odeio quando chove desse jeito

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25 de dezembro de 2019

Porã

Acordei com um alarme tocando. Não, não um alarme, o alarme. Levantei assustada, procurando por Marcos.

Na noite anterior, durante o jantar, deixei Dandara entrar na minha mente com comentários maliciosos sobre Marcos e Núbia, e acabei tendo um surto bobo de ciúmes – e talvez, muito provavelmente, de preconceito. Felizmente, Marcos e eu conseguimos nos resolver com uma boa conversa, e acabamos passando a noite juntos.

Marcos estava com uma cueca samba-canção e uma camisa xadrez aberta, cabelo molhado e cheirava muito bem – provavelmente havia acabado de sair do banho. Com a barriga encostada no fogão, segurava firme o cabo de uma frigideira enquanto jogava a omelete para o alto.

– É barulho de chuva ou de algo fritando? – perguntei, o que o assustou e fez com que ele derrubasse a omelete no fogão.

– Que susto, Poranga! – disse ele enquanto juntava o que restou da omelete. – Já tô em choque por causa do alarme, não precisava chegar de fininho pra me assustar... Mas, já que perguntou, são os dois. Tá um lamaçal lá fora.

– Odeio quando chove desse jeito – falei, abraçando-o por trás. – Espera aí, você roubou comida da cozinha de novo?

Marcos fez biquinho e riu, pegou minhas mãos e as beijou.

– Só pra te ver feliz com um café da manhã na cama – falou. – Mas acho que deu errado porque o alarme te acordou antes da hora. Por falar nisso, preciso perguntar ao meu pai o que aconteceu.

– Verdade, se algum zumbi tiver entrado, eu preciso correr pro Centro Médico o mais rápido possível. Pior que zumbi aqui dentro, só ter que pisar nesse brejo com roupa branca de hospital.

– Pelo bem das suas roupas, melhor que alguém esteja sendo banido... Vou me informar e já volto.

Enquanto Marcos tentava contato com o pai, comi um pedaço do que sobrou da omelete e tomei um banho rápido. Vesti minha calça legging preta e minha camisa branca, calcei meus tênis de corrida e prendi o cabelo em um longo rabo de cavalo. Quando saí do banheiro, o tom de caramelo da pele de Marcos havia sumido e dado lugar a um pálido doentio.

– O que foi? – perguntei ansiosa. – Algum zumbi entrou?

– Não, pior... – Sua voz falhou antes que pudesse continuar e uma lágrima escorreu por seu rosto. – A mãe da Núbia foi banida! Acabaram de decretar a sentença, vão jogar a Ana Carolina aos mortos em meia hora.

Minha respiração falhou. A fundadora do nosso grupo de resistência não poderia estar sendo banida! Afinal de contas, era necessário ter cometido um crime extremamente grave para ser banido, coisa que ela jamais seria capaz de fazer.

– Não pode ser, Marcos, não pode ser! A Núbia deve estar arrasada.

– Pelo que meu pai me disse, ela ainda não sabe de nada porque foi tudo decidido agora a pouco. Acho melhor falarmos com ela antes que seja tarde demais.

– Sim, só me deixa pegar uns calmantes e avisar minha avó enquanto você veste uma roupa.

*🌾*

Dei fortes batidas na porta do apartamento de Núbia, enquanto Marcos berrava seu nome em desespero. Quem atendeu a porta foi Dandara, com a cara feia que sempre fazia quando qualquer pessoa olhava, citava ou chamava Núbia, um claro sinal de seu ciúme doentio.

– O que vocês querem aqui tão cedo? – perguntou ela, a típica grosseria transparecendo na voz. – Ainda mais com essa tempestade. Vocês estão mega sujos de lama, não quero vocês aqui dentro.

Verão dos MortosWhere stories live. Discover now