F É R I A S D E I N V E R N O

761 55 76
                                    

H A R R Y

Minha mãe adora O Mágico de Oz. Quando eu era pequeno, ela comprou umas cortinas de tecido xadrez azul e branco e as pendurou no trailer. Elas deixavam tudo com aparência de velho. Fez isso apenas alguns meses depois do último desaparecimento do meu pai e ela ainda estava usando os sapatos vermelhos brilhantes e vagabundos que ele havia lhe dado de presente. Ela os adorava. Usava-os para ir a qualquer lugar, embora eles a fizessem virar o pé. Certa noite, ela os colocou para sair para beber com meu pai e voltou três dias depois de roupa nova, com uma tatuagem no tornozelo e um copinho de tequila que dizia Reno, que me deu como lembrança. Após meu pai nos abandonar e levar o carro, fazendo com que minha mãe perdesse o emprego por não ter mais como ir para a cidade, ela fazia uma brincadeira em que batia os saltos dos sapatos um no outro e dizia “Não há lugar como o nosso lar, não há lugar como o nosso lar”. Então olhava ao redor no trailer e fazia uma careta de decepção.

– Ainda está uma porcaria – dizia. Então encostava o ombro no meu, nossos cabelos se tocando, e contemporizava. – Pelo menos temos um ao outro, Haz.

Todas as piadas dela eram assim, às nossas custas, e depois ela compensava o humor negro destacando o fato de sermos um time. Uma família. Não há lugar como o nosso lar. Mas depois que você sai de casa, não pode mais voltar. Aprendi isso em Putnam. Os lares mudam quando você está longe, e você também muda, sem perceber. Entra no carro, vê a imagem da sua mãe e da sua irmã caçula diminuindo no retrovisor e acha que tudo vai estar igual da próxima vez, como se você tivesse apenas ido ao mercado ou ao clube de golfe para trabalhar e então voltasse para casa, como se nunca houvesse ido embora. As coisas não funcionam assim. Você pega um voo para Portland, depois vai de carona até Coos Bay, aparece na escola da sua irmã para fazer uma surpresa e quando ela passa, cercada de amigos, você nem sequer a reconhece. Você nunca viu aquelas roupas antes. As orelhas dela estão furadas. O rosto está diferente.

E a pior parte é que ela também não reconhece você. Ela passa direto. Você tem que ir atrás dela, cutucá-la, se apresentar. Eu nunca me senti mais diferente do que naquele Natal. Parte de mim ainda morava no Oregon, com Gemma, mamãe e Bo. Deslocado, preocupado, frustrado, cauteloso, mas lá, no lugar a que pertencia. O resto de mim estava com Louis. Caio no sono depois da minha última prova final e acordo com batidas fortes na porta. Louis já foi embora, deve estar no avião a caminho do Caribe com a família. Então sei que devem ser más notícias. Estou esperando más notícias desde que me atraquei com Nate, há dois dias. Estou quase certo de que ele vá fazer algo para se vingar. Eu o humilhei. Duas vezes. Ele é meu. Era nisso que estava pensando quando fiz aquilo. Não me importo com o que aconteça comigo. Não vou deixar ninguém falar merda sobre Louis na frente dele, na minha frente, na minha casa.

A pior parte é que eu sabia que ele iria acabar com as minhas prioridades, mexer com a minha cabeça. Eu sabia, e agora que ele fez isso, eu gosto. É perfeito. Quero que ele se mude para cá, que durma na minha cama, tome banho com meu sabonete, vista minhas camisetas velhas para andar pela casa. Quero comê-lo antes do café todas as manhãs, me esfregar na bunda dele, enterrar o rosto naquelas coxas até gozar. Estou tão perdido que me transformei no tipo de cara que faz tudo o que o homem manda e sorri o tempo todo, como se estivesse viciado no pau dele.

Sou louco por aquele garoto. Ele é meu dono.

E é por isso que, quando batem na porta, quase fico feliz. Não estou me aguentando. Detesto o fato de ele ter batido a cabeça e se machucado. Não suporto me lembrar do barulho feio e triste que ele fez vomitando no meu banheiro. Depois que ele pegou no sono, mandei uma mensagem de texto para Bo dizendo que havia uma grande chance de eu acabar atrás das grades antes de conseguir chegar em casa para o Natal. Não deixe ninguém entrar na sua casa sem um mandado, ele respondeu. Quando acabei de calçar as botas, as batidas haviam se transformado em porradas, mas tive o cuidado de tirar o livro que Louis me deu de cima do travesseiro, marquei a página que estava lendo e o enfiei na minha bolsa de viagem.

ProfundoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora