você sabe que eu não confio nele

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24 de dezembro de 2019

Núbia

Após o almoço, dei início à minha aula juvenil de jardinagem. Enquanto explicava algumas misturas básicas de solo, percebi que Porã, minha melhor amiga, estava me esperando na entrada da zona rural. Parecia aflita, roendo as unhas e, assim que percebeu que eu a encarava, me chamou com as mãos.

- Com licença, queridos - falei para os alunos, correndo em direção à Porã.

- O Marcos tá doido atrás de você - disse ela. - Ele disse que tem algo a ver com a sua mãe e falou que é urgente.

- Com a minha mãe? Ué, vou atrás dele. Você sabe se ele ainda tá no horário de almoço?

- Não, já voltou pra sala dos computadores.

- Ok... - Encarei os alunos, que me encaravam de volta sem entender o que estava acontecendo. - Vou ter que cancelar minha aula, Porã. Será que você pode falar com o Marcos pelo rádio e avisar que eu vou passar lá de bike? Meu rádio tá sumido desde ontem.

- Claro, amiga, sem problemas.

- Obrigada, te amo.

Corri de volta para os alunos e eles me encaravam com expectativa, quase como se já soubessem o que aconteceria.

- Você vai ter que cancelar a aula pra resolver um bagulho da sua mãe, né, prô? - perguntou Maria, uma das alunas mais dedicadas.

- Como você sabe? - perguntei.

- Meu pai trabalha na segurança e tá rolando um boato por aí...

- Certo. É isso, gente, a aula de hoje está suspensa, amanhã conversamos sobre uma reposição.

Corri em disparada e peguei minha bicicleta. Atravessei o portão da zona rural, passei pelo setor dos tecidos, cortei caminho pelos becos e vielas da zona farmacêutica e finalmente cheguei ao setor de tecnologia e ciências. Joguei minha bicicleta no chão e subi as escadas do prédio de TI a toda velocidade.

- Marcos! - ofeguei ao abrir a porta da sala dos computadores.

Mais de cinquenta pessoas me encararam e Marcos, tampando o rosto em uma clara demonstração de vergonha, se levantou e correu em minha direção.

- Toda vez é isso, Núbia! - sussurrou ele.

- Foda-se, eu quero saber da minha mãe. O que você tem pra me dizer sobre ela?

- Como você sabe, meu pai é chefe de segurança e ele ouviu o pessoal do Conselho dizendo que iam se reunir sem sua mãe. Eles provavelmente estão em reunião neste momento.

- E você acha que é algum tipo de golpe?

- A reunião foi organizada pelo pai da Dandara, então boa coisa não pode ser...

- Obrigada pela informação, Marcos.

Dei um abraço e um beijo em Marcos e corri para a saída. Voltei rapidamente, cortando caminho novamente, até chegar à Sapolândia. Para a minha sorte, na manhã anterior houve um problema com as máquinas de todo o grupo de resistência e eu sabia exatamente onde mamãe estaria.

Fui para o terceiro andar de um dos prédios residenciais e encontrei mamãe saindo do apartamento do último mecânico disponível em nosso grupo de resistência. O "Sinhô Zé", como gostava de ser chamado, estava muito doente e provavelmente não sobreviveria por mais de um mês. Se não arrumássemos ao menos um substituto para que ele pudesse ensinar as coisas mais básicas durante este pouco tempo, nenhuma de nossas máquinas voltaria a funcionar.

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