QUEILA

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Eu a conheci numa noite de verão, no final de dezembro. tinha acabado de se mudar para nossa rua, num bairro de Recife, belo subúrbio.

Ela era uma linda garota de dezesseis anos, cabelos castanhos, olhos pretos e boca carnuda. Era bonita de corpo. Seu nariz era quase fino, pelo caramelada. Era muito inteligente, sabia observar as pessoas como eu. Ela era reflexiva, não falava as coisas logo, esperava uns segundos antes de falar, e quando as coisas eram sérias de verdade, ficava um tempo maior pensando, mas quando falava, um mundo de ideias saía dela, e eu ficava deslumbrado com aquilo. A perspicácia dela sempre me fascinava.

Sempre íamos ao parque da Jaqueira ficar conversando, quando não andávamos de bicicleta. Ver as pessoas no parque era  o que fazíamos.   A grande variedade de pessoas andando no parque, de todas as idades possíveis. Cada um com sua vida, experiências e vitórias juntamente com fracasso.

Queila se perguntava porque as pessoas eram como eram; será que elas sentiam essa necessidade de ser assim? Havia alguma coisa nelas que as mantinham assim. Havia escolhas que elas faziam todo dia o tempo todo e muitas dessas escolhas eram ruins. Quem precisava fazer escolhas sabe as consequências morais disso.

O que me fascinava em Queila era sua forma de ver as coisas, tão sutil e tão clara. Não tinha medo de trocar ideias sobre nada, mesmo que fossem coisas que ela não entendesse bem, mas o que ela entendia isso falava. Adorei o fato de ter alguém que pensasse como eu. Achavam que éramos chatos, por sermos pensantes. Talvez porque assistíamos bem pouco televisão. Aquele aparelho parece que deixa a gente entorpecido. Considero aquilo uma droga.

Algumas ideias minhas ela discordava. "Esse negócio de o homem já nascer com um mal em si, ao qual ele pode ceder ou não. É como se a pessoa tivesse um germe dentro de si, como se muitas vezes ele fosse levado por uma força estranha", dizia ela. "Que escolhas ele teria"?

Claro que não nos reuníamos só para falar disso, mas surgia, vez ou outra, a oportunidade de falar algo assim. Éramos bons leitores e tomamos o costume de falar e comentar essas coisas consideradas difíceis para a maioria dos jovens de nossa idade. Precisamos pensar mesmo. Não  é  o certo isso?

No parque era prazeroso ficarmos debaixo daquelas árvores, conversando e comendo, tranquilos, vendo aquelas pessoas pobres ou abastadas andando de bicicleta ou a pé. De manhã era o horário que a nós íamos, quase todo dia, pelo menos umas três vezes por semana. Nossas bicicletas já estavam acostumadas, iriam sozinhas se deixássemos. Aquele lugar era ótimo para pensar.

Queila me perguntou se eu acreditava mesmo naquilo que eu dizia ou era apenas especulação minha ou da filosofia. Disse a ela que não me achava filósofo, apenas pensava, não havia em mim aquele método dos filósofos, quem me dera, não havia essa qualificação em mim.

Vez em quando comentávamos dos filmes com essa temática e a mensagens que procuravam passar para nós. "Essas mensagens nem era percebida por todos", dizia ela. Talvez sim, mas isso depende do preparo intelectual de cada um, ou da inteligência. Ou essas mensagens só são "percebidas" pelas pessoas mais ingênuas? É difícil dizer.

O que penso é que a mídia procura manipular as pessoas de todos os modos e usando todas as técnicas possíveis, principalmente usando técnicas psicológicas, como o behaviorismo, que parece tratar as pessoas não como seres pensantes, mas como coisas manipuláveis.

Eu não aceitarei nunca esse fato do uso dessas técnicas nas pessoas, como se elas fossem gados. Isso não é respeitar as pessoas, é totalmente arbitrário para mim. Como aceitar que as pessoas são coisas?

Minha amiga, depois de brincarmos no parque, jogando futebol, disse que "pessoas que pensam como nós terminam ficando com fama de ser chatos". Como se pensar fosse uma coisa anormal para todo mundo. Isso precisa ser visto como natural. Não somos ensinados que somos seres pensantes? Então que ideia é essa que passam para nós?



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