Capítulo 5

84 10 1
                                    

Jamal me olhava de uma forma estranha. Como se algo em mim estivesse errada; seus olhos me analisavam de cima a baixo, e mesmo que estivéssemos aqui, nessa situação parados com ele me encarando; e eu tentando entender o que estava acontecendo, ele ainda não havia me dito nada. Apenas me olhava desde que cheguei no estacionamento.
— Jamal? Qual é o seu problema? — Pergunto por fim.
— Nada. Só estou vendo que a sua roupa não é apropriada para o que iremos fazer hoje. — Conclui.
— Quem disse que eu vou sair com você?
— Você não vai?
— Na verdade, vou. A proposta de paz eterna é tentadora.
— Você me odeia. — Conclui em tom de brincadeira. — Mas, enfim, vamos?
Eu olho para todas as pessoas ao nosso redor que estão distraídas com seus afazeres. Encaro Jamal, que apenas me olha esperando uma confirmação. Recordo que há algumas semanas; eu achei que ele seria uma experiência humana que poderia mudar um pouco a realidade em que vivo, principalmente em relação a Jacob, e também em outros aspectos da minha vida em que eu achava não ter controle. Porém, pela primeira vez em anos; eu estou confusa. Não é a primeira vez na vida em que me questiono sobre a ordem das coisas, no entanto, como sempre, toda vez que eu tinha esses questionamentos; logo em seguida vinha a desesperança.
Às vezes um outro caminho parecia inviável, porque eu sabia que nada poderia mudar minha relação com Jacob; e nem eu queria mesmo perder o que eu tinha com ele. E às vezes, seguir um outro rio, que não era o do Jake, me parecia insanidade.
— Para onde vamos? — No entanto, eu precisava ao menos tentar.
— Vamos fazer uma trilha. — Diz. — Mas as suas roupas não são apropriadas.
— Não se importe com isso. — Olho para as minhas vestimentas, uma calça jeans azul escura, uma blusa de algodão e uma jaqueta vermelha. Não era a roupa mais apropriada; porém, não era realmente um problema. — Você também não está vestido da forma certa.
— Bom, não importa. — Analiso a roupa dele, a calça jeans, a camisa preta e o all star preto de cano curto; e ele também não se preparou. — Eu até te avisaria se tivesse o seu número para mandar mensagem, não é...
— Vamos, Jamal. Não enrole; não temos tempo a perder. — Aviso; o estacionamento estava começando a ficar vazio, o primeiro sinal para as aulas começarem estavam prestes a tocar, e eu não queria ser vista matando aula.
— Certo. Podemos ir no meu carro?
— Não. Prefiro ir no meu.
— Ok. Eu posso ir dirigindo?
— Não.
— Você não é fácil, não é? — Me pergunta com as mãos dentro do bolso; mas ainda com um sorriso sacana nos lábios.
— Nem um pouco. — Sou sincera.
— Certo. Vamos.

#
E

stamos dentro do carro a mais ou menos uns quinze minutos; estou dirigindo para fora da cidade, estou em alta velocidade, mas dessa vez ele não se incomoda, apenas olha alguma coisa em seu celular, e de vez em quando, olhava na estrada para ver onde estávamos.
— Só mais um minutos dirigindo. — Comenta.
— Uhum. — Me sinto um pouco estranha por estarmos fazendo isso, em todos os meus anos de vida, nunca fiquei tão próxima de um humano sem que fosse de extrema necessidade.
— O que foi? Aconteceu algo?
— Não. Nada.
— Não se sinta desconfortável ao meu lado; eu não sou perigoso. Não tenha medo de mim. E eu gosto de você, não irei fazer nada.
— Não tenho medo de você.
— Isso é ótimo.
— Na verdade... — Antes que eu conclua qualquer frase, Jamal grita, me assustando, fazendo com que eu pare o carro imediatamente.
— Para! — Grita de novo.
— O que foi? — Pergunto meio assustada.
— É aqui. Vamos, estaciona. A trilha começa logo ali.
Estaciono o carro no meio fio da estrada cercada por árvores; tenho certeza que esse local é proibido estacionar, mas neste momento, não me importo. Jamal é o primeiro a sair, olha outra vez para o celular, parece frustrado, mas logo o guarda e volta sua atenção para mim.
— Nessie... Vamos? — Pergunta mais uma vez.
— Tem alguma trilha aqui por perto? Não vejo nada. — Olho novamente ao redor, a mata ao nosso redor é completamente fechada, nem um sinal de um lugar que podemos andar entre as árvores.
— Na verdade, não tem trilha. Vamos ter que entrar pela mata fechada mesmo, mas tem um caminho que nos guiará até onde quero levar você.
— Ok.
— Tá com medo?
— Não; Jamal, eu não tenho medo de você. — Rio ao falar, visto que eu poderia destruir a vida dele em menos de dois segundos.
— Menina corajosa; mas vem, me segue.
Eu tranco meu carro, e deixo com que ele se afaste alguns metros antes de eu começar a segui-lo, não sei ao certo o que estou fazendo, mas mesmo assim continuo.
Estamos andando há uns cinco minutos, olho para os musgos úmidos e às ervas daninhas que estão grandes e que estão no nosso caminho pelo chão. Não há realmente nenhuma trilha, mas Jamal parece estar confiante de onde estar indo, mesmo entre a floresta densa e com a pouca luminosidade.
Jamal começa a cantarolar uma música estrangeira, há uma pequena pausa da sua parte para uma descansada; desta vez ele olha para trás para poder me enxergar.
— Você está bem?
— Eu estou. Você que parece que está morrendo e não estamos caminhando não faz nem cinco minutos.
— É que é meio íngreme, né? — Suspira alto depois de falar. — E eu também sou sedentário, e tal...
— Quer ajuda? — Eu poderia facilmente carregá-lo e andar toda a floresta com ele em minha costas durante dias sem sequer me cansar.
— Não, valeu. Estamos pertos... vem.
— Para onde estamos indo?
— Um lugar especial.
Depois disso, continuamos a andar, e Jamal suspirava cansado às vezes e em outras bufava do que parecia ser raiva.
— Você está bem?
— Não, na verdade não. A minha família é um saco; principalmente quando gostam de impor as ideias delas para mim, como se eu fosse a porra de uma continuação da vida medíocre deles...
— Não foi relacionado a isso que eu perguntei. — Rio ao final.
— Ah, bem... — Ao falar, noto o seu constrangimento, e é inevitável não rir.
— Não, não. Mas continue contando das suas frustrações como adolescente incompreendido...
— Eu não sou assim; só estava desabafando.
— Sei, mas...
— Chegamos!
Me aproximo mais dele, e olho para onde ele está olhando, e vejo o grande lago verde cristal que está bem a nossa frente, e enquanto me distraio com a beleza das águas cristalinas, sequer noto a movimentação de Jamal ao tirar a roupa, e ficar apenas de peça íntima, e em um pulo entrar na água.
Não resisto e solto uma pequena risada da sua forma desengonçada de mergulhar; há um momento que ele nada e fica um tempo submerso, assim olho novamente para a paisagem que nem parece Forks pela forma quase tropical que parece. A brisa da floresta junto com da água balançam o meu cabelo, e isso faz com que eu feche meus olhos para aproveitar a sensação de ar fresco. Mas, depois de alguns minutos, sinto um molhado no meu rosto. 
— Esse lago é mágico. — Ele me diz, depois de ter jogado água em mim para chamar a minha atenção.
— Mágico? — Pergunto um pouco estressada, olhando para ele de cima, visto que ele ainda estava dentro do lago, e eu na margem.
— Sim, dizem as lendas antigas que quem nada nele, torna-se uma criatura sobrenatural.
— Ah, é? 
— Sim...
— E essa lenda quem criou foi você?
— Sim, acho que eu sou o criador de tudo aqui nesse meu novo mundo... — Diz de forma pretensiosa. 
— Pra mim, você é louco.
— Não, é verdade. — Diz nadando de um lado para o outro. — Por exemplo, faz um tempo que eu nado aqui, e estou me tornando aos poucos um grande sereio gostoso...
— É tritão. — Corrijo-o depois de um pequeno riso. — Acho que esse lago não funciona de verdade... 
— Ah, para com isso. — Diz espichando mais água em mim.
— Para, Jamal.
— Vai dizer que eu não sou um sereio gostoso?
Rio um pouco mais; olho para ele para afirmar que não, mas assim que meu olhar cruza a metade do seu corpo e rosto, noto que na verdade, ele é bem bonito. De uma forma exótica e única, e os músculos da barriga molhados lhe dava um ar bastante... charmoso.
Acho que é a primeira vez que realmente olho para ele; sem machucados ou sem roupas estranhas e sujas, e não posso dizer que ele é feio nem para padrões humanos e de quem não é... Mas isso realmente não é algo que ele precisa saber no momento. Porém, acho que o meu silêncio agora me entrega.
— Não vai entrar? 
— Não trouxe roupa de banho. — Analiso minhas roupas nada apropriadas para essa ocasião.
— Eu também não trouxe; estou aqui de cueca.
— Eu não vou ficar de peça íntima aqui. — Com você.
— A água está maravilhosa. Demos sorte do dia estar bom para um mergulho.
— Você é um tarado. 
— Não; não tinha como eu ter te avisado para trazer roupa de banho já que não tenho seu número... — Fala seguido por um risinho. — Mas eu queria que você tomasse banho aqui na lagoa.
— Porque?
— É mágica, já disse.
— Uma pena que não poderei entrar.
— Não é justo. — Sua voz parece um pouco chateada e eu apenas dou de ombros. — Quero que você entre aqui.
— Não vai ser dessa vez.
— E nem numa próxima, não é?
— Bom, acho que ninguém sabe.
— Vamos fazer um seguinte... Eu fecho os olhos e você entra.
— E vai manter ele fechados?
— Sim, até a hora da gente sair.
— Fala sério... — Porém, antes que eu termine a frase, vejo ele fechar os olhos, e permanecer por alguns minutos assim.
— Tá demorando tanto assim? — Pergunta depois de um tempo, e eu nem havia sequer tocado em minha roupa.
Eu não entendia qual era a dele, o porquê dele fazer tanta questão ou se ele ficaria realmente de olhos fechados, mas eu sabia que ele não era perigoso, não para mim pelo menos. E além do mais, ele era divertido e de uma forma muito estranha, eu estava começando a confiar nele.
Tiro minha roupa apressadamente, olhando para ele que ainda está de olhos fechados, me esperando dentro de água. Escolho um lugar estratégico e pulo, as águas espalhou para todos os lados e meus pés tocam o chão pedroso do fundo do lago. Os peixes se afastam de mim, e assim que subo, vejo que Jamal está rindo sozinho ainda de olhos fechados.
— Pode abrir o olho se quiser. — Nudez parcial para mim não era um grande problema.
— Não, eu disse que ficaria de olhos fechados e vou manter a minha palavra.
— Então quer dizer que você é um homem de palavra.
— Sou. — Diz orgulhoso. 
— Não sabia. — Nado um pouco distante dele que continua parado, tentando me acompanhar pelo barulho que faço ao me movimentar dentro da água.
— Tem muitas coisas que você não sabe sobre mim. 
— Digo o mesmo.
— É? Então pode começar a falar um pouco sobre você.
— O que? Não. Você não precisa saber nada de mim. — Mergulho um pouco e mesmo dentro d'água, consigo escutar Jamal me respondendo. 
— Você é maior de idade pelo menos, não é?
— Pela amor de Deus, sim. — Rio, pois eu era alguns anos mais velha que ele, não tanto quanto gostaria, mas com certeza não era mais uma adolescente.
— Eu também, fiz dezenove mês ano passado. 
— Dezenove?
— Pois é, repeti o último ano e tal... enfim.
— Sério? Meu Deus, porque você faz isso?
— Eu já te disse...
— É certo...
— Me fala mais sobre você. — Ele nada tentando chegar em minha direção, mas eu sempre desvio para não deixar ele chegar perto.
— Não; diga sobre você primeiro.
— Não, não vou.
— E então porque você quer que eu diga sobre mim?
— Realmente, não é justo. Não precisamos dizer nada um sobre o outro, a gente pode inventar. 
— Inventar?
— É, coisas sobre nós mesmos. A gente inventa nova versões de nós, de fato nossos, só o que a gente quer mostrar um para o outro. Só as melhores coisas. — Diz sério, mas ao mesmo tempo sorrindo, aquele sorriso que nunca sai do seu rosto.
— Boa ideia. — Recriar a mim mesmo, ainda que fosse apenas para uma pessoa, era uma oportunidade incrível.
— E então, qual versão você quer mostrar para mim agora? — Indaga ao tentar se aproximar novamente de mim, mas eu vou até o outro lado da rio.
— Agora? Nenhuma.
— Bom, eu quero te mostrar uma versão minha. — Diz, e eu deixo com que ele se aproxime. Estamos tão próximos que eu sinto sua respiração gelada bater em meu rosto.
— Qual é? 
— Nesse momento é... — Ele tenta colocar suas mãos em meus braços, mas eu o afasto.
— Sem toques, Jamal. — Aviso-o.
— Ah, é... sem toques, sem visão, sem nada. 
— É isso aí... enfim, o que você queria me mostrar? 
— Nada. Só como eu mergulho bem. — Ao dizer, ele se joga para trás e continua a nadar; faço o mesmo, mas em outra direção.
Não sei há quando tempo estou nadando e pensando em minha vida, noto, depois de longos minutos, que Jamal não está na superfície.
— Jamal? — Chamo-o e tento ver qualquer movimentação sua nadando, mas não vejo nada. — Jah? — Me aproximo de onde ele mergulhou pela última vez e também não o encontro. — Jah?
Ando por todo o local, grito o seu nome, mas nada dele, bato os braços na água para chamar a atenção dele, mas ele ainda não retorna. Em meus cálculos; ele deve estar lá em baixo por pelo menos cinco minutos.
— Jamal! — Grito.
Espero um tempo, mas nenhuma resposta.
Mergulho e procuro; há uma parte do lago, perto de umas rochas, que é fundo, procuro até lá, e assim que rondo com o olhar a área, o encontro. Perto do chão pedregoso, de costas para mim, parado; completamente imóvel.
Me desespero, e chego perto para o puxar para cima, não penso muito. Só o arrasto, preocupada se ele está respirando ou não. 
— Porra, Jamal. — Digo quando não temos mais água dentro de nossos pulmões, ainda que para mim isso não faça diferença. Ele é humano, e não parece estar respirando.
— Nessie? O que foi? — Pergunta assustado e eu que me assusto por ele estar normal. Vivo.
— Você está bem? Está respirando?
— Sim, estou. Porque eu não estaria? 
— Você estava dentro d'água, há muito tempo... pensei que tivesse morto.
— Não, não. — Diz rindo.
— E o que você está fazendo lá? 
— Ah, nada... oh, desculpe. Eu abri os olhos. — Fala entre risos.
— O que? — Pergunto confusa e vejo que agora ele está me olhando. — Não importa isso. O que você queria? Morrer?
— Sim, meio que sim. Não é isso que todos queremos? 
— O que você está dizendo?
— As coisas da vida só são bonitas porque elas morrem, Nessie. E eu quero ser bonito, e então morrer faz parte.
Eu fico calada, tentando entender o que ele está dizendo. Mas ele não me explica, apenas continua falando.
— Que merda você está falando? — Sei que ele escuta a minha pergunta, mas mesmo assim, a ignora, voltando a falar de suas sandices sem sentido.
— A efemeridade é o que dá sentido à vida, não acha?
— Não. Quando nós estávamos no carro e eu acelerei, não parecia que você pensava assim. 
— Sou a favor da morte natural, não de uma causada pelo excesso de velocidade.
— Sei não...
— O que nos torna humanos, Nessie, é a morte. Viver é apenas uma distração para o fato de que no final vamos morrer.
Não penso dessa forma; morrer para mim era a pior coisa. Ter prazo de validade é um grande pesadelo, nunca há tempo para nada. 
— O eterno é melhor. — Digo; se há algo que eu me orgulhe de ter herdado dos genes vampiros, é a imortalidade. A certeza de que estarei aqui para sempre; sempre podendo fazer algo novo, descobrir e me reinventar...
— Não, não. — Ele toca a minha bochecha ao falar. — Imagina uma flor? Qual é a mais bonita, a de plástico ou a real? — Ele não espera a minha resposta para continuar. — É a de verdade, mas só porque ela morre depois de algumas semanas. 
— Não...
— As coisas só mudam porque o ciclo se encerra, Renesmee...
— Às vezes um ciclo eterno é bom.
— Nada que eterno é bom, Nessie.
Tento contestá-lo, mas ele está tão perto que me perco em seu cheiro e textura da pele, quando reuno palavras para retrucar, a sua boca se aproxima da minha. Ele me beija, primeiro de forma calma, mas aos poucos pede espaço para colocar sua língua dentro da minha boca, e eu, depois de um tempo, deixo.
Correspondi o beijo da mesma forma lenta que ele. Sentindo seu gosto, a maciez de sua língua e o molhado do qual nosso ato estava trazendo para a minha boca.
Me questionando o que estou fazendo e também o porque o beijo desse humano é tão bom.

Inevitável  Where stories live. Discover now