Prólogo: Antes Só Do Que Mal Acompanhado

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PRÓLOGO – Antes Só Do Que Mal Acompanhado

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PRÓLOGO – Antes Só Do Que Mal Acompanhado

26 de outubro.

Gauthier apanhou o isqueiro e o maço de cigarros do sofá. Foi até a varanda, sentiu o vento em suas vestes e na barba recém-crescida e sentou-se com dificuldade em sua gasta cadeira de balanço. Apertou os olhos e acendeu um dos cigarros entre os lábios finos.

Era um homem de olhos cansados e rugas marcadas pela incessante busca da verdade e já encontrava-se mergulhado na desesperança. Havia se passado um mês desde o crime que desafiou seus anos de experiência, e as pistas pareciam apenas murmúrios confusos, teimando em permanecer nas sombras.

Ao longo de todos os seus sessenta e quatro anos tendo, sobretudo, interesse em investigações e suspenses, Detetive Trevor Gauthier nunca houvera um caso jovem tão complexo e perturbante como este. Suas suspeitas nunca haviam sido tão diferentes e tão parecidas ao mesmo tempo e, uma vítima, nunca houvera sido tão intensa e cheia de segredos de tal maneira.

A brutal morte de Lisa Castillo era um enigma interminável.

Sentado em sua varanda enfumaçada, Trevor folheava relatórios desgastados e fitava a parede, como se esperasse que ela pudesse revelar os segredos que escapavam de suas mãos. O relógio ticava de maneira implacável, ecoando o passar do tempo que ele temia perder.

Trevor tirou o cigarro dos lábios e inalou a fumaça. Sua velha caderneta em uma pequena mesa circular de madeira do outro lado da sacada chamou sua atenção. Ele não a trocava por nada.

Apoiou ambas as mãos nos braços da velha cadeira almofadada para que conseguisse se levantar, e então caminhou em direção de seu caderno.

Uma carta ao lado da caderneta, do amontoado de pétalas caídas de suas plantas e uma xícara vazia de café, agora caíra nos pés do detetive com a ajuda do vento. A primeira carta.

A primeira carta.

Gauthier abaixou o corpo. Pegou o papel. O releu sem mais esperanças.

"Cara Danvers,
Passarinhos pousaram em minha janela para me contar sobre como a mademoiselle tem prazer em gabar-se de sua criatividade. Então vejamos, cher ami, até onde a sua imaginação e determinação são capazes de te levar.
Fique atenta ao Boulevard de la Croisete, no dia 23 de setembro, às 20h12min.
Atenciosamente,
ASMFC."

A letra do autor era bem cursiva e encorpada, a tinta da caneta preta forte, quase manchando a folha no começo da carta. No final, a tinta começa a falhar, agora cinza-claro, fraca demais, com letras mais sutis. Gerava um degradê. E então a carta acabava com o último parágrafo desalinhado.

Num momento de resignação, quando a noite envolvia a cidade com sua melancolia, uma faísca de inspiração rompeu a escuridão da mente do detetive. Uma ideia, há muito enterrada sob camadas de frustração, emergiu como uma luz tênue. Um elo perdido, antes ignorado, pareceu ganhar vida em sua mente.

Gauthier não pôde acreditar no que acabara de perceber. Já era a milésima vez na semana em que lia e relia a mesma carta, mas agora tudo lhe parecia diferente. Tudo soava como se fosse a última vez em que precisasse entendê-la.

— Não... — O detetive foi em busca de suas gravações dos suspeitos do crime, revirando toda a casa, achando relatórios, fichas pessoais e as narrativas escritas por cada um. — Mon Dieu.

Uma ficha faltava. Uma gravação sumiu. Um relatório não estava mais em suas coisas. Uma carta talvez tenha voado de volta para quem a escreveu.

Gauthier, agora revitalizado por uma chama que se reacendia, começou a reconstruir os eventos daquela noite fatídica. As peças começaram a se encaixar, formando um quebra-cabeça que há muito desafiava sua perspicácia. O velho detetive levantou-se com a determinação de quem encontrara um fio de esperança entre as sombras, pronto para seguir esse rastro e desvendar o enigma que o atormentava.

Como já dizia o eficiente e conhecido ditado... Antes só do que mal acompanhado. Talvez Lisa Castillo devesse tê-lo dado mais atenção enquanto ainda estava viva.

Ou ter fugido antes que o seu tempo por aqui acabasse.

Ou ter fugido antes que o seu tempo por aqui acabasse

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𓈒ׁ♥︎⬞︎ⴾⴾ䕽❜💬!ᰢꫬ • "cher ami": querida
amiga. / "mademoiselle": senhorita.
/ "mon dieu": meu Deus. 𓈒ׁ♥︎⬞︎ⴾⴾ䕽❜💬!

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