agora estamos quites

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26 de dezembro de 2019

Matheus

Nunca pensei que estaria nervoso por ter passado para o lado de fora. Eu queria muito sair e, agora que consegui, fui consumido por uma sensação esquisita: medo. Claro que eu não deixaria transparecer, homens de verdade não demonstram medo.

- Sei que vocês não são cristãos nem nada - falei, quebrando o silêncio. -, mas eu só queria lembrar que ontem foi Natal.

- Ontem também foi o aniversário de 40 anos desde o início do apocalipse zumbi, mas ninguém veio encher o saco - disse Núbia com grosseria, o que era muito esquisito vindo dela.

- Pra quê isso? - perguntou Porã. - O cara só comentou.

- E ele queria o quê? - Núbia gritou. - Uma mega ceia de Natal? Uma festa? Porque dia 25 de dezembro é sempre doloroso pras pessoas, principalmente quem conhece a história do apocalipse. Ou você acha que a comunidade científica tá feliz de passar mais um ano sem ter descoberto a cura? Acha que as pessoas da nossa comunidade ficam bem em saber que a vacina foi feita pra matar pobre?

- Já entendi, Núbia - falei.

Apertei meu terço de madeira, que ficava por dentro da camiseta, e fiquei encarando a janela.

- Qual é o resto do plano, afinal? - perguntou Marcos, tentando diminuir a tensão.

- Vamos até o GRIP - respondeu Núbia. - Perguntamos se minha mãe tá lá. Se ela estiver, volta pra casa com a gente e vamos provar sua inocência; se não estiver, pedimos ajuda pra procurar nas comunidades vizinhas.

- GRIP? - perguntou Porã. - Grupo de Resistência Itaim Paulista? Você tem certeza de que isso é uma boa ideia? Eles têm fama de serem meio...

- Ditatoriais - completou Dandara.

- Vocês têm alguma ideia melhor? - Núbia voltou com o tom de voz ríspido.

Todos ficaram em silêncio novamente, permanecendo assim por vários minutos.

- Merda - gritou Núbia segundos antes de fazer uma curva acentuada e quase bater em uma árvore.

- O que foi? - perguntou Dandara afoita.

- Eu não vi aquele puto - respondeu Núbia apontando para um zumbi. - Vou ali e já volto.

Núbia desceu do carro com sua espada e sua lanterna em mãos. Ela apontou a lanterna para diversas direções, checou se não havia mais zumbis e, então, partiu para cima do boca-podre que quase causou nosso acidente. Núbia cortou a cabeça do zumbi e a perfurou duas vezes antes de voltar para dentro do carro.

- O idiota tava com os pés presos na lama - disse ela. - Ainda bem que foi fácil, porque eu tô muito cansada e com muita fome pra ficar lutando com morto.

- Você não come desde quando? - perguntou Marcos.

- Acho que minha última refeição foi o jantar do dia 24 - Núbia respondeu enquanto colocava o cinto de segurança e religava o carro.

- Então vamos parar pra comer - falei. - Também tô com fome, além de que é capaz de o pessoal do Itaim metralhar a gente se chegarmos no meio da madrugada.

- Cê tem razão - ela me encarou pelo retrovisor. - Só vou achar um lugar melhorzinho pra gente montar o acampamento.

Ela virou o carro para a direção em que seguíamos anteriormente, olhou para todos os lados antes de voltar a dirigir e pisou no acelerador.

- Aaaaaah - disse Núbia de repente.

- Ué, tá tendo um ataque? - perguntei enquanto ria, sem entender.

Verão dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora