XI

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Tenho andando mais distante esses dias, tentando controlar tudo que sinto. Minha melhor amiga está brigada comigo e fora ela eu não tenho mais ninguém. A pior parte é que não me sinto arrependida de ter dito o que a fez ficar chateada, continuo acreditando que não se resolve grosseria com grosseria, insulto com insulto, magoa com magoa. Na verdade isso só piora tudo.

Continuei treinando os passos básicos de balé e acompanhando os ensaios para O Lago dos Cisnes, Jade continua perfeita e a senhora Trimaine continua obcecada por fazer com que todos nós sejamos tão bons quanto ela. Tenho andado tão desanimada que nem o balé tem me deixado feliz, sinto como se tudo estivesse fora do lugar, como se eu estivesse errada. Me sinto confortável por ficar longe de todo mundo, por afastar todos, por estar sozinha comigo mesma. Mas por que será que não me sinto bem?

— Distraída como sempre. — Comenta a senhora Trimaine com seu leque nas mãos enquanto passa pelas barras de alongamento — Seu arabesque está desleixado, alongue-se mais e preste atenção no que está fazendo.

Nunca serei perfeita como ela quer, nunca serei a Jade, nunca serei minha mãe. Então sabendo disso não consigo suportar a pressão em meus pulmões e desfaço a posição inicial ficando estática e tentando recuperar a respiração.

— Srta. Boyer, ouviu o que eu disse? — A voz dela é ríspida.

Quase engasgo com nada, o ar não está passando para os meus pulmões, não sei o que está acontecendo agora mas sinto que vou desmaiar. Minhas pernas estão amolecendo e a voz da professora está oca, olho para frente e todos estão olhando assustados para mim. A pressão é tanta que só consigo correr para fora do estúdio, corro pelo corredor da escola deixando todos para trás. Eu preciso respirar, eu preciso respirar.

Vou tateando a parede até conseguir chegar ao banheiro, mas não consigo entrar, minhas pernas estão molengas demais, então me recosto na parede ao lado da porta e vou cedendo, escorregando sem forças até chegar ao chão e sentar. Estou quase no meu limite quando ouço vozes dentro do banheiro.

— Vão deletar aquele vídeo e vão fingir que aquilo nunca aconteceu. — Quem está lá dentro? A voz é grave.

— Mas você que pediu... — A voz aguda é interrompida.

— Só deletem e deixem a Boyer em paz. Entenderam? — Está falando de mim, e está sério demais.

— Não entendo você, uma hora você quer fuder com a vida dela, outra hora quer...

— Você está bem? — Olho para frente deixando de prestar atenção na conversa do banheiro e vejo Taehyung — O que houve?

— Nada, eu só... — Fico em transe ao perceber que não estou mais em crise, consigo respirar outra vez — Estou bem.

Dois vultos passam ao nosso lado e vejo as gêmeas que jogaram ovos em mim passando, elas saem com tanta pressa que nem reparam que estamos ao lado da porta, ou talvez não liguem. Quando uma terceira pessoa sai pela porta, olho para cima e vejo Josh Hopey olhar para mim sem expressão nenhuma, ele só me olha por dois segundos e vai embora.

Taehyung faz contato visual comigo como se perguntasse se algo aconteceu, se Josh fez algo comigo, mas balanço a cabeça em negativo e me recomponho. Digo a ele que já estou bem e que vou voltar para a aula de balé, então ele volta para o que quer que estivesse fazendo quando passou por ali.

Entro no banheiro e molho um pouco a nuca e o rosto. Disse que voltaria para o balé, mas não quero voltar, não quero mais passar por toda aquela pressão, não quero mais brincar de ser Jade ou minha mãe ou qualquer bailarina que seja boa o suficiente para ser considerada perfeita, eu só quero paz. Quando penso em paz, penso que seria bem mais fácil se eu não precisasse viver, eu não teria que fazer nada mais, apenas dormir eternamente. Tudo isso acabaria.

Balanço a cabeça e mando os pensamentos para longe, não estou pensando direito, só estou sob o efeito da crise de ansiedade, vai ficar tudo bem.

Não ouso voltar para o ensaio de balé, passo no meu armário e pego minhas coisas. Sei que a senhora Trimaine vai ficar uma fera por eu não ter dado nenhuma satisfação, mas eu não estou preparada para lidar com as críticas dela. Vou direto para o trabalho e faço o de sempre, vendo algumas balas e caramelos. O movimento é tão pouco que no fim do dia o dono da loja diz que terei três dias de folga porque ele e a filha irão viajar para o interior. Agradeço pela folga e deixo tudo limpo antes de sair.

Decido me dar um presente por estar trabalhando tanto e faço as contas pra ver se não vai faltar dinheiro no fim do mês para o aluguel. Depois de ter certeza de que tudo está correto, atravesso a rua e vou em direção a um pequeno restaurante, Betty sempre gostou desse lugar. Lembrando dela, penso em Josh, o que ouvi mais cedo no banheiro, ele pediu para que as garotas apagassem o vídeo, ele realmente fez algo sobre isso. Mas não muda o fato de ele ter planejado tudo o que houve, não muda o fato de ele ter me feito sentir a pior pessoa. Mesmo parecendo arrependido, isso não muda o que ele fez.

Peço comida para viagem e vou para casa caminhando. A noite parece tranquila, as estrelas brilham lá em cima e a lua está escondida pelas nuvens passageiras quando estou atravessando a ponte. Paro no meio da passagem e olho para o rio, os carros passam na pista atrás de mim e a água brilha lá na frente. Não dá para acreditar que a um tempo atrás eu quis me jogar dessa ponte, ela é tão bonita, não merece ficar conhecida por algo tão trágico. Olho pra os lados sentindo o vento e no canto direito vejo alguém parado encostado nas grades, corpo magro e jaqueta de capuz. O centro sopra em sua direção e seu capuz cai para trás, mostrando os cabelos molhados e o rosto de Taehyung. Está um pouco escuro, mas ouço quando ele funga e limpa um dos olhos.

Pego o celular no bolso e abro no aplicativo do Instagram, em seguida deslizo o écran do aparelho até encontrar o contato dele. Quando encontro digito uma mensagem rápida.

"Oi."

Vejo quando ele se mexe ao ouvir o som do seu próprio celular, mas ele não olha, nem o tira do bolso. Ele segura na grade com as duas mãos e a aperta com força. Sinto meu coração acelerar, no que será que ele está pensando? Ele não pode ser suicida. Pode? Ao pensar nisso fico tão nervosa que mando outra mensagem.

"Você está bem?"

Ele não responde.

"Obrigada por hoje de manhã." Tento mais uma vez. Sem resposta.

"Taehyung?"

"Qual sua fruta favorita?"

"Você gosta de filmes?"

Não sei mais o que dizer, meu coração está aflito. Ele continua na ponte. Eu continuo ouvindo ele fungar e limpar os olhos, não quero me aproximar do nada, não somos próximos e ele pode não gostar.

"Você está aí?" Ele continua a ignorar.

Aperto o celular entre os dedos e aperto os olhos antes de tomar a decisão que mais me envergonharia, nunca pensei que ligaria para alguém que não tenho proximidade, mas talvez tudo que ele precise agora seja uma ligação. Aperto no botão para ligar e ouço o celular começar a chamar, vejo quando o aparelho dele brilha no bolso e ele ignora. Por impulso vou caminhando em sua direção determinada, o celular ainda posicionado na orelha, esperando que ele atenda. Quando chego bem ao seu lado ele está olhando para o chão com a cabeça encostada nas mãos sobe as grades.

— Não está ouvindo chamar? — Questiono suavemente e mordo o lábio com vergonha.

Taehyung levanta o tronco e a cabeça olhando para mim, seus olhos estão vermelhos e cheios de lágrimas, seu rosto está molhado e seus lábios inchados. Ele parece estar chorando a horas, quando olha nos meus olhos sinto que vou desabar, vê-lo assim fragmenta algo dentro de mim, ele parece estar desesperado, seu choro é tão solitário. Eu continuo olhando para ele e ele continua com lágrimas rolando pelo rosto silenciosamente. Engulo em seco e olho para o chão, o que eu deveria fazer? O que eu deveria dizer? Eu deveria dizer algo?

Como se me ouvisse, o rapaz frágil a minha frente se movimenta. Olhando para o chão vejo somente seus sapatos se aproximando, ele dá um passo à frente bem no momento que levanto a cabeça, então fico paralisada quando sinto seu rosto no meu ombro. Ele está parado com a testa no meu ombro e os olhos perto da minha clavícula, sinto algumas de suas lágrimas tocarem a minha pele e fico petrificada. Estou sem reação, com o coração acelerado e doendo por vê-lo assim.

 Swan Lake ✦ KTHWhere stories live. Discover now