F É R I A S D E A Ç Ã O D E G R A Ç A

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H A R R Y

Não se envolva, alertei a mim mesmo no começo. Ele não é problema seu. Mas já estava envolvido. No feriado de Ação de Graças, estava tão envolvido com Louis que quase não suportei vê-lo. Tudo o que disse a ele foi mentira. Não vamos ser amigos, eu tinha prometido. Mas de que se pode chamar uma pessoa para quem mandamos milhões de mensagens de texto por dia e que ficamos ansiosos para ver mesmo quando acabamos de estar juntos?

De que se pode chamar alguém cuja rotina conhecemos intimamente – seus horários de aula, quais matérias vão cair na sua próxima prova –, que sabe todos os nossos horários de trabalho e há quantas horas estamos acordados, e traz nossos lanches preferidos só para nos manter acordados?

Louis e eu éramos amigos.

Eu estava mentindo sobre isso. Eu disse que não iria tocar nele, mas fazia isso toda vez que tinha uma chance. Roçava o braço nele. Me inclinava sobre ele. Quando ele virava de costas, eu olhava para sua bunda e pensava como seria passar a mão nela. Quando ele se inclinava sobre a mesa, trabalhando a massa de pão, eu olhava para dentro da blusa. Sempre encontrava motivos para invadir o espaço pessoal dele. Via sua pele ficar rosada e cheia de placas, e adorava isso. Eu não era nenhum santo.

Embora não pudesse tê-lo, fazia de tudo para que ele me quisesse, para que estivesse sempre pensando em mim, e não parei ao saber que ele pretendia ligar para um cara que conheceu jogando rúgbi. Perdi o controle.

Eu o tratei como se ele fosse meu, apesar de não ficar com ele e tampouco o deixar ficar comigo. Falei para Louis admitir como estava se sentindo – como estava realmente se sentindo –, mas quando ele me perguntava o que se passava pela minha cabeça, eu não dizia Estou preocupado com a minha mãe, porque ele falou que está com dor nas costas e acho que pode estar faltando ao trabalho na prisão. Se ela for demitida, vai ficar reclamona, e Bo nunca fica por perto com ela assim. Vai acabar abandonando-a por ser uma chata inútil – o que ela é; sério, minha mãe é  a pessoa mais chata do mundo – e eu vou ter que voltar para casa se isso acontecer. Qual seria o sentido disso?

Eu sou duas pessoas diferentes, e apenas uma delas é real. O verdadeiro Harry Styles morava em um trailer em Silt, Oregon. Ele fala comigo o dia todo. Ligue para saber da sua mãe. Fale para ela ir ao mercado, para Gemma ter alguma coisa decente para comer. Pegue mais um turno na biblioteca, porque nunca se sabe. Nunca se sabe. Enquanto isso, o cara que eu sou em Iowa é meu disfarce para chegar aonde quero. Sou eu fingindo ser o tipo de pessoa que Louis foi a vida toda. Não conseguimos simplesmente nos livrar de quem somos de fato.

Gostamos de fingir que conseguimos – este é o sonho americano, afinal: sem limites. Mas a verdade é que podemos ficar ricos, mas não podemos mudar nosso jeito de pensar. Apenas vestir as roupas certas não significa que nos encaixamos. Ainda vamos pensar como pobres, sonhar como pobres e desejar como pobres. Vamos hesitar sempre que alguém perguntar o que nosso pai faz ou onde vamos passar o feriado. É difícil aprender a não hesitar. Aprender a ser outra pessoa.

É isso que estou fazendo em Putnam. Estou trabalhando. Não estou aqui pela diversão, pelas festas ou para encontrar a pessoa com quem quero passar o resto da vida. Estou aqui para fazer o resto da minha vida acontecer, e isso é um projeto de tempo integral. Pessoas como Louis não têm que se preocupar com as compras de mercado ou com o aluguel. Elas já têm tudo isso garantido, então só precisam decidir o que querem e ir atrás. De onde eu vim, pensar em entrar na faculdade de medicina é como querer caminhar sobre a água. É um conto de fadas, e quem acredita em conto de fadas é idiota. Não entrei em Putnam com nada garantido. Entrei graças à caridade de um ex-aluno rico cuja esposa eu comi. Eu sabia o que estava fazendo. E faria de novo. Detestei ter feito, mas faria de novo.

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