Capítulo 11

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Quando as mãos suaves e firmes de Carlisle tocaram meu rosto, acordando-me, eu sabia que havia algo de errado.
- Vô? - Perguntei um pouco assustada. A forma que ele me olhava era de uma forma que nunca antes aconteceu.
- Querida, acorde. Você precisa vir comigo. - Diz sério.
- O que? Pra onde? O que está acontecendo?
- Vamos ao hospital. Vem. - Fala me levantando carinhosamente da cama onde eu estava descansando. Vejo a janela a minha frente, e o dia nem havia clareado.
- Ao hospital? O que? Para que?
Não ouço nenhuma explicação da sua parte, ele apenas me ajuda a vestir um casaco grosso, e pega minhas mãos para que descemos as escadas juntos. Assim que chegamos na sala de estar, surpreendo-me ao ver toda a minha família lá, olhando-me também com olhares indecifráveis.
- O que está acontecendo? - Pergunto mais uma vez agora um pouco estressada.
- Nessie, só me acompanhe, por favor. - O vovô fala, ainda me segurando firme.
- Eu só quero saber o que está havendo aqui. Porque todos estão me olhando? O que aconteceu?
- É o Jamal, Nessie. Vá para o hospital. - Alice me avisa, e isso me deixa ainda mais atordoada.
- Jamal?
- Vai ficar tudo bem, meu amor. - Edward diz, mas ao tentar se aproximar de mim, carinhosamente minha mãe o impede.
- Sim, tudo vai ficar bem, Nessie. Vá com o seu avô, nós iremos depois. - Vejo o semblante de Bella, minha mãe, em uma mistura de suave com dor, e não consigo entender mais nada.
- Vocês sabem quem é o Jamal?
Meu questionamento sequer é respondido, pois quando percebo, estou dentro do carro de Carlisle, com ele a uma velocidade que nunca vi ele dirigir.
- O que tem Jamal? - Indago receosa, minha mente está muito confusa. - E vocês... vocês sabiam sobre ele? - Repito a pergunta de poucos segundos atrás.
- Sim, mas não se preocupe com isso.
- E porque estamos indo ao hospital? Aconteceu algo com ele?
- Ele está morrendo, Nessie. - Sua voz é suave, mas não impede com que eu fiquei aprovada.
É como anunciar que uma bomba está prestes a explodir cantando ópera.

#
A

ssim que chegamos no hospital de Forks, onde Carlisle trabalha, deixo com que ele me guie. Sequer presto atenção ao meu redor, foco apenas em Jamal, e no fato de que havia alguns dias que eu não o via, apesar de trocarmos mensagem de texto sempre que podemos, e que também, apesar dos meus longos anos de vida, eu não sei nada sobre a morte.
Apesar de ter perdidos pessoas importantes - como meus avós maternos - dessa vez era diferente.
Nunca gostei de hospitais, eles sempre cheiram a morte. A uma morte velha e dolorosa. Evidenciando a fraqueza humana, sendo uma das coisas que menos gosto. No entanto, caminho lado a lado para a sessão de leitos, pelos cochichos, sei que Jamal está em um, e ando mais depressa para saber o que está acontecendo.
- Acho que você deve ir sozinha daqui para frente. É o quarto 201. Estarei aqui te esperando. - Diz-me, parando de andar no meio do corredor.
- Certo. - Respondo rápido, parando de tentar entender o que se passa.
Ando devagar, observando cada mínimo detalhe do ambiente que era pouco detalhista na minha memória, mesmo que ela gravasse cada local por onde ando de forma minuciosa. Acho a porta, e antes que eu hesite um pouco para entrar, entro com tudo.
O ambiente é claro. Com paredes brancas com poucos móveis. Não há nada além de outra porta que provavelmente daria para o banheiro, uma cadeira, uma escrivaninha e uma cama hospitalar, onde Jamal estava.
- Ei, ei. - Falo me aproximando. - O que está se passando com você?
Jamal me encara, não mais com aquele seu sorriso característico, mas com um semblante cansado. As olheiras ao redor dos seus olhos estão grandes e roxas, e a sua pele está super pálida.
- Nessie... - Fala com muito esforço. - O que você está fazendo aqui?
- O que você está fazendo aqui? - Repito a sua pergunta. - Você está bem? Tá doente? O que você tem? - Há tantos fios, soros, e o tubo de oxigênio em seu nariz, que mal o consigo ver por completo.
- Não queria que você me visse assim...
- Porque você está aqui? - Estou perto do seu leito, a centímetros da sua pele, e ele antes de falar, pega em minha mão.
- Desculpa não te falar antes... Eu tô doente, há muito tempo... enfim. Acho que finalmente chegou a minha hora. - Sua voz sai entre um riso rouco.
- Doente?
- Câncer. Câncer de pulmão.
- Não. Não é possível. Você descobriu agora? Vai iniciar o tratamento?
- Não. - Solta um riso que não é apropriado para o momento. - Descobri o câncer ano passado, a metástase estava começando, e agora apesar de não saber de forma técnica, tenho certeza que piorou. Minha saúde também sempre foi complicada. E como não optei pelo tratamento logo, tenho certeza que não tenho muito tempo. Apesar de não o ter antes de qualquer forma.
- Não estou te entendendo.
- Deixa eu te contar a história desde o início... - Faz um pequeno esforço para se ajustar na cama para me ver melhor. - Ano passado, depois de uma série de mal estar, fui ao médico, fiz vários exames, e constou que eu estava com câncer de pulmão. Irônico, não é? Nunca fumei na minha vida... enfim, recusei qualquer tratamento de radioterapia, quimioterapia ou seja lá o que tem de novo no mercado farmacêutico. Fui viver a minha vida pelo tempo em que ela ainda me restava.
- Porque você fez isso?
- No meu caso não tinha jeito. Preferi ter uma boa qualidade de vida, ainda que por pouco tempo, do que ser um morto-vivo que no final acabaria morto de qualquer forma.
- Mas você sequer tentou? O tratamento poderia ter dado certo! E você desistiu... - Estou totalmente atordoada. Quem em sã consciência esperaria a morte sentado?
- Não. Nessie, escuta... Não tinha jeito. Não no meu caso.
- E agora?
- Já disse, estou esperando a morte. Assim como a esperei todos os dias desde que tomei a decisão de não seguir com o tratamento.
- Você é louco. - Concluo.
- Não... Eu só estou cansado.
- Jamal, isso... quer dizer... - Estou confusa, totalmente sem saber o que falar.
- Olha, calma. - Aperta mais forte a minha mão. - Desculpa te colocar nisso...
- Você não pode morrer, Jamal. - Interrompo-o. - Não agora que eu estou começando a gostar de você.
Há dias estou pensando nisso, e mesmo que eu não quisesse admitir, agora isso não tem importância, sei que estou gostando dele. De verdade.
- Me desculpe. - Fala com muita dor. - Pensei que isso não iria acontecer.... quer dizer... Não sei. Foi burrice.
- E você queria que tivesse acontecido o que, idiota?
- Nessie... pensei que você nunca iria gostar de mim, afinal, porque uma garota como você olharia para mim? Não tem sentido. Só de ter você por perto, ter te beijado, ter pego a sua mão... isso foi incrível. Mas você gostar de mim? Isso foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida.
- Para de falar bobagem... Você está morrendo.
- Sim, mas estou realizado. Sério. A morte me é uma ideia aceitável. Não tenho medo.
- Como não? Morrer é a pior coisa que pode te acontecer.
- Não, querida. Não quando é um processo natural. É só mais uma fase que estou para concluir.
- Não entendo... - Só de pensar em morrer, que nem consigo por ser tão irreal em minha realidade, sinto uma mistura de sentimentos indescritíveis.
- É complicado... mas não é a pior coisa. Mas você me perdoa, não é?
- Perdoar? Pelo que?
- Porque não vou poder passar mais tempo com você. - Sua voz se embola em um choro. - Nessie..
- Não, Jamal, não. - Levo minhas mãos para o seu rosto numa forma de tentar enxugar as lágrimas que estão brotando.
- Deixa eu te falar uma coisa, Nessie... Eu estou para morrer, mas todos esses dias que ficamos juntos, me fez desejat ter todo o tempo do mundo. Renesmee, você me fez desejar viver, mesmo que eu soubesse do meu fim, me agarrei até onde podia aos últimos suspiro de vida para vivê-los ao seu lado... mas...
- Não precisa ser assim, você não precisa morrer. - Uma ideia de nunca cheguei a cogitar no momento, passa pela minha cabeça como um plano super plausível. - Eu... Eu tenho um jeito de...
- Não, Nessie, não tem mais jeito. Estou fugindo dos meus pais durante todo esses meses porque eles querem tentar prolongar a minha vida, mesmo que isso me machuque muito. Meu futuro é morrer, e não há nada que possa mudar isso.
- Não...
- Escuta. As coisas foram feitas para serem efêmeras... e tudo é mais belo quando acaba rápido, não é mesmo? Viver mais nunca foi o que eu quis, eu só quero, e consegui, viver de forma digna e feliz pelo tempo que me tinha. E isso basta, é o suficiente. Não precisa de mais.
- A gente ainda pode reverter essa situação, acredita em mim. Posso chamar meu avô aqui, ele pode te ajudar...
- Nessie, não. Já chega. O tempo acabou. É a minha decisão. Foi essa desde o início. Escolher se posso morrer? Nunca me senti tão dono de mim... escuta, não tem problema, esse é o meu destino, independente do caminho que escolhi seguir. Nessie... - Há uma pausa sua para buscar ar. - Você me perdoa, não é?
- Jamal...
- Eu sei que fui totalmente errado em envolver você nisso... me desculpe. Mas prometo que você irá ficar bem depois que eu for, assim como toda a minha família, diga isso para eles se você chegar a vê-los... mas obrigado de novo, você me fez o homem mais feliz do mundo.
- Jamal, eu jamais te culparia por nada. Acho que quando me envolvi com você sabia que seria efêmero, mas não que seria dessa forma, mas dane-se. Porém, também tenho que agradecer você por ter me feito muito feliz, por ter me mostrado um outro caminho... Jamal, eu sou tão grata. E apesar de estar tentando te entender... acho, acho que está doendo. Doendo muito.
Nunca senti essa dor. Nem sei como classificá-la. Acho que é medo com aquele sentimento sem nome que temos, mas que nunca senti, quando estamos perdendo alguém para a morte.
Isso está sendo devastador.
- Você é maravilhosa... - Pega minhas mãos novamente. - Me faz um favor?
- O que?
- Fica aqui comigo? Quero estar com você até o último momento. - Fala com dificuldades por causa de estar tossindo.
Não sei se quero presenciar isso, mas não posso dizer não para ele. E por isso, tiro meu grosso casaco, e deito na cama, com a minha cabeça em seu peito, e as nossas pernas entrelaçadas.
Suas mãos vão para os meus fios, enquanto fico refletindo sobre as coisas que estão acontecendo desde que acordei. E de como as coisas mudaram tão rapidamente sem que eu sequer tenha tido uma real influência para elas.
- Então, é isso? Vamos esperar você morrer?
- Sim, acho que sim. Só saiba que estou morrendo muito feliz.
- Não quero que você morra, Jah. Não quero. - Sussurro a última parte, apertando o corpo dele ao meu.
- Tá tudo bem. Só fica comigo nesse para sempre que temos.
Levanto a minha cabeça para o encarar. Sei que seus traços serão algo eterno na minha memória, mas apesar disso, tenho gravá-lo o máximo que posso.
- Nunca vou esquecer você. - Sei que isso será meu triunfo como também será a adaga cravada em meu peito.
- Nem eu. Terei você comigo para sempre, até o fim da minha existência, que torna o que temos eterno.
Não sei o que dizer. Quero congelar esse momento. Voltar no tempo onde tudo isso não estava nem nas minhas mais férteis imaginações. Ainda quero ficar com a impressão de que iria vê-lo depois.
- Jamal... por favor, fica. - Imploro, mesmo que ele não entenda o que quero dizer com isso, não estou disposta a perdê-lo.
- Me desculpe, mas nem se tivesse uma fórmula mágica que me permitisse ficar, eu iria querer isso. Não posso fazer isso... me desculpa.
- Jamal... - Apenas chamo sem nome em desespero, sei que nada que eu fosse propor para lhe dar a vida eterna seria aceito. Ele fez a sua escolha.
E não há nada que posso fazer.
Beijo seus lábios para ter o gosto dos seus lábios no meu, sinto seu cheiro para sentí-lo sempre. E escuto as instruções que ele me dá sobre a sua vida, e às coisas que ele quer que eu fale caso encontre com a família dele. Ouço com atenção a sua voz porque é a coisa mais linda que em todos meus anos viva já ouvi.
Escuto todas as nossas histórias novamente contadas pela sua visão. A primeira vez que nos vimos, a última, os nossos beijos, os nossos risos, a vez que fizemos amor sob as estrelas. Ele me conta tudo nos mínimos detalhes, sempre rindo e falando que aquele momento é o melhor da sua vida.
Depois de um tempo ficamos em silêncio. Apenas escutando a respiração um do outro. Querendo mais tempo. Pedindo mais tempo.
Nos espantamos quando a porta é aberta.
- Desculpa, não queria atrapalhar vocês. - É Carlisle que diz entrando no quarto. - Mas preciso verificar o paciente.
Apenas balanço a cabeça que sim. Afasto-me de Jamal, mas ainda ficando na cama com ele. Carlisle verifica tudo, mas para bem ao meu lado e começa a falar baixinho.
- Renesmee, a saturação dele está muito baixa... eu, infelizmente... Não há nada que eu posso fazer.
- Eu sei.
- Nada que eu posso fazer como médico... mas, se você quiser, posso transformá-lo. Não é difícil, apesar de ser um pouco arriscado. Mas dou um jeito. Todos da família estão cientes e de acordo. Ter um novo membro não é um problema... basta você querer.
- É... - Não sei o que falar. É uma decisão muito importante, e antes que eu posso dizer algo, o fio de voz de Jamal nos chama atenção.
- Ela me condenaria a esse fardo, não é? Tenho certeza que não...
Me assusto um pouco com a sua fala, mas sei que não tenho tempo para isso.
- Não. - É a palavra mais difícil que eu disse na minha vida até agora. - Não é a vontade dele, então vamos respeitá-lo.
Vejo ele sorrir para mim. Tão lindo como sempre foi.
- Certo. - É a única coisa que o vovô me diz ao sair do quarto e nos deixar a sós.
- Obrigado, Nessie... sabe, uma vez eu li em um livro algo lindo, que acho que se encaixa em nossas vivências... É algo com "eu te amo como um rio, que entende que precisa correr diferente em uma cachoeira e aprender a repousar em um depressão do terreno. Eu te amo porque todos nascemos no mesmo lugar, da mesma fonte, que continua sempre nos alimentando sempre com mais água. Assim, quando estamos fracos tudo o que precisamos é aguardar um pouco. Volta a primavera, as neves do inverno derretem e tornam a nos encher de nova energia. Eu te amo como um rio que começa solitário e fraco em uma montanha, aos poucos vai crescendo e se unindo a outros rios que se aproximam e até que, a partir de determinado momento, pode contornar a qualquer obstáculo para chegar onde deseja. Então, eu recebo o seu amor e entrego o meu amor. Um amor sem nome, sem explicação, como um rio que não consegue explicar o seu percurso, apenas segue adiante. Um amor que não pede e que não dá nada em troca, apenas se manifesta. Eu nunca serei seu, você nunca será minha, mas mesmo assim posso dizer: eu te amo, eu te amo, eu te amo."
Quando ele termina de falar, algo muito estranho acontece comigo. Estou chorando. Lágrimas salgadas e que desde que eu era um bebê não saem de mim.
- Jamal... eu te amo como um rio. - Assumo, e um soluço de choro atrapalha o resto da minha fala. - E é verdade, não estou mentindo... nem entendo o porquê, mas te amo.
- Eu também te amo como um rio.
Quero lhe dizer mais um monte de coisas, o que ele me ensinou e o que aprendi sozinha sobre o amor. Quero lembrar de novo todos os nossos momentos juntos, rir ao seu lado, e o beijar. Estou prestes a tocar nele e transmitir todos os nossos momentos juntos.
Mas não consigo.
Ele não está mais aqui para me ouvir dizer todas essas coisas. E nem eu irei mais o ouvir contando nossas vivências, nem a sua voz doce, a sua risada seca, nem o beijar, nem fazer amor, nem viver momentos novos o seu lado.
Porque ele se foi.
Para sempre.

Inevitável  Where stories live. Discover now