um fruto nunca cai longe da árvore

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24 de dezembro de 2019

Dandara

Saí uma hora mais cedo do trabalho, queria fazer uma surpresa para Núbia, levá-la para passear perto do rio, fumar um beck, beber umas cervejas... Qualquer coisa que nos tirasse da mesmice em que nos encontrávamos há meses.

Mas, ao chegar à Zona Rural, me deparei com ela de papinho com um cara musculoso, do tipo de cara que ela gostava. E, de repente, ela estava abraçando o tal musculoso.

– Quem é esse? – perguntei quando Núbia se aproximou.

– Nem começa, Dandara – ela respondeu com a grosseria de sempre. – Ele é um amigo de infância que eu não via há mais de dez anos.

– Que amigo? Eu conheço todos os seus amigos de infância.

– Caralho, Dandara, ele é aquele primo do Marcos que me bateu. Você sabe muito bem de quem eu tô falando.

– Ah, o trombadinha... Agora ele é talarico, pelo que eu pude perceber.

– Ah, Dandara, vai se foder, eu não tô com cabeça pras suas crises de ciúmes hoje. Minha mãe corre o risco de estar sofrendo um golpe do Conselho por culpa do seu pai e a criançona mal educada dele é a última pessoa que eu quero ver hoje.

Núbia saiu bufando, como sempre fazia quando nos desentendíamos, pegou a bicicleta e saiu pedalando sem olhar para trás. Eu fiquei sozinha por um tempo, encarando as plantações, até que senti um aperto no peito típico de quem está prestes a desabar em lágrimas e corri para a Área da Saúde. Corri tanto que parecia que meus pulmões iriam explodir.

Entrei na ala da psicologia, onde encontrei Dra. Ana Carolina no corredor, se despedindo de uma garota em frente ao seu consultório.

Logo após a garota virar as costas, Ana acenou para que eu me aproximasse. Ela me cumprimentou com um abraço apertado e não disse uma única palavra, apenas fez sinal para que eu entrasse no consultório e apontou para a poltrona. Ela fechou a porta atrás de si e só então me sentei.

– Quanto tempo, querida – Ana finalmente disse.

– Olha, doutora... – comecei, mas ela me interrompeu.

– Você namora minha filha há seis anos, Danda, acho que já pode parar de me chamar de "doutora" toda vez que quiser conversar sobre ela.

Abri a boca para falar, mas nenhum som saiu. Acabei sorrindo um pouco e concordando com a cabeça. Fechei os olhos, respirei fundo e, quando percebi, as lágrimas já estavam escorrendo e não consegui falar novamente.

– Tá tudo bem, querida – Ana estendeu um lencinho amarelo para mim. – Deixa as lágrimas escorrerem e depois, quando você puder, pode me contar. Eu vou esperar.

Após alguns minutos de choro, oscilando entre choro silencioso e quase convulsivo, finalmente consegui parar e respirar.

– Então, sogrinha – comecei. – Eu não sei se vou conseguir manter meu namoro com a Núbia por muito tempo. Parece que ela não gosta mais de mim...

– Por que você acha isso, meu bem? Nunca vi a Núbia amar alguém como ela te ama.

– Ah, é que a gente briga demais, sabe? E ela vive virando as costas pra mim, sai andando e me deixa falando sozinha, vive discutindo comigo na frente dos outros...

– Já passou pela sua cabeça que talvez você esteja tendo alguma atitude que faça com que ela reaja dessa forma?

Parei para refletir. Núbia nunca havia reclamado sobre minhas atitudes ou sobre a forma como eu agia. Talvez eu estivesse fazendo algo, só precisava descobrir o que era.

Verão dos MortosWhere stories live. Discover now