II

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      As vezes eu me sinto tão vazia, é como se algo faltasse ou nada fizesse sentido. Pensar em coisas do tipo o futuro é a morte me deixavam nervosa, acho que é comum acontecer com todos, mas eu sentia calafrios e uma vontade de acabar com tudo de uma vez.

      — Você ouviu o que eu disse? — Betty chama minha atenção e olho para ela fingindo ter ouvido tudo que ela disse.

      — Claro, isso é bem legal. — Digo.

      — O que? — Uma de suas sobrancelhas está elevada — Eu disse que ia te jogar de um penhasco pra você aprender a voar e ser a protagonista.

      — Ah, nesse caso, não é uma boa ideia.

      — Claro que não! — A loira praticamente grita e o nosso casal de amigos ao lado ri e continua fazendo coisas melosas de namorados.

      Observo as pessoas naquele gramado e começo a imaginar o que elas vão fazer depois de se formarem, Cecily e Jon vão para Nova York começar suas carreiras como artistas de palco, Betty vai abrir sua loja de moda original e Jade vai tentar entrar para o Bolshoi, será que apenas eu não tenho um caminho?

      Me arrependo amargamente de não ter comparecido as aulas de orientação de cargos, eu poderia ter descoberto coisas que me tirassem o fôlego e que eu adoraria passar o resto da minha vida fazendo.

      Continuo olhando para os estudantes alegres no gramado da escola e penso que o fim está tão próximo, todos nós iremos para lugares diferentes e teremos vidas diferentes, mas ninguém tocou no assunto ainda. Acho que sou ansiosa demais ou sou tão sensível quanto a minha tia era.

      A fumaça do lado do prédio azul me chama atenção e olho para baixo dele, os olhos que encontro são penetrantes e sombrios, o garoto do teatro está sozinho com um cigarro entre os lábios, a fumaça se condensa ao ar e some, mas de onde ela veio pode vir muito mais.

      Contrario à mim mesma quando lembro que tenho horror a cigarros e que minha mãe dizia que odiava a mania que meu pai tinha de fumar enquanto ela estava grávida de mim.

      Os olhos intensos do garoto encapuzado me encontram e abro um sorriso para ele, ele apenas olha para o chão e sai andando com seu cigarro, me ignorando completamente como muito mais da metade da escola costuma fazer.

      — Ei, Nix. — Escuto me chamarem e olho para frente dando de cara com Josh Hopey, o capitão do time de basquete — Já tomou seus remedinhos hoje?

      A risada dele se condensa a dos demais e estou inerte, seguro firme a alça da minha mochila e deixo que ele passe com seus amigos.

      — Não vai dizer nada? — Betty me cobra — Droga, Nix, assim ele nunca vai parar. — Me encolho e ela grita — Ei Hopey!

      Josh vira em nossa direção e ela caminha para próximo dos garotos com seu copo de café nas mãos, sem pensar, Betty despeja todo seu café na jaqueta do time de Josh.

      — Se mexer com minha amiga de novo, eu acabo com suas chances de reproduzir seu gene nojento. — Ela diz e anda até mim, segura meu braço e anda calmamente.

      — Vadia! — Ele grita de onde está.

      — Só se for na cama do seu pai, otário. — Ela completa e continuamos a andar para dentro do prédio vermelho.

      Eu adoraria ter a confiança de Betty, ela faz tudo parecer tão fácil e impactante, como se tudo isso fosse um filme ou sei lá. A marra dela é o mais legal de tudo, somos tão diferentes mas nos entendemos tão bem.

      As horas passam voando e o sinal toca anunciando que minha última aula do dia acabou, penso em ir até o teatro treinar, mas então lembro que preciso trabalhar, o senhor Foster me mata se eu me atrasar mais uma vez.

      Ando para o enorme portão da escola e prendo meu cabelo com o elástico que sempre está em meu pulso, olho para os dois lados da rua e atravesso colocando meus fones de ouvido e aumentando no máximo o som do meu celular, está tocando Salvation, da Gabrielle Aplin. Quando ela canta a parte que diz "aqueles olhos selvagens, uma silhueta psicodélica" não consigo não pensar no garoto encapuzado do teatro, ainda não consigo acreditar que ele gosta de cigarros, é tão repulsivo.

      Olho para a entrada da loja e vejo o lixo me esperando bem na porta, o senhor Foster poderia ao menos me ajudar com o lixo. Reviro os olhos e pego o saco preto na porta da loja de doces e o levo para o beco ao lado, abro a caçamba enorme e jogo com dificuldade o lixo lá dentro.

      Quando me viro dou de cara com Josh, o que me faz dar um passo rápido para trás batendo com as costas na caçamba. Tiro os fones de ouvido e olho para ele.

      — Nix Boyer. — Ele diz.

      — O que você quer Hopey? — Aperto meus punhos e sinto um arrepio na espinha.

      — Essa jaqueta foi cara. — Ele olha para mim com olhos devoradores e estou a beira de um colapso nervoso — Acho que você não pode pagar por ela, até porque você tem um emprego de merda e não tem pais.

      — É só café, se lavar a mancha sai. — Digo.

      — Não é só café. — Ele se aproxima e me vejo encurralada naquele beco — É minha dignidade, você não entenderia Boyer, é uma das muitas coisas que você não tem.

      As mãos dele estão na parede, cada uma de cada lado do meu rosto. Seus olhos estão insanos, eu nunca o vi assim.

      — Por favor, me deixa ir. — Peço.

      — Não antes de me pagar o que deve.

      Tento passar por baixo de seu braço mas ele me segura pela cintura, eu balanço as pernas sem parar tentando sair daquele aperto, mas parece inútil.

      — Ei, Hopey! — Escuto alguém chamar e olho para o meio do beco escuro — Solta ela, agora.

      — Quem é você? — Hopey questiona em meio a uma risada.

      — Não é da sua conta, agora solta a garota.

      — E se eu não soltar?

      — Eu sei o que você está tentando fazer, não vai querer que todos saibam quem você é, não é mesmo? — O homem nas sombras diz e continua onde está.

      — Não sei do que está falando. — Hopey me coloca no chão e afrouxa o aperto de minha cintura.

      — Não vai querer fazer esse jogo, cara. — O cara nas sombras diz.

      Josh olha para mim e logo estou livre de seus braços, vejo o garoto mal educado passar pelo rapaz nas sombras e dobrar a esquina do beco.

      Por um segundo o ar me foge dos pulmões e só consigo pensar no quão estou grata por ele ter aparecido, ele dá meia volta e anda em direção ao início do beco.

      — Ei! — Chamo e ele para onde está — Quem é você?

      — Não importa. — Ele diz e dá um passo mas o paro com minhas palavras.

      — Pra mim importa.

 Swan Lake ✦ KTHWhere stories live. Discover now