Capítulo 14

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- Overdose. - Suspirei e parei de andar, Davies fez o mesmo. Nós viramos e ficamos frente à frente. - Overdose de cocaína, dois dias antes de você retornar minha ligação.

Senti uma bile amarga subir pela minha garganta. Engoli em seco, numa tentativa falha de fazer com que o aperto e o amargor em minha garganta fosse embora.

O vi inquieto em minha frente, provavelmente querendo saber mais, mas está com medo de me magoar. Suspirei e continuei a dizer:

- Tudo bem, Davies, pode perguntar, se quiser. - Dei de ombros, como se não me importasse.

- Quando ele começou? - Perguntou, depois de limpar a garganta.

- No fim do ano passado. - Ele assentiu, me encorajando a continuar. - Cinco meses depois do pai dele morrer de câncer de pulmão. O plano inicial dele era esse, morrer do mesmo jeito que o pai, por isso fumava muito. -Soltei uma risada seca, desgostosa. - Ele era muito apegado e perder o pai foi demais pra ele. - Engoli outra vez o aperto em minha garganta, era tão forte que me impossibilitava respirar. - Ele me disse que foi quando descobriu que Margot também tava com câncer. - Davies arregalou os olhos. Continuei. - Câncer de mama, ela fez o tratamento e a quimioterapia por três meses e felizmente melhorou. Mas já era tarde demais, Peter já tava no fundo do poço, do próprio poço, que ele mesmo se jogou. - Suspirei fundo, com os lábios entreabertos, tentando controlar a linha fina de lágrimas na beira dos meus olhos.

- Como você descobriu? - Ele perguntou com a voz calma. Davies fez um leve carinho no meu braço, me acalmando.

- No começo do ano ele me levou pra uma corrida clandestina e me abandonou pra resolver algumas coisas e conversar com um cara. - Não consegui segurar as lágrimas, então elas rolaram pelas minhas bochechas. Quentes e pesadas. - Ele me deixou lá plantada e eu tive que correr sozinha. - Soltei uma risada nasalada, enquanto contava e chorava. - Depois que eu ganhei a corrida, ele apareceu, me parabenizou e me abraçou. Eu vi o nariz dele sujo de pó branco, óbvio que eu sabia o que era. Porra, eu não sou ingênua, mas me senti idiota por não ter percebido antes. Ele me pediu um milhão de desculpas enquanto chorava com o rosto no meu pescoço. - Fiz uma pausa e respirei fundo, o nó em minha garganta só apertava mais, não importa o quanto eu chorasse. - Eu não senti raiva dele, nem o culpei, mas eu senti muita raiva daquela merda e raiva de mim mesma.
Eu me culpo pela morte dele todos os dias e todos os dias a culpa aumenta, Davies. Eu não consigo parar de me culpar, não consigo, por mais que eu tente. - Ele me abraçou e comecei a chorar compulsivamente, molhando a camisa dele.

Apertei meus braços ao redor dele, buscando forças pra continuar nele, tentando manter minhas pernas firmes no lugar, sem fraquejar.
Busquei no Davies, Paz. A paz e tranquilidade que Peter me passou um dia. O que era injusto com ele, eu o cobraria demais, o cobraria mais do que devia e então quebraria a cara e o coração.

Senti uma lágrima dele molhar o topo da minha cabeça. Me afastei e olhei nos olhos dele. Ele secou minhas lágrimas com a costa da mão e tentou controlar as dele.

Agora estamos juntos chorando, parados no meio da praça, enquanto o sol da manhã queimava minhas costas.

- Peter me ensinou muitas coisas antes de partir e uma delas foi se orgulhar de tudo que eu faço e fiz. - Comentei, depois de me acalmar um pouco. Davies assentiu para que eu continuasse. - De tudo mesmo, das coisas boas e principalmente das ruins. Porque as ruins nos ensinam a não errar mais, não cometer os mesmo erros, sabe? - Ele acenou em concordância. Virei o olhar para uma árvore próxima. - Nos ajuda a evoluir e nos tornar alguém melhor, e as boas nos mostram que evoluímos e nos tornamos pessoas melhores. - Olho para ele e o vejo me encarando intensamente, com as orbes brilhando. - Eu me orgulho de tudo que fiz, porque sei que Peter me ensinou direito.

BROKEN | sem revisãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora