Verão dos Mortos

esse não é o fim

CAPÍTULO FINAL

07 de janeiro de 2020

Núbia

Eram seis da manhã quando eu decidi dar um passeio pela orla da praia. Ainda estava nublado, provavelmente pela chuva da madrugada, e as ondas estavam muito fortes. A água estava com uma coloração estranha, puxada para o marrom.

Sentei em um tronco quebrado e dei uma mordida na maçã, quando Dandara apareceu e se sentou ao meu lado.

- Oi - disse ela num tom de voz tranquilo.

- Oi. - respondi no mesmo tom. - Seu rosto melhorou, né? Nem parece que levou um soco.

Dandara soltou uma risada meio sem graça e esticou a mão fechada. Encarei-a com o cenho franzido e ela balançou a mão antes de abri-la. Havia ali um cigarro.

- Cigarro ou maconha? - perguntei.

- Verdinha, claro - ela respondeu bem humorada.

- Onde você arrumou isso? Com a Luana?

- Com a Letícia. Ela é gente boa pra caramba...

Sorri, mas não peguei o beck, e voltei a encarar o mar. As ondas quebravam de forma violenta.

- Sabe o que é síndrome do membro fantasma? - perguntou Dandara. Eu neguei e ela continuou. - É uma coisa que acontece com quem amputou algum membro. A pessoa sente como se o membro ainda estivesse ali, podendo sentir dor, comichão, frio ou calor, mas sempre com a sensação de que o membro ainda tá ali.

- E isso acontece por quê? - perguntei. - Algum erro no cérebro?

- Provavelmente - Dandara riu. - Só sei o básico, desculpa. Enfim, tô te contando isso porque foi assim que eu me senti quando você terminou comigo, sabe? Como se parte de mim tivesse sido arrancada e eu ainda sentisse essa parte. Eu passei esses últimos dias acordando com a sensação de que você tava na cama comigo, mas, quando eu abria os olhos, você não tava lá.

Fiquei em silêncio por um tempo.

- Queria te pedir perdão - ela continuou. - Precisei levar um soco pra perceber que tava sendo uma namorada de merda. Não só isso, também tava sendo uma amiga de merda.

- É, vou ter que concordar - sussurrei. - Eu queria te pedir desculpas pelo soco, mas você mereceu por ter me batido.

- É, eu sei... Conversei com a sua mãe e ela disse que era melhor eu voltar a fazer terapia, até me indicou algumas terapeutas que ela conheceu aqui. Ela tá certa, Núbia. Esse ciúme é doentio demais, não é normal ser assim. E essa violência também, coisa de maluco...

- Fico feliz por saber que você vai voltar com a terapia.

- Eu também... Mas preciso te falar uma coisa. Parei pra pensar esses dias e cheguei à conclusão de que nós somos bem melhores como amigas. Eu me cobrava demais pra ser sua namorada, coisa que eu não fazia quando a gente era só amiga.

- Também acho - soltei uma risadinha. - Era tão mais fácil ser sua amiga... A gente não se cobrava tanto e se divertia muito mais.

­­­- Espero que um dia possamos ser amigas de novo - Dandara tocou meu ombro e se levantou. - Sua mãe pediu pra te chamar de volta pra pensão. Ela quer falar com você antes de sairmos pra missão.

- Já vou.

Fiquei olhando o mar por mais um tempo, enquanto Dandara saiu em direção à pensão. É, talvez possamos ser amigas de novo...