14. Hélène

375 64 61
                                    

Recebo auxílio de uma mocinha magricela de no máximo treze anos para atar as fitas do espartilho. O vestido aveludado é pesado e desequilibro ao descer do banquinho que estava enquanto experimentava a roupa. Sem Jacob eu terminaria esparramada entre as cortinas do provador e o sofá.

— Jane, avise ao Visconde Falmouth que senhorita tardará, que ele pode cuidar dos próprios assuntos, por favor.—

O conheço há anos. Nunca o vi gritar ou se esquecer desse "por favor", fosse a quem fosse. Somente quando ficamos a sós que ele toma primeiro minhas mãos e testa. Ardo em febre e sinto um enjoo de morte.

—Devias ter ficado em casa.—

—Devias cuidar da própria vida. —

—Corte a grosseria. Que tens?—

Respiro fundo antes de sentar no sofá de veludo verde do ateliê. Temos tempo, não há outros clientes e aquela área é separada do estabelecimento principal. Muitos não se deixariam tocar por um artesão negro, ainda que fosse um como Jacob. Na verdade sequer gostariam de vê-lo ali.

— Ossos do ofício.—

Não era a primeira vez que ele ouvia isso. Entenderia sem grandes explicações. Era impossível para mim trazer uma criança ao mundo em minha atual condição. Falmouth jamais permitiria.

— Não estavas cansada e iria parar? —

—O sustento entra por minha porta porque estou cansada e quero parar?—

— Tua vida há de sair pela janela se continuas tão sem cuidados. Custa muito ir ao médico, dormir até mais tarde e não vir experimentar saias de oito quilos?—

Suspiro e lhe seguro as mãos como se assim concordasse com os ditos e implorasse para que calasse a boca. Há um limite para as verdades que um ser humano aguenta ouvir.

Jacob me beija a fronte e envolve minha cintura. Não há nele a malícia dos dedos de Falmouth. Foi o primeiro que me ofereceu ternura desapegada e amizade. Era o primeiro que eu queira algo mais. Sinto-me uma ingrata.

— Que tal menos sentimentalismo e um pouco de fofoca?—

Ainda estamos abraçados quando solto essa oferta. Ele ri, mas não corta o contato ou me dá uma negativa.

—Podes me contar algum escândalo da temporada. O que descubro acá não tem o refinamento das que podes descobrir no salão.—

Há gente que desabafa com filosofias regadas à álcool ou longas confissões íntimas. Minhas cargas nunca saíram assim. Preciso fingir que elas não estão ali até que finalmente meus ombros esqueçam do peso.

—A sogra da ex-namorada de vosso amigo a levou para renovar o guarda roupa inteiro depois ela ter usado uma peça escandalosa no Gran Hotel Aeschylus.—

Empurro-o para fazê-lo sentar ao meu lado para que assim eu possa deitar em seu colo.

—Pedi por refinamento e traz-me um mexerico de interior! Estou deveras decepcionado.—

- Estás a me aborrecer. Trago aqui uma forma de aliviar as angústias de um ente teu. -

—Aliviar? —

— Aliviar! É sabido que superamos as dores quando o indivíduo amado vive entre lírios.—

Olha-me como se buscasse sinceridade naquela informaçãozinha mequetrefe. E há. Realmente quero que Russell supere a paixonite juvenil e ele é bom o suficiente para se alegrar com o contentamento alheio. Eu também gostaria que Jacob não assumisse os pesares alheios como se fossem próprios. Vive-se infinitamente melhor sendo egoísta.

— Pareces entender bastante sobre superar desamores. O informarei, mas podes ter certeza que chorará agarrado numa garrafa de rum.—

Afasta minha cabeça de seu colo pondo-se de pé. É o nosso tempo que se esgota.

— E logo em seguida dormirá a noite inteira—

Completo como se fosse uma espécie de vidente. Dormirá como sou incapaz desde que conheci Jacob.

— Deite-se. O expediente encerra em breve. Chamarei uma carruagem e te deixo em casa.—

Somente quando ele abandona o cômodo que sinto o ar entalar na garganta. Seguro os soluços e as lágrimas. Não sei se tal acesso emocional é ocasionado pela paixão frustrada, pela criança não nascida que fui forçada a tirar, por minhas doenças sempre carentes de repouso e trato ou se é somente o conjunto da miséria que é existir sem querer ficar ou partir. 

ARSÊNICO (em andamento, repostando)Onde histórias criam vida. Descubra agora