V

225 44 9
                                    

      Observo as vidraças do restaurante e me sinto pequena ao pensar nas enormes paredes e nas mesas com flores estranhas. É um restaurante bem chique para qualquer adolescente de dezessete anos ter dinheiro suficiente para pagar a conta.

      Olho para o cardápio em minhas mãos e decido o que vou pedir, já foi loucura suficiente aceitar comer com um garoto que não conheço e que parece tão esquisito quanto alguém mal intensiosado.

      — Um suco de pepino, por favor. — O garçom anota o pedido e fica esperando que eu diga mais alguma coisa — É só isso.

      Ele me lança um olhar arrogante e anda em direção às portas da cozinha.

      — Se eu soubesse que você era tão pão dura teria te levado no podrão da esquina. — Olho para o garoto encapuzado.

      — Pão dura? Eu? — Sim, eu mesma. Admito. Para mim, não para ele.

      — Pode pedir o que quiser, eu sou emancipado, meus pais me enchem de dinheiro para suprir tudo que eles dão ao meu irmão e não a mim. — Seus olhos parecem um poço de tédio agora.

      — Pra sua informação, eu me sentiria mais a vontade no podrão da esquina. — Adimito.

      Depois de seu pequeno discurso sobre supostamente ser uma colher de ouro, peço uma sopa e uma salada. A sopa me faz lembrar de casa, da minha mãe mais precisamente. Lembro dos dias de chuva, do frio e da sopa quente que ela fazia e colocava colherada após colherada na minha boca quando eu era só uma garotinha.

      Taehyung me observa comer o tempo todo, ele tem aqueles olhos felinos que parecem estar sempre preparados para tudo. Não lembro se já o vi antes dessa semana, mas tenho essa sensação estranha de já tê-lo visto em algum momento.

      — No que está pensando? — Esbraveja com a voz grave.

      — Bom... — Pouso a colher no prato — De onde você veio? Quer dizer, eu acho que nunca te vi antes.

      — É claro que não viu, é minha primeira vez aqui. — Seus braços se cruzam na frente do peito em uma posição totalmente defensiva — Meus pais sempre se mudam por causa do trabalho, então pedi para eles me emanciparem e comecei a viver minha vida.

      Temos algo em comum, mas ao mesmo tempo divergente. Ele escolheu se emancipar, eu nunca tive escolha de nada.

      Empurrou os pensamentos obscuros que querem vir e me arrasto de volta para o cenário real, Taehyung está com as mãos entrelaçadas e o queixo apoiado nelas, ele está com o olhar além de mim. Por instinto olho para trás e vejo Josh parado ao pé de uma mesa olhando para nós dois, a mãe dele está sentada em uma das cadeiras da mesa destinada a eles e quando ela chama sua atenção ele para de olhar para nós e senta. Volto meu olhar para Taehyung e sua expressão está rígida.

      — Por que não gosta dele? — Questiono.

      — Alguém gosta?

      — Verdade. — Abri um pequeno sorriso e baixo a cabeça olhando para a tigela de sopa quase vazia — Mas você é diferente, olha como se quisesse estrangular... Ele.

      — Você lê bem as pessoas. — Um sorriso sarcástico brota em seus lábios.

      E com a declaração de que ele gostaria realmente de matar Joshua Hopey, termino de comer e nós vamos embora.

      O caminho para o trabalho é silencioso, apesar do atestado ninguém pagará minhas contas além de mim mesma, nesse caso, mesmo se eu estiver com uma doença mortal terei que trabalhar.

      Chegamos a frente da loja e o caminho me fez perceber o quão lenta e pouco útil estou com esse troço na perna. Viro para me despedir de Taehyung e ele me olha com as sobrancelhas erguidas.

      — Achei que estivesse te levando para casa. — Seu tom não é nada leve.

       — Desculpe, preciso trabalhar. — Justifico — Você tem pais para cuidar de você, bom, eu só... tenho a mim mesma.

      O silêncio toma conta do espaço entre nós. Abro um sorriso para não tornar ainda mais embaraçoso.

      — Obrigada por me acompanhar e me levar para comer. Foi legal da sua parte. — Viro de costas com dificuldade me apoiando na porta — Obrigada, Taehyung.

      Entro na loja e sinto meu peito pesar, meus olhos estão ardendo e ficando marejados. Não falo com Vick, a filha do dono da loja que está atrás do balcão, vou direto para os fundos em direção às pias do banheiro no vestiário. A essa altura estou suando com o coração acelerado e a respiração descompassada. Lavo o rosto e jogo água no pescoço, fecho a torneira e olho para frente, para o espelho. Lágrimas escorrem dos meus olhos e sinto que mais destas estão por vir, minhas pernas estão fracas e a palpitação no peito me atingiu com força.

      Exalo devagar, tento lembrar que isso não é de fato real, que minha cabeça está a mil agora, que esse é o motivo do meu peito estar gritando. Esgaço a gola da camisa e procuro respirar, devagar. 1, não é real. 2, você já passou por isso antes. 3, salve-se mais uma vez.

      Minha cabeça queima e parece que vai explodir, quando olhos felinos surgem no fundo da minha mente, olho para frente e lábios pequenos estão projetados no espelho, o rosto na frente do meu, como se fosse meu próprio reflexo. Uma de suas mãos se ergue para me tocar, então some como fumaça e tudo que vejo sou eu mesma, molhada, suada e perdida.

      Consigo respirar, a ansiedade se foi, ele a levou com ele. Por que?

 Swan Lake ✦ KTHWhere stories live. Discover now