IV - A Morte do Poeta

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Uma semirreta viscerosa guiava-me a caminho de lugar algum

Meus pés calejados pisoteavam farpas de rosas negras

E deixavam para trás um rastro quase simétrico de sangue gélido.

Um nevoeiro inexorável tomava conta de meu horizonte

Os arvoredos mortos me espiavam no canto de seus olhos e sussurravam entre si

Mas encontrava-me surdo e sequer os podia escutar.

Eu estava ébrio de melancolia

Andando errôneo na esperança de aproximar-me da morte

Um palmo a minha frente, nem isso conseguia enxergar

O branco véu da vida alegorizado por pérolas negras ria de mim

Nada me restara, se não meia garrafa de vinho e um crânio oco

E depois de tanto andar, quando já não havia sangue para expelir

- Ou lágrimas para chorar - Encontrei meu sepulcro, e debrucei-me lá.

A pálida face da estátua de gesso encarava-me de cima para baixo

Um olhar ácido e agonizante que perfurava minha alma

Chovia, e cada lágrima do céu cinzento terebrava minha carne como uma navalha.

Naquele momento, minha eutanásia! Surtos de lembranças dominavam minha mente

O murmurar das memórias ecoavam em meus ouvidos, e os faziam sangrar

Cada mal amor, cada morte e cada pecado, eu os revivia todos de uma vez

E quando se cessou este ataque de humanidade eu finalmente estava morto.

Pálido sobre meu túmulo com as mãos sobrepostas ao meu corpo.

Talvez este tenha sido o único momento de felicidade sincera que eu vivera até então.


Morrer foi o maior prazer deste poeta cinzento.

Um Jardim no Inferno - Antologia PoéticaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora