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   — Filho de quem?
   — Hecate, deusa da magia.
   — Como sabe disso? — o olhei confuso.
   — Porque o símbolo dela tá flutuando em cima da sua cabeça. É a roda de Hecate. — apontou.
     Olhei para cima e pude ver a tal roda em um tom acinzentado. Desci o olhar para Jimin novamente e pude ver que outras pessoas apareceram, provavelmente curiosos com que estava acontecendo, todos vestiam a mesma camiseta laranja que Park. 
   — Vou te levar até a diretora do acampamento, ela vai te explicar melhor. — me estendeu a mão e abriu um sorriso tímido.
   Conforme Jimin me guia, observo um pouco o acampamento, ainda um pouco confuso, não é como se eu tivesse tido muito tempo para pensar. Passamos por uma quadra de vólei e paramos em frente a uma casa de madeira, onde uma mulher com cabelos cor de mel saiu rapidamente pela porta.
     — Jungkook, este é Calipso, Calipso, este é Jeon Jungkook, filho de Hecate. — nos apresentou.
     — Olá, Jungkook. — sorriu amigável. — Venham, entrem. — fez um gesto para que a acompanhássemos para dentro da casa.
    Calipso se sentou em uma poltrona verde e soltou um suspiro, parecendo cansada. Pude notar que ela usava uma camiseta de flanela, que não parecia lhe pertencer, juntamente de uma calça jeans e sandálias. 
      — Encontrei-o quando fui até Seoul. — Jimin começou a explicar.
      — Não roubou nada dessa vez, certo? 
      — Só peguei um carro emprestado, era de um cara rico que provavelmente estava traindo a esposa. — defendeu-se. — Mas esse não é o ponto, quando estava andando, vi Jungkook quase ser devorado por uma dracaena.
     — Jungkook. — olhou diretamente para mim, parecendo curiosa. — Você sabia que é um semideus antes do Jimin te trazer aqui? — perguntou e eu balancei negativamente a cabeça.
     — Achei melhor explicar tudo para ele quando chegássemos aqui, lá fora seria perigoso demais.
    — Agiu certo. — Calipso não desviou o olhar de mim. — Bem, então irei te explicar. — respirou fundo. — Os deuses gregos, bem, eles são reais. O monte olimpo por enquanto está localizado em Nova Iorque, mas os deuses insistem em continuar tendo filhos ao redor do mundo. O acampamento meio sangue original fica em Long Island, mas estamos conseguindo criar algumas outras unidades em outros países. 
    — E você? É uma semideusa?
    — Não. — balançou a cabeça com um sorriso fraco nos lábios. — Na verdade, eu sou uma deusa, ou era... — calou-se por alguns instantes. — Já leu a odisseia?
   — Sim, uma vez, pra um trabalho da escola, foi difícil por causa da dislexia, mas consegui.
   — Lembra da parte em que Odisseu ficou na ilha de Ogígia? — arqueou uma sobrancelha.
   — Ele encontrou uma... — fui parando de falar aos poucos, ligando os pontos. — Ah, você... 
   — É, eu. — sorriu fraquinho e olhou para baixo. — Acabei me apaixonando de novo e vim parar aqui, junto com a minha "alma geniosa", como diz meu amigo Will. — balançou a cabeça.
    — Onde está o Leo? — Jimin perguntou.
    — No bunker, como sempre. — suspirou. — Bem, mostre Jungkook o chalé vinte, mas antes, se ele quiser e puder buscar itens pessoais em casa, leve-o, se precisar de uma despensa ou algo do tipo para algum pai ou responsável mortal, peça para a Kijeong.— ficou em silêncio por uns instantes, tentando pensar se estava esquecendo de algo. — Ah, o chip! — levantou-se e foi até uma mesa de canto, tirando uma caixinha de uma das gavetas. — Isso impede que monstros te encontrem pelo celular, é só colocar no lugar do cartão de memória. — me entregou o minúsculo cartão prateado. — E voltem em segurança, pelos deuses!
   — Entendido. — bateu continência, brincalhão, e me puxou para fora da casa.
       Voltamos para o lado de fora, então foi ai que me toquei: Eles me fariam morar no acampamento?
    — Jimin, o que Calipso quis dizer com "buscar itens pessoais em casa"? É obrigatório ficar aqui? Não tenho escola? Ou sabe, uma vida?— franzi a testa.
   — Não é obrigatório, mas é seguro. — suspirou. — Você não tem nenhum treinamento, se ficar lá fora, é capaz de algum monstro de achar e te matar. — falou como se aquilo não fosse nada. — Então, pelo menos até ter experiência em batalha, é bom que fique aqui. Além disso, temos aulas no acampamento também, serão bem mais uteis que as da escola normal. — me observou por alguns segundos. — Você tem uma vida, óbvio, mas não me pareceu nada relutante em vir com um completo estranho, diga-se de passagem que matou um monstro na sua frente, com uma espada. Eu vi algo no seu olhar, além do medo, parecia sede de algo, de coisa nova, não importando o que fosse. — se aproximou de mim e tocou meu queixo delicadamente, só que não tentando flertar ou ser sedutor, mas como se estivesse curioso.
   — Ah, tudo bem... — me afastei e cruzei os braços, vencido, e até um pouco tímido, com seus argumentos. — E como essa tal de Kijeong vai conseguir uma dispensa pro meu próprio pai? Ele está viajando, mas quando chegar em casa e se perguntar onde estou?
   — Ela é boa com falsificações. — deu de ombros. — Então faz comunicados de passeios ou até mesmo internatos. Kijeong também recebeu uma benção do próprio pai, que, só de ler um pedaço de papel, faz com que os responsáveis mortais dos semideuses acreditem que os filhos estão bem.
   — Como isso é possível? 
   — Não faço ideia. — ele riu e não pude evitar em acompanha-lo. 
      Ao adentrarmos cada vez mais o acampamento, vi um tipo de refeitório, um grande lago, outros chalés onde deveriam ser destinados para atividades, ou algo assim, até chegarmos em uma área com mais ou menos vinte chalés, diferente dos outros, esses eram de materiais exuberantes e até mesmo místicos. Porém, um deles era tão simples quanto o que estavam antes, seu maior destaque era o símbolo de Hermes, um caduceu.
    Jimin deu duas batidinhas à porta, a qual logo foi aberta por uma garota mais baixa que nós dois. Ela franziu a testa como se perguntasse "O que faz aqui e quem é esse?"
    — Preciso de uma carta de internato pro pai dele. — apontou para mim.
    — Certo, entrem. — fez um gesto para nós e entrou de volta no chalé. — Não reparem na bagunça, Minhyuk e Yoora estavam tentando fazer uma pegadinha, mas não deu certo e sujou tudo.
   Kijeong não mentiu, o lugar parecia estar de cabeça para baixo, contudo, milagrosamente, uma pequena mesa de canto mantem-se fora da zona de guerra. A mais baixa pegou um arquivo morto que estava sob a mesa e passou os dedos pelos papéis, falando para si mesma "internato, internato, internato" como se procurasse o documento falso correto.
    — Qual é o nome do seu pai e o seu? — perguntou enquanto retirava do arquivo o papel e pegava um estojo.
   — Jeon Jeokyun, e meu nome é Jeon Jungkook.
  A observei retirar uma caneta tinteiro e um carimbo de dentro do estojo. Escreveu rapidamente meu nome e de meu pai no documento e o carimbou, quando me entregou, aquilo magicamente parecia ter sido impresso. 
   — Seu pai vai acreditar que lhe matriculou no "Internato Hermeneus" assim que ler. — Kijeong afirmou. — Agora, se me dão licença, tenho dois irmãos pra socar.
    Ela deu um sorriso quase fofo e balançou a cabeça, como se gritasse "saiam daqui logo, pelos deuses".  Aliás, julgo que os semideuses falem "pelos deuses" por conta da fala de Calipso e porque realmente faz mais sentido que proclamar apenas um deus. Será que um dia falarei assim?
   Com a expulsão simpática e um pouco assustadora, saímos do chalé de Hermes e voltamos para a entrada do acampamento, onde, felizmente, o conversível amarelo ainda se encontrava. Entramos no carro, lhe ensinei meu endereço e ficamos em silêncio durante boa parte do caminho, apenas acompanhados com o rádio, que tocava músicas pop chiclete. Enfim falei algo de novo quando estávamos perto de meu prédio.
    — Jimin, não querendo parecer idiota ou algo do tipo... — olhei para minhas próprias pernas, um pouco envergonhado. — Mas Hecate é deusa do quê? Na escola sempre comentaram sobre, Zeus, Poseidon, Hades, Atena, mas acho que não lembro de falarem de Hecate.
  — Não é idiota, você só não sabia, é comum as escolas ignorarem a maioria dos deuses. — abaixou um pouco do rádio e trocou de estação, assim, uma música em inglês que nunca ouvi antes começou a tocar. — Ela é a deusa dos caminhos, direções, sabe? Consegue ver o passado, que dita o presente e poderá mudar o futuro. É conhecida por ser bondosa, ajudar os mortais e mostrar o que deve ser feito corretamente. Também é a deusa das bruxas, por isso muitos dizem que é a deusa do mistério, dos feitiços, da névoa e da noite.
   — E o que isso interfere em mim? — enfim volto meu olhar para ele, que balançava a cabeça suavemente ao ritmo da música.
   — Bem, você pode manipular magia, invocar feitiços, esse tipo de coisa. Com aperfeiçoamento, pode fazer coisas tipo, esconder objetos, pessoas, e lugares, criar ilusões, é muito relacionado com a névoa.
   — Névoa? 
   — É a cortina entre os mortais e nós, eles não conseguem enxergar monstros e coisas assim, ao invés disso, os veem como pessoas normais, acontece igualmente com nossas armas e qualquer outra coisa do sobrenatural. Inclusive, sua mãe a controla, ela é a responsável por tudo isso. Porém, alguns mortais podem ver através da névoa. 
   — Legal. — foi a única reação que consegui ter.
   — É. — riu rouco. — Sabe o que é ainda mais legal? — balancei a cabeça negativamente em resposta. — Se você treinar bem, pode conseguir se transportar através da névoa, mas precisa ter cuidado, esse tipo de coisa enfraquece muito. — olhou a rua e parou o carro. — Acho que chegamos. 
    Subimos até o apartamento pequeno no oitavo andar e, ao entrarmos, senti a mesma sensação vazia de sempre. Ali não parecia ser minha casa. Deixei Jimin na sala e fui até meu quarto e coloquei algumas mudas de roupa na mochila que ainda estava usando, objetos de higiene pessoal em uma outra sacola, me perguntei se estava levando muita coisa, mas julgo tudo isso como necessário. Olhei para a escrivaninha, logo batendo os olhos no anel de prata com uma pedra roxa no centro que uso todo dia, mas que, coincidentemente, hoje esqueci de colocar. O peguei e pus de volta em meu dedo indicador, voltando para a sala em seguida.
    Assim que retornei, vi Jimin olhando para o pequeno pé de pitanga preta que cultivo em um vaso perto da janela. Fiquei ao seu lado por alguns instantes, mas ele parecia estranhamente compenetrado.
    — Planta bonita. — disse ao me ver ali.
    — É a Camila.
    — Colocou o nome de uma pitangueira de Camila? — franziu a testa.
   — Sim. — dei de ombros. — Meu pai trouxe as sementes de uma viagem a trabalho ao Brasil. Me sinto útil e até menos sozinho quando cuido dela.
    — Se quiser, podemos levar ao acampamento e plantar por lá ou colocar no seu chalé. — examinou o vaso, pensando em como o tiraria dali. 
    — Seria legal. — coloquei a mochila nas costas. Deixei sobre a mesa de centro o documento falso do internato e respirei fundo, me perguntando se sentiria falta daquele lugar.
     O vaso não era pesado, então não foi feito muito esforço para levar Camila até o carro. A colocamos no banco de trás de uma forma segura e nos sentamos nos bancos da frente. Jimin ligou o rádio novamente, mas dessa vez não ficou em silêncio.
      — Vai sentir saudade da sua casa? Você não parecia muito triste de ir embora.
      — Mesmo o apartamento sendo pequeno, parece vazio demais. Me sinto só. — dou de ombros. — Você sente saudade do seu pai? Ou o visita muito?
      — Não tenho pai. Como disse antes, deuses podem ter filhos de várias formas, e eu nasci por partenogênese. — explicou. — Basicamente, vim de um pensamento. Afrodite se encantou por minha mãe mortal e, do caso delas, eu nasci. Mas não, não a visito. — não se prolongou muito, parecia dolorido para ele falar sobre a família.
      — Conhece essa música? — mudei de assunto.
      — Sim, gosto bastante até. — aumentou o volume do rádio. — Se chama Cleopatra, dos The Lumineers.
     O teto do carro estava levantado dessa vez, para que Camila não perdesse as folhas, mas isso não me impediu de abrir a janela ao meu lado. Apoiei a cabeça no banco e encarei a paisagem, pensando no que estaria esperando por mim de agora em diante. Olhei para minha mão e percebi que a pedrinha roxa de meu anel agora estava branca.

🌕

espero que tenham gostado! E se cuidem!

O Filho do MistérioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora