que foi necessário, quando uma alma pura écorrompida, ela precisa ser exterminada.

Filhas da PerdiçãoWhere stories live. Discover now