αʹ

415 33 31
                                    

    Soprei as duas velinhas de aniversário que estavam em cima do bolinho com glacé rosa e fiz um pedido, "por favor, que algo legal aconteça hoje." Abri os olhos e me deparei com a rua movimentada de Seoul, já que eu estou sentado no chão, encostado do lado de fora do mercadinho em que comprei o bolo barato e as velas. À propósito, hoje estou fazendo dezesseis anos.
      Não é como se eu tivesse uma vida agitada, ela é bem entediante na verdade, mas um entediante ruim. Minha mãe morreu quando eu nasci, complicações no parto ou algo do tipo, não é como se eu sentisse falta dela, mas queria tê-la conhecido. Meu pai é representante de vendas de uma empresa, ou seja, viagens contantes, me deixando sozinho e com uma quantia em dinheiro para me manter durante seu tempo fora. É solitário, mesmo com a escola e tudo mais, eu me sinto sozinho, pois não consigo fazer amizades. Por mais que eu tentasse a todo custo, meus colegas e eu nunca parecíamos estar em sincronia, isso ocorreu durante toda a minha vida.
     Tirei as velas do bolinho e o comi sem pressa, é sábado e não tenho muito o que fazer, também decidi não estudar por hoje. Fiquei observando a rua enquanto comia, gosto de fazer isso, observar as pessoas, inventar histórias para aqueles estranhos e pensar nos porquês de tomarem seus caminhos. É bobo, eu sei, mas não tenho muito o que fazer da vida. 
    Me levantei e joguei o papel do doce fora, ficando apenas com as velas como recordação. Comecei a andar meio sem rumo, não quero ir pra casa, lá é vazio e frio, porque, como podem perceber, meu pai nem sequer ficou para meu aniversário. Parei no meio da calçada, recebendo alguns "sai da frente, pirralho" ou "não atrapalhe o caminho!", mas foi impossível não me paralisar, eu acabei de ver a coisa mais estranha da minha vida. Lá estava, olhando para mim, uma mulher loura e pálida, ela tinha um sorriso ladino no rosto que me deu arrepios, só que essa não é a parte mais estranha e sim que, no lugar nas pernas, a mulher tinha duas caudas, rabo, EU NÃO FAÇO IDEIA DE COMO SE CHAMA, MAS A MULHER ERA METADE COBRA. Por que eu estou gritando? Bem... TEM UMA MULHER METADE COBRA NO MEIO DA RUA, COMO TODOS NÃO ESTÃO EM PÂNICO?
     Meu olhar se fixou no da mulher, cobra, senhorita cobra? Enfim, mesmo sendo difícil não encara-la, tive a reação mais sensata que alguém poderia ter: Correr. Ouvi mais alguns xingamentos das pessoas a quem esbarrei, mas meu medo daquela criatura superava isso. Virei a esquina, caindo num beco deserto, e me encostei na parede, rezando ter despistado-a, mas para a minha tristeza, ouvi uma voz arrastada perto de mim.
      — Por que a pressssssa? — o sorriso ladino continuava em seu rosto, tão arrepiante quanto antes.
      Arregalei os olhos, mas não tive tempo de gritar, porque ela desapareceu em uma nuvem de poeira tão rápido quanto apareceu. Quis gritar novamente, não de medo, de surpresa, pois em minha frente está o garoto mais bonito que já vi na minha vida. Ele era mais ou menos da minha altura e sorria pequeno, como se a cena da mulher meio cobra (ou cobra meio mulher) fosse corriqueira. O garoto passou as mãos no cabelo rosa e logo depois cruzou os braços, olhando para mim. 
      — Dracaenas... — deu de ombros e guardou em uma bainha na cintura a espada prateada com que matara a senhorita cobra. — São fogo, não podem ver um semideus que querem comer de jantar. — eu achei que aquilo fosse uma brincadeira, mas me parecia mais uma afirmação cansada.
      — Quem é você? — perguntei dando alguns passos para trás, mesmo o modo de falar do garoto sendo extremamente atrativo. 
      — Park Jimin, filho de Afrodite. — fez uma curta reverência com a cabeça.
      — Você é bonito mesmo, mas se apresentar como filho de Afrodite não é meio prepotente? — levantei uma sobrancelha.
      — Acho que você não sabe o que está acontecendo direito. — riu fraco e começou a andar. — Vem comigo, vou te levar a um lugar.
       — Por que eu deveria ir com você? — instintivamente o segui, mesmo o questionando.
       — Porque talvez eu tenha respostas para as perguntas que você tem nessa sua cabeça. — disse sem olhar para trás. 
          Seguimos em silêncio até um carro conversível amarelo, aparentemente muito caro. Jimin entrou rapidamente no veículo e fez sinal para que eu o acompanhasse.
          — Quantos anos você tem? — perguntei ao colocar o cinto.
          — Faço dezessete em outubro. — ligou o motor e sorriu.
          — De quem é esse carro? 
          — Não sei, peguei emprestado. — revirou os olhos. — Achei que faria perguntas do tipo: O que era aquela mulher cobra? Afrodite, tipo na mitologia grega?
           — Está bem... — me recostei no banco macio e olhei a rua passar rápido aos meus olhos. — Por que aquela mulher cobra estava atrás de mim?
           — O nome é dracaena, um dos alimentos delas são semideuses, sátiros também. Na verdade, ela é metade serpente. — riu fraquinho. 
           — E como você sabe que eu sou um semideus?
           — Não sei. — deu de ombros. — Mas posso fazer um questionário rápido. Você tem dislexia?
           — Sim. — afirmei encolhendo os ombros. Muitos colegas da escola me chamavam de burro por não conseguir ler direito, mesmo descobrindo a dislexia, ainda me sentia mal por causa disso.
          — Eu também, a maioria dos semideuses, na verdade. Nosso cérebro é meio que acostumado a ler grego antigo. — virou uma esquina. — Também deve ter déficit de atenção e é hiperativo. — olhou para mim de relance e confirmei com a cabeça. — É porque temos reflexos melhores para batalha e esse tipo de coisa, mas vejo que vai ter que treinar mais, se não fosse por mim, aquela dracaena teria te devorado como lanche da tarde. — soltou uma risada mas parou ao perceber que não achei tão engraçado. — Enfim, um dos seus pais te abandonou quando criança, morreu ou algo assim?
           — Minha mãe... — olho para baixo. — Ela morreu no parto. Moro com meu pai.
           — Então talvez você seja filho de alguma deusa, ou deus mesmo, mas acho que isso vai complicar sua cabecinha por enquanto, então depois explico. 
           — Como você descobriu que é um semideus? — apoiei o braço na porta do carro e encarei a paisagem.
           — É uma longa história. — o assunto parecia deixa-lo nervoso. — Ei, está com fome? Podemos parar para comer, se quiser.
           — Pode ser, mas onde estamos? — franzi a testa ao não reconhecer o local em que passávamos.
           — Quase chegando ao nosso destino final, Gwaechon, mas tem um Burguer King com drive thru por aqui. — apontou para o final da rua, onde realmente havia uma unidade da lanchonete.
            — Estou com pouco dinheiro. — admiti, não havia saído de casa com muito.
            — Tudo bem, apenas me diga qual você quer, não importa o preço. 
            — Sempre quis provar o sanduíche vegetariano, mas nunca tive coragem de comprar. — admiti.
            — Hoje sua vontade será realizada. — entrou na fila do drive e sorriu. Percebi que dois de seus dois dentes da frente eram um poucos tronchos, contudo, aquilo parecia o deixar ainda mais bonito. — Um veggie e um rebel whopper, os dois com batata frita e sprite. — pediu no microfone e avançou com o carro. O atendente entregou os pedidos e perguntou sobre a forma de pagamento. — Não será necessário o pagamento, não é, querido? — sorriu para o atendente que logo confirmou com a cabeça e não teve nem ao menos tempo de questionar, pois Park saiu rapidamente dali com o carro. 
           — Por que você não pagou? — perguntei arregalando os olhos. 
           — Como já disse antes, eu sou filho de Afrodite e bem, alguns de nós temos o charme. Fique tranquilo, eu só faço isso com grandes empresas e pessoas ricas. — estacionou um pouco longe dali para que pudêssemos comer e me entregou meu sanduíche. — Meu preferido é o veggie, porque eu realmente não gosto de carne, mas considerei que você gosta, então pedi o whopper pra você. — contou antes de dar uma mordida no lanche.
         Comecei a comer o sanduíche e fiz um sinal de positivo para que ele entendesse que e gostei. Realmente fora uma boa escolha, espero não me acostumar a gostar daquela comida, sabia que não teria dinheiro para comprar sempre.
          — Então, Jimin, você disse que sua mãe é Afrodite, já se conheceram?
          — Não. — respondeu com menos doçura na voz. — Já lhe aviso, os deuses não ligam tanto para seus filhos, eles tem alguns preferidos, mas na maioria das vezes nós só servimos para lutar em missões e morrer por nossos pais que nem sequer mandam um cartão de aniversário. — o jeito leve sumira em seu tom, mas mesmo aparentando ter mais raiva, sua oratória continuava impecável. — Desculpe, nem sei porque estou falando assim, acho que só não queria subir suas esperanças.
         Terminamos nossa comida em silêncio e ele voltou a dirigir, ainda com o semblante mais sério. No restante do caminho pude perceber mais seu rosto, Park tem lábios grossos, como se fizesse biquinho o tempo todo, mas de um jeito bonito. Os cabelos rosa tingidos combinavam com seu rosto, como se ele realmente tivesse a cor fantasia de nascença. Sua pele levemente bronzeada contrasta bem com a camiseta laranja e jaqueta jeans, as cores o favoreciam — acho que não existe nada que não o favorece. — As mãos pequenas seguravam o volante do conversível com força, não sei se pelo rancor guardado sobre os deuses ou se aquela era sua maneira de dirigir, e em seu pulso descansava uma pulseira prateada delicada, com algumas pedrinhas coloridas presas a si.
Ao enfim chegarmos em Gwaechon, Jimin começou a ir em direção de uma floresta, franzi as sobrancelhas em confusão.
     — Para onde exatamente estamos indo?
     — Um acampamento para semideuses, não estamos seguros aqui fora, por causa de monstros e coisas do tipo. O acampamento tem uma proteção contra eles.
       O caminho até o tal acampamento foi rápido, mesmo sendo um pouco ingrime, subindo uma ladeira. Descemos do carro e logo pude ver a entrada do local, Jimin me puxou para entrarmos no acampamento e assim que atravessamos o arco que demarca o início do lugar, o mais velho olhou para acima de minha cabeça e sorriu.
     — Nem perguntei seu nome, como você se chama?
     — Jeon Jungkook.
     — Bem vindo ao Acampamento Meio Sangue, Jeon Jungkook, filho de Hecate.

🌕
Espero que tenham gostado!
Meu twitter é: organicmyg, me sigam lá pra comentar sobre o filho do mistério comigo!

(E obrigada pela capa, Domi, eu amei!!!)

O Filho do MistérioWhere stories live. Discover now