pudim

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[AVISO DE GATILHO: RACISMO]

26 de dezembro de 2019

Dandara

Embora Núbia tivesse dito que tudo ficaria bem, eu estava com uma sensação esquisita, como se algo não estivesse certo. Esses caras nos deixaram entrar muito fácil, nada acontece facilmente nessa vida. Ou será que dessa vez aconteceria?

- Só não façam nenhum comentário sobre a altura do chefe - disse o cara branco.

- Por acaso ele é anão? - perguntou Matheus em meio a risos.

Nenhum dos dois guardas respondeu. Ao invés disso, apontaram para que nós entrássemos. Núbia caminhou com confiança e nós a seguimos.

A julgar pela qualidade do lugar, o GRIP não era tão desenvolvido quanto o nosso grupo. Havia um poço ao lado de uma cerca de metal. Dos lados de dentro da cerca, havia alguns zumbis amarrados uns aos outros, alguns com partes do corpo faltando, outros amarrados à própria cerca... Bizarro.

- O que é aquilo? - perguntei.

- Nossa diversão de fim de semana - respondeu o guarda negro. - Toda sexta à noite nos sentamos ao redor da cerca e assistimos os vivos tentando matar os mortos sem serem mordidos.

- Isso é meio desumano - comentou Porã.

- Deixou de ser desumano a partir do momento que essas coisas deixaram de ser humanas - o guarda negro disse de forma descontraída.

- Eu tava falando sobre os vivos - retrucou Porã.

- Ah, cala a boca! - gritou o guarda branco.

Núbia não se virou, mas esticou o braço para trás e segurou a mão de Porã, provavelmente para dar apoio.

Caminhamos por mais dez minutos, em silêncio, passando por uma área aberta e depois entrando em uma espécie de prédio. As paredes eram de cimento puro, sem reboque, e a iluminação era fraca.

Após várias curvas, chegamos a um corredor de paredes brancas e iluminação forte, completamente diferente de todos os outros corredores.

- Esperem aqui - disse o guarda negro, e entrou em uma sala de porta azul.

O guarda ficou dentro da sala por pouco tempo e, quando saiu, estava com um sorriso no rosto.

- Podem entrar - disse ele. - O senhor Samuel tá pronto pra receber vocês.

Núbia caminhou confiante novamente e nós a seguimos. Dentro da sala havia uma mesa bagunçada e uma prateleira com poucos livros. Atrás da mesa havia uma poltrona preta virada de costas para nós e uma fumaça acinzentada subia por trás dela. O cheiro não enganava: maconha.

- Bom dia - Núbia começou. - Eu me chamo Núbia.

A poltrona se virou e pudemos ver quem era o tal senhor Samuel. Era, de fato, um anão. O homem, branco e obeso, tinha o cabelo e a barba ruivos, olhos castanhos e um olhar maligno.

- Ora, ora - disse ele, soltando fumaça. - Uma mulatinha, uma preta, dois chineses e uma índia... Faz tempo que não vejo um índio pessoalmente, achei que estivessem extintos.

- Nós somos coreanos - disse Matheus por entre os dentes.

- Não me interessa - respondeu Samuel. - Enfim, quem é a tal da Núbia?

- Sou eu - disse Núbia. - Vou direto ao ponto, senhor Samuel. Nós viemos aqui pra saber se uma mulher passou por aqui. Ela se chama Ana Carolina e é... era a líder do Oliveirinha.

Verão dos MortosWhere stories live. Discover now