03 | Kurt Cobain Exibe Seus Miolos Pelo Acampamento

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POV NICO

  Os cadáveres eram na verdade, muito fofos.

  Os campistas não tinham do que reclamar, esse alvoroço todo só por causa de uns mortos meio vivos perambulando pelo refeitório, vai entender.

  Eu até havia me preocupado em chamar apenas os mortos que ainda tinha pelo menos um membro grudado ao corpo, mesmo que precariamente.
Era altamente frustrante que Quíron não percebesse meu esforço e delicadeza.

  Mais cedo, durante o almoço, eu havia convocado uma pequena horda de zumbis extremamente amigáveis. O único problema é que os campistas não pareceram entender que arrancar um olho e colocar na sopa, era uma forma muito educada de fazer amizade entre os mortos.

  Gente viva realmente não tinha educação nenhuma, agora eu tinha certeza.

  Depois de deixar os meus amigos andarem um pouco entre as mesas, jogando pedaços de seus corpos nos pratos dos semideuses e criando uma pequena zona de guerra baseada em carne podre, macarrão e espadas, pedi que voltassem ao submundo.

  Aquela seria uma ótima história para contar quando eu voltasse a visitá-los no Mundo Inferior.

  Quíron não gostou tanto.

  Sentado em uma maca da enfermaria - local que já estava familiar demais para o meu gosto - recebi durante todo o tempo em que Will fingia tentar entender o que estava acontecendo comigo, um olhar absurdamente desconfiado de Quíron.

  Não posso julgá-lo, depois de lidar com Percy Jackson e seus amigo – eu inclusive – qualquer um ficaria desconfiado até da própria alma.
 
  Will depois de um período relativamente longo me "examinando" finalmente deu seu diagnóstico, informado que o surto provavelmente se devia ao fato de eu estar me sentido solitário fazendo com que meu subconsciente invocasse algum meio de me sentir menos sozinho, segundo ele aquilo era definitivamente um distúrbio de humor.

  Nada que dividir a mesa com outros campistas e ser incluso em mais atividade de grupo não resolvesse, é claro.

  O doutor também sugeriu suavemente que os filhos de Apolo estariam inclinados a me receber, tudo para o bem da minha saúde, obviamente.

  Filhos de Apolo tinham muita curiosidade medicinal.

  Quíron apenas piscou vagarosamente, suspirou fundo e olhou para o teto da enfermaria fixamente como se de repente estivesse incorporando o oráculo e prevendo a próxima desgraça iminente.

  Rachel Dare¹ ficaria com inveja se visse essa cena.

  Por fim o centauro se deu por vencido, praguejou algo em grego antigo e trocou o peso de um casco para o outro voltando a nos encarar.

  - Que seja. Não acho que ainda tenha qualquer poder sobre vocês. – A voz dele esbanjava cansaço, provavelmente por não aguentar mais ver semideuses invocando criaturas nas horas das refeições. - Mas da próxima vez, senhor Di Angelo, tente não invocar Kurt Cobain novamente. Zeus sabe que miolos apodrecidos não são uma bela visão para quem está comendo.

  Apenas balancei a cabeça positivamente.

  O que será que Quíron diria se soubesse que eu adorava invocar cantores mortos para cantar comigo no Chalé de Hades?

  Espero que ele nem sonhe sobre o meu gatinho esqueleto de estimação.

  Como se pudesse ler mentes e soubesse que nada de bom sairia da minha amizade com Will, o centauro balançou a cabeça em negação, me desejou melhoras e foi embora.

  - Eu não acredito que o meu plano ridículo deu certo. - Will riu e se sentou ao meu lado.

  Cerca de um palmo separava nossos quadris.

  - Você deveria me dar algum crédito, Solace. Foi uma ótima horda de zumbis.

  - Definitivamente. Você poderia escalar o próprio cast de The Walking Dead. Ou não. - Will devia estar pensando que talvez não fosse uma boa ideia, já que na hora que meus zumbis tentassem arrancar os braços dos atores (por diversão) e estes não saíssem, ficaria um climão constrangedor.

  Rimos juntos, e deitamos na maca mais larga, lado a lado. Parecia até que aquilo vinha se tornando um hábito nosso.

  Nosso.

  Nós não nos tocávamos mas, eu podia sentir o calor do corpo quente do filho de Apolo ao meu lado.

  Encaramos o teto enquanto eu ouvia a respiração de Will e via com o canto do olho, seu peito subir e descer.

  Por que de repente aquele ato totalmente natural se comparava a algo impressionante?

  - Ei, acho que vou sair mais cedo daqui hoje. Só tenho que deixar tudo em ordem. Quer fazer alguma coisa?

  Ele havia falado tudo em um tom ameno, baixo. Mas quando Solace virou o rosto em minha direção e falou a última frase perto do meu ouvido, pude sentir cada centímetro da minha pele se arrepiar.

  O arrepio começou no meu pescoço onde seu hálito batia e foi descendo, rastejando por meu corpo lentamente, me consumindo ávido até chegar a região do meu ventre, estremeci.

  Will estava voltando a falar quando senti um leve incômodo em minha calça. Estava ficando mais apertada.

  Levantei rapidamente, um tanto assustado e sentindo meu rosto corar.

  - O que você precisa fazer aqui? – Perguntei tentando disfarçar a vergonha que tomava conta de todo o meu ser. - Vou te ajudar. – Socorro, só piora! Minha voz estava tão estranha que nem eu me reconhecia. Will me olhava com um sorriso ladino disfarçando muito mal sua diversão com meu desespero. - Não me olhe com essa cara, Solace. Se você não falar, eu saio e você vai ter que se virar sozinho.

  Meu tom obviamente abrupto fez Will levantar uma das sobrancelhas, ainda com aquele maldito sorriso nos lábios finos e vermelhinhos.

  Por Hades, Di Angelo! Se controle.

  - Ok então, doutor Di Angelo. Está vendo aqueles remédios na parede? Algum maldito filho de Ares achou que seria muito engraçado bagunçar tudo. Preciso que os coloque em ordem alfabética.

  Parecia fácil, até me virar para onde Will apontava e ver que os frascos ocupavam a parede quase inteira. A maioria deles era de vidro, com líquidos coloridos, luminosos, gosmentos e estranhos dentro.

  O filho de Apolo continuou a me dar instruções, e quase me degolou quando deixei cair um frasco que continha um líquido azul vívido dentro.

  - Di Angelo! Você não sabe como é difícil conseguir um desses. Isso veio da náiade² de um dos rios mais distantes do acampamento. - Will não parecia tão bravo quanto deveria estar.  - Não vou atrás de outro desse sozinho. Da próxima vez que chover você vai comigo buscar.

  - Por que quando chover?

  - É uma poção de limpeza para machucados e cortes. A magia dela só pode ser moldada quando um espírito da natureza colhe a camada mais límpida da água através da superfície de uma nascente depois de uma tempestade.

  - Claro. - Fingi que entendia muito de magia da natureza.

  Terminamos tudo que tinha que ser feito, e para a minha surpresa e de Will, não quebrei mais nada.

  Saímos da enfermaria, conversando sem ter exatamente para onde ir.

  Era meio difícil ter a liberdade de ir e vir quando a Atena Partenos³ ficava te encarando toda vez que você chegava perto das fronteiras do acampamento.

  Caminhamos até o campo de morangos onde fomos muito eficazes na arte de roubar alguns sem que os filhos e filhas de Deméter vissem e arrancassem nossas línguas.

  Tráfico de morangos era coisa séria no acampamento.

  O tempo todo, tentei não me atentar a forma como os morangos pareciam se encaixar perfeitamente na boca de Will, nem na forma como o suco da fruta escorria pelo canto dos lábios bonitos quando ele as mordia.

  Senti minha boca salivar enquanto observava aquele momento. Só me faltava essa, começar a babar somente por ver Will Solace se deliciar com uma fruta suculenta, a que ponto eu cheguei?

  Em algum momento, enquanto eu acompanhava mais uma gota descendo para o queixo do filho de Apolo, perdido em alguma história que ele contava, pude ouvir as vozes nada discretas de Austin e Kayla, juntamente com um o som de uma voz grossa e imponente, que supus ser Paulo Montes xingando em sua língua nativa.

  Paulo xingava muito em português, às vezes eu até admirava esse cara.

Particularmente, eu adorava ver Paulo esbanjando seus palavrões naquela língua tão peculiar.

  Havia um deles 'porra' que era estranhamente prazeroso de se pronunciar.

  Will parou de falar quando eles chegaram, direcionando a todos um sorriso radiante naqueles lábios vermelhos de morango.

  Não pude deixar de me perguntar qual seria o sabor da boca dele naquele momento.

  - Certo, Nico. Está ficando embaraçoso. - Só consegui prestar atenção quando o riso quase histérico de Kayla me tirou dos meus devaneios.

   - O quê? Eu não entendi. - Disse, tirando os olhos dos lábios de Will a contragosto, dirigindo minha atenção aos intrusos.

  - Ela tentou falar com você duas vezes, mas parece que a boca do nosso irmão é algo muito mais interessante. - Austin disse com sarcasmo evidente levantando as sobrancelhas repetidas vezes enfatizando sua malícia para Paulo, que teve que se apoiar e uma árvore para não perder o equilíbrio.

  Qual era a daquele cara, afinal?

  - Tudo bem, Nico. Você não é o único esquisitão. Precisava ter visto o Will passando a noite inteira acordado essa semana. - Minha cara de dúvida deve ter sido impagável, pois os três intrusos perderam o ar de tanto rir, e Will corou violentamente.

  Ok, o que está acontecendo aqui?

  - Cala a boca, Austin. Eu estava assistindo série, e isso nem é da sua conta. O que vocês estão fazendo aqui mesmo? - Will cruzou os braços, tentando criar uma barreira entre ele e qualquer que fosse a verdade constrangedora que Austin tentava revelar.

  Não deu muito certo.

  - Seu mentiroso sem vergonha! Você estava procurando músicas, e nem eram do seu estilo. - Kayla disse e olhou para mim de maneira altamente sugestiva.

  Mesmo eu achando fisicamente impossível, Will corou ainda mais.

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