Capítulo 33 - Allison

900 95 1
                                    

Aquele tinha sido um dos piores dias do ano, naquele hospital. Plantões grandes sempre são extremamente exaustivos, especialmente quando pacientes vinham a óbito. Apesar de fazer parte da profissão e nós estarmos adaptados a essa realidade, sempre era ruim quando um paciente falecia. O centro cirúrgico sempre sentia o impacto, especialmente quando eram mais de um.

Mas, tudo bem, era mais um dia de trabalho, mesmo que isso não amenizasse o peso da situação. Em todos esses anos de profissão, eu nunca tinha aprendido a me importar menos, achava que me importar com os meus pacientes me fazia querer trabalhar melhor por eles e, ao contrário do que se pensavam, isso não se tornava uma fraqueza, mas me dava mais foco pra realizar a minha função com precisão e apresentar bons resultados.

Houve apenas uma vez em que eu quis mudar essa minha forma de ver a minha profissão, mas foi Lilian que me incentivou a nunca deixar de encarar tudo daquela forma. Que aquilo fazia toda a diferença.

Era minha primeira semana no hospital. Me apaixonei por ela naquele mesmo instante.

Eu nunca aprendi a mudar, nem jamais aprenderia. Fazia parte de mim e eu não abria mão disso.

Naquela sexta feira, pós plantão pesado, tudo o que eu queria era chegar em casa, tomar o banho mais longo da minha existência e dormir pelas próximas vinte e quatro horas. Eu gostaria de ver quem ousaria a se colocar entre eu e minhas preciosas horas de sono.

Ao chegar em casa, foi exatamente o que eu fiz.

Sabia que a banheira, em minha suíte, seria um dos melhores investimentos da minha vida inteira! Eu jamais me arrependi de optar por ela, em meu banheiro pessoal. Enchi-a com água quente, caprichei nos meus melhores sais e espuma, muita espuma.

Coloquei meus fones de ouvido, escolhi uma música suave e entrei na banheira, me deitando com a cabeça apoiada na borda e relaxando completamente o meu corpo, imerso na água quente.

A garota com o seu banho de espuma, jamais iria querer guerra com alguém.

Peguei no sono ali mesmo, cochilando tranquilamente por alguns minutos, dentro da água. Quando despertei, a água já estava quase fria e a espuma já estava quase acabando. Decidi sair da banheira e abrir o ralo para que a água escoasse. Me enrolei em um roupão e, daquele mesmo jeito que eu estava, me atirei na cama, continuando a maravilhosa soneca que eu comecei, na água.

...

Acredito que todo mundo já tenha passado pela experiência de ter dormido tanto, mas tanto, que quando acorda a cabeça está doendo, a gente não faz ideia de onde está, se é dia ou noite, ou sequer em qual dia da semana estamos.

Foi exatamente assim que eu acordei, totalmente desorientada. Olhei pra mesa de cabeceira e alcancei meu celular, destravando a tela. Já passava das dez e haviam dezoito chamadas perdidas de Allison.

— Puta merda! – me levantei rapidamente, arrancando os fones dos meus ouvidos e ligando de volta pra ela.

Onde você está?! – ela perguntou, atendendo no primeiro toque.

— Onde eu deveria estar, Allison? – respondi como se sua pergunta fosse estúpida

— Em casa! Já bati no seu quarto, milhares de vezes, e você não atendeu! – ela falou irritada – E a porta, é claro, está trancada.

— Chama-se privacidade – respondi com deboche – Dormi com os fones de ouvido, não ouvi nada. Ian está com você?

— Não – ela respondeu despreocupada – Na verdade, hoje foi tão corrido, pra mim, que nem consegui falar com ele.

Ok... Oi?!

— Estou descendo, me espera aí – falei me apressando em sair da cama. Não me incomodei em vestir qualquer peça de roupa, além do roupão que já cobria o meu corpo. Desci as escadas na velocidade da luz, fazendo com que Allison me olhasse confusa.

— Tem plantão de novo? – ela perguntou e eu corri até ela – Meu Deus, eu vivo falando pra Olívia não correr nessa escada, agora vou ter que falar com você também? – ela riu me olhando

— Allison – eu falei olhando pra ela, tentando conectar os últimos acontecimentos e o que ela tinha acabado de me dizer.

— Kate – ela usou um tom brincalhão e eu comecei a ficar nervosa.

— Onde está a Olívia? – perguntei tentando me manter calma.

Allison riu, sem entender, e me olhou como se eu estivesse louca.

— Que pergunta é essa, Kate? Você foi buscá-la na escola. Ela não estava dormindo com você? – Allison perguntou rindo, mas seu sorriso se desfez no instante em que o desespero provavelmente estampou a minha cara – Não estava?!

— Ai, mas que merda! – dei um tapa na minha própria testa, sentindo o meu coração perder o seu ritmo correto e acelerando assustadoramente.

— Kate! – ela me chamou se levantando e aproximando-se de mim – O que foi? Não me diga que esqueceu Liv na escola?

— Eu não esqueci ninguém! – falei irritada – Tem certeza que o Ian não te ligou hoje? Nenhuma mensagem? Nada?

— Eu tenho certeza, Kate! – ela estava começando a ficar aflita – O que tem o Ian a ver com isso e cadê a minha filha?!

— Ian me ligou hoje à tarde. – falei ofegante e ela me olhou confusa – Me ligou pedindo um favor, disse que tinha uma surpresa pra te fazer.

— Surpresa? – ela ecoou a palavra, ainda sem entender – Ele sabia que eu ficaria até tarde na confeitaria, contei pra ele ontem.

— E eu falei, também. – eu disse rapidamente – Ele falou que, mesmo assim, queria planejar algo especial, pra vocês três. Pediu pra eu autorizar a saída da Olívia, com ele, na escola. Disse que gostaria que ela o ajudasse a escolher algumas coisas.. Eu... Allison, por que ele não te ligaria?

— Por que ele precisaria da Olívia pra fazer algo do tipo?! – ela perguntou furiosa, me olhando em desespero – Se, segundo ele, a surpresa também era pra ela?

— Ele não faria mal a Olívia. – falei imediatamente, tentando ser racional – Inclusive, foi por isso que eu fiz o que ele pediu.

— Eu não sei o que ele faria! – ela disparou irritada – Por que ele mentiria pra tirar a Olívia da escola? – ela perguntou, mais pra si do que a mim.

Me deu as costas e pegou a bolsa, só enquanto ela segurava o telefone com as duas mãos, eu percebi suas mãos trêmulas. Após alguns toques na tela do smartphone, Allison levou o celular a orelha.

"Por favor, atenda. Por favor, atenda", era só o que eu conseguia pensar, enquanto Allison aguardava.

Ao contrário do que ecoava em minha mente, ele não atendeu. Allison tentou mais uma vez. E mais outra, e outra, e outra, mas não havia retorno. Na sexta tentativa, a chamada foi direto pra caixa de mensagens. Meu coração se apertou e, de repente, um sentimento pavoroso de culpa invadiu o meu corpo.

Allison não se contentou em esperar sentada. Antes que eu pudesse raciocinar, ela enfiou o celular na bolsa e pendurou a bolsa no próprio braço.

— Onde você está indo? – perguntei alarmada ao vê-la caminhar em direção a porta de entrada.

— Buscar a minha filha e saber que diabos esse homem tá pensando da vida dele. – ela respondei furiosa, atravessando a porta e batendo-a com força atrás de si.

Maldita a hora que eu não coloquei uma roupa.

Destinos Cruzados || Henry CavillOnde histórias criam vida. Descubra agora