A FOGUEIRA - PARTE 01

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O sol havia se posto a alguns minutos, deixando para trás apenas um resquício laranja sob o manto azul escuro do anoitecer. Uma camada de nuvens densas se aproximava nos céus, conduzidas pela corrente de ar frio que soprava sobre o acampamento dos 100.

Uma ampla fogueira havia sido montada pelos jovens para aquecê-los durante a noite, suas chamas altas e potentes também usadas para cozinhar as carnes trazidas por Joan e sua equipe de caça. O urso de 100kg era o principal assunto nas rodas de conversas, e os seis garotos que o capturaram recebiam elogios entre os adolescentes, principalmente Joan Kane, que já havia provado anteriormente como sua habilidade com facas era impressionante.

Sentada em uma pedra mais afastada do calor da fogueira, Joan limpava a carne presa na pele do urso que, futuramente, se tornaria um cobertor. Olhava fixamente para o sangue do animal em suas mãos sem parecer ligar para nada ao seu redor, sua mente distante.

Ela divagava pelos acontecimentos recentes, fantasiando o que poderia estar acontecendo na arca naquele momento. Imaginava se seu pai havia tido tempo de ler alguma coisa do diário de Amanda, talvez estivesse o folheando agora, deitado em sua cama, sozinho no bunker, apenas com a luz de cabeceira ligada e as palavras frias no papel como companhia.

Os dois costumavam conversar por volta desse horário. As cortinas que dividiam seus quartos eram ineficientes para encobrir barulhos, então antes de cair no sono, cada um em sua cama, eles podiam falar como havia sido seu dia sem se preocupar em ver a reação do outro.

Joan tinha certeza de que se contasse o que tinha passado nas últimas horas, seu pai não dormiria mais naquela noite.

Em meio a um riso fraco ela se pegou olhando para a imensidão de estrelas sobre sua cabeça, onde a mais brilhante delas chamou sua atenção, ofuscando qualquer outra. Quem dera a arca fosse tão bonita pessoalmente quanto quando vista da Terra.

— Ei — Uma voz jovem, rouca e feminina, soou muito próximo dela. — Sou Charlotte, Charlotte Crews. — Bastou Joan se virar para olhá-la, que a garota baixa e franzina sentou ao seu lado e, não ligando para a curta distância que a pedra a permitia ficar dela, colidiu com seus ombros. — Pode me chamar de Charlie.

— Prazer? — Joan sorriu um tanto atordoada, quase incerta de que essa era a palavra certa a se dizer. Charlote estava tão à vontade ao seu lado que não parecia que estavam recém se conhecendo.

Com um aperto de mão desajeitado, porém, ela a cumprimentou. O olhar de Joan perpassando curiosamente sobre o rosto da menina.

Seus traços eram familiares de uma maneira diferente, nostálgica. Ela tinha prováveis 13 anos de idade, seu maxilar era largo e seus olhos verdes eram bem desenhados, assim como os de Clarke. Ambas possuíam os mesmos lábios finos e narizes de boneca, até mesmo seus cabelos eram do mesmo tom de loiro, e caíam sobre seus ombros em ondas suaves.

A semelhança dela com a Clarke de quatro anos atrás era fascinante.

Mas Charlotte não pareceu perceber o deslumbre e estranheza nos olhos âmbar de Joan. Franzia o rosto em curta aversão ao mirar para a própria mão, onde o sangue do urso corria por entre seus dedos.

— Ah, desculpa por isso. — Joan riu fraco, se esticando para pegar um trapo na mochila ao seu lado.

— Tudo certo. — Charlie deu de ombros e antes de Joan conseguir a alcançar o pano, arrastou sua mão na lateral áspera da pedra para se livrar do sangue. — Então, você guardou o cérebro dele? — Ela perguntou, apontando para o pelo do animal em suas mãos. — Porque você precisa do líquido do cérebro dele para transformar isso em couro. — Um sorriso sincero surgiu nos lábios de Joan ao assentir, novamente impressionada com a menina.

Redone | Bellamy BlakeWhere stories live. Discover now