VI

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Acordo assustada com um som de sino, levanto a cabeça e só então noto que perdi a primeira aula dormindo na cadeira.

— Deveria se envergonhar, mocinha. — Olho para frente e vejo Betty com um sorriso no rosto — Você babou de forma nojenta a aula toda.

— Estou trabalhando dobrado esses dias. — Limpo a boca e junto meus livros — Já que não preciso ir aos ensaios de balé. — Olho para o gesso idiota no meu pé e mordo o lábio.

— Bom, não posso te emprestar meu pé. — Ela dá de ombros — Mas posso te emprestar um ombro pra deitar a cabeça e compartilhar sua tristeza. Por que não dorme na minha casa essa noite? Podemos fazer como naqueles filmes.

— Noite das garotas? — Faço uma careta pensando que isso não faz o nosso feitio.

— Isso! Noite das garotas. — Quando tento negar ela já está de pé e me interrompe — Sem protestos, você vai. Vou organizar tudo, salgadinhos, filmes de romance toscos e sorvete. Será a nossa noite, Boyer.

A empolgação dela contagiaria qualquer um, inclusive eu. Vejo Betty passar pela porta antes que eu mude de ideia e abro um sorriso me sentindo grata por ter alguém assim na minha vida.

Enquanto termino de guardar os livros vejo um desenho na minha mesa, parece a escuridão, ou penas negras. Talvez asas entre uma mão. Guardo a pintura e levanto com dificuldade, passo pela porta e vejo Hopey em seu armário, observando. As vezes ele parece um falcão, com olhos prontos para captar qualquer oportunidade. Talvez seja isso, ele procura oportunidades, as melhores para me menosprezar.

Desvio o caminho e desço pela escada que leva ao pátio, até a próxima aula tenho alguns minutos. Sentar na grama não é uma tarefa fácil quando se está com o pé engessado e nenhuma ajuda, mas consigo com louvor. Descanso a cabeça em uma árvore sob a sombra perfeita e redonda. Fecho os olhos, lembro da crise de ansiedade que tive, uma das mais fortes desde que aprendi a me controlar. Lembro dos olhos que me ajudaram a voltar a mim mesma. Olho entre os prédios, ele não está lá. Faz três dias que não o vejo, tenho a impressão de que estou louca, ele nunca existiu e já podem me internar.

— Nixie. — Abro os olhos e vejo uma garota de cabelo escuro e outra com mechas azuis idêntica a primeira, elas tem a voz muito aguda — Esse é seu nome, não é?

— Na verdade...

— Não importa. — Olho para o lado e a garota com mechas azuis tem um sorriso malicioso nos lábios — Josh tem um presente para você.

— Nada que venha do Hopey pode ser bom, pode devolver pra ele. — Tento levantar, mas falho miseravelmente em todas as tentativas, meus livros caem espalhados ao meu lado.

— Esse presente não tem devolução, aceite de bom grado.

O cheiro de ovos chega tarde as minhas narinas, vejo o amarelo escorrer no meu cabelo e o impacto na minha cabeça, três pra ser mais exata. Minha cabeça está baixa e um zumbido está aumentando no meu ouvido, sinto a pressão na minha cabeça.

Levanto o rosto e vejo as garotas rindo, estudantes um pouco distantes observando, pensando que isso é errado, mas nenhum deles vem ao meu encalço. Espirro duas vezes quando sinto o pó refinado chegar no meu rosto, as duas fazem uma mistura de ovos e farinha em mim e tudo que consigo fazer é espirrar, acumular lágrimas nos olhos e tentar juntar forças para levantar.

— Pode esperar, Nixie. — Ela diz.

— De onde veio isso, muito mais te espera. — A outra completa.

 Swan Lake ✦ KTHWhere stories live. Discover now