XIV

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          Talvez nunca tenha me sentido tão sozinha quando me sinto agora. Não só pela falta de pessoas ao meu redor, mas por ter a sensação de que o mundo não se importa com quem eu sou. Tento ordenar uma lista de coisas que me façam ver que vale a pena continuar lutando em minha mente, que me levem a ter uma mínima fagulha de vontade para continuar lutando contra os monstros que viviam embaixo da minha cama, mas hoje se instalaram na minha cabeça.

        Quero gritar, quero chorar e talvez dilacerar minha pele nas paredes ásperas da minha casa, abrir feridas reais em meus dedos e mergulhar na dor física. Mas de que adiantaria? Do que adianta a dor física se ela é temporária? Minha cabeça está tão bagunçada e amedrontada que nem consigo me situar sobre o que deveria fazer agora. Lembro da minha mãe, o que ela faria? Provavelmente continuaria lutando, mesmo que o resultado continuasse sendo decepcionante, ela jamais desistiria. Mas eu não sou minha mãe, não sou otimista a ponto de sorrir sabendo que estou prestes a definhar, não quando tenho contas de luz e água a pagar sobre a minha mesa de jantar, não quando tenho um aviso de despejo gritando pregado a porta da minha casa. É minha culpa, não consegui administrar o pouco que ganhei, e mesmo que pague as contas com o dinheiro que consegui depois de ser demitida, sobrará apenas o suficiente para uma refeição decente.

         Sou o resultado de tudo que sempre temi me tornar, patética! Principalmente se pensar como estou agora, sentada ao chão, agarrada as minhas próprias pernas com lágrimas molhando não só o meu rosto, mas meus joelhos e criando pequenas poças de decepção no chão gelado. O cheiro de sangue é quase tão irritante quanto a minha existência, meus pulsos estão marcados pela tentativa falha de voltar a mim mesma. Arranhei meus pulsos por horas com as próprias unhas, alguns dos arranhões mostram a carne vermelha e outros já com sangue seco nem conseguem mais doer.

          Talvez a pior parte seja que durante todo esse sofrimento desmedido que passei durante a noite, pensei em Betty e em Taehyung, pensei em ligar para eles, pensei em pedir para que viessem até aqui, pensei em perguntar se podia ir até eles, pensei em simplesmente ir até lá. Mas que tipo de garota patética não consegue resolver seus problemas sozinha? Que tipo de garota patética precisa sempre que alguém esteja por perto para conseguir controlar a própria cabeça? Eu! Eu sou essa garota patética. E odeio ser ela, odeio cada centímetro de pele que envolve o meu corpo, e todo esse cabelo que está sempre atrapalhando a minha visão. Detesto a minha voz, por isso alguns dias acordo e não quero pronunciar uma sílaba se quer, detesto tudo que vejo no espelho, tudo que habita em mim. Detesto o que me tornei.

         Quando dou conta de mim, tufos de cabelo estão nas minhas mãos, meu couro cabeludo lateja em resposta e me assusto com o que estou fazendo a mim mesma. Começaram com pequenos fios, eu costumava puxar pequenos fios quando estava preocupada, mas isso parece demais. Largo os bolos de cabelo no chão e vejo pelas janelas que o sol já está nascendo. Passei a noite toda choramingando no chão, esperando que uma solução caísse do céu, esperando que mágica acontecesse.

         Faço o possível para conseguir tomar um banho decente, independente da minha vida estar de cabeça para baixo, a escola não vai parar para apreciar a tragédia que protagonizo.

        Como me sinto depois de todas as crises? Tão cansada que poderia deitar e morrer ali mesmo, tão exausta que até respirar parece um fardo, tão inconfundivelmente sem energia que até falar chega a doer e me faz querer chorar de novo. Os toques em minha pele fazem com que sinta que estou sendo dilacerada, os olhares me fazem sentir que estou sendo julgada e a minha autopiedade faz com que eu me ache patética. Talvez não o suficiente, pois se fosse, eu não sentiria tudo isso. Eu seria forte. Coisa que não sou.

         A escola está exatamente como estava nos dias anteriores, as pessoas continuam chegando com sorrisos e anunciações de bom dia para os colegas. Sento na última fileira e escolho a última cadeira, espero não ser notada hoje, mas parece que estou com uma cesta de frutas na cabeça, pois todos me encaram e cochicham entre si. Finjo não ver nada, enceno como costumo fazer, dessa vez não me obrigo a sorrir ou manter tudo tão bem secreto.

        É nítido que estive chorando. Minhas olheiras estão enormes e vermelhas, meu nariz continua escorrendo devido ao frio e acho que meu aspecto é tão ruim quanto os meus... ah não. Olho para baixo e encontro meus braços cheios de arranhões, sem sangue, mas ainda vermelhos e enormes. Então era isso o motivo de tanto burburinho. Me sinto ainda pior e considero até voltar para casa, gostaria de ter escolhido uma blusa de mangas longas, mas estava tão desligada enquanto me vestia que nem reparei nesse detalhe.

        Prestes a levantar para decidir dentro do banheiro se deveria ir para casa, tenho meus braços cobertos por um tecido pesado e familiar. Os tons de branco e azul são inconfundíveis, uma jaqueta do time de basquete está sobre mim, tentando esconder a minha vergonha. Levanto a cabeça e sou surpreendida por Josh saindo da sala sem dizer nada. Todos estão confusos assim como eu, até porque o passatempo favorito dele é me odiar, e não ser meu herói, como já havia sido antes.

        Talvez fosse humilhante demais colocar essa jaqueta sobre meus ombros depois de tudo que ele fez, mas já estou humilhada o suficiente, então decido que um pouco mais até o fim das aulas não faria estrago maior. Ponho a jaqueta e amarro o cabelo. O cheiro de Josh começa a exalar ao meu redor, subir para minhas narinas, não fede a suor como a maioria dos garotos do time, na verdade o cheiro que ele exala me lembra do bosque que eu visitava com a minha mãe quando era criança, um cheiro familiar e agradável de madeira recém cortada e folhas do bosque.

        Fecho os olhos exalando e me aconchego dentro do tecido que me envolve e parece ser duas vezes maior que eu, é tão confortável quanto um colchão de plumas. Ao abrir os olhos vejo Betty na porta da sala, ela me olha primeiro com um olhar de clemência, imagino que seja finalmente a hora de fazermos as pazes, mas quando vê a jaqueta a qual estou dentro, com a insígnia de capitão no broche agarrado ao peito, ela muda de um olhar passivo para um olhar de desprezo. A vejo sentar-se bem à frente, o mais distante de mim que consegue, e a aula começa.

        No primeiro intervalo para o lanche, tento ir até Betty com as melhores intenções, mas ela apressa o passo e sai da sala antes que eu consiga dizer qualquer coisa. Parece oficial agora, perdi minha melhor amiga.

        Como sozinha na cantina. A mesa que costumava comportar a mim e a ela, parece ainda maior sem nossas conversas rotineiras. Para completar, não vi Taehyung o dia todo, ele pode não estar na escola, mas pode também estar me evitando. Decido mandar uma mensagem, deixo o sanduíche embalado dentro do plástico e digito para ele:

        "Tudo bem? Não te vi hoje."

       A mensagem paira na tela por alguns segundos, a palavra "lido" aparece embaixo da mensagem, mas ele não responde nada de volta. Respiro fundo e insisto um pouco mais. Ele e Josh brigaram ontem, então ele deve estar chateado com seja lá o que aconteceu entre os dois.

       "Sabe que pode conversar sobre o que quiser comigo"

       "Não é?"

       Nada. Ele continua lendo as mensagens sem me dar uma resposta. Não posso desistir, não agora, não posso me dar ao luxo de perder mais alguém. Não posso ficar completamente sozinha. Não posso.

       "Taehyung."

        Meus olhos começam a arder.

        "Você está aí?"

        As mensagens continuam a ser lidas e o resto de dignidade que tenho continua a ser esfarelada bem diante de meus olhos.

       "por favor"

        Nada. Fecho os olhos e lágrimas ridículas me escorrem a face. As enxugo com a manga da jaqueta, mas saber a quem ela pertence só me faz chorar ainda mais e essas malditas lágrimas caem em silêncio enquanto continuo a comer meu sanduíche. A imagem deve ser deplorável, mas ninguém parece estar dando a mínima para mim. Estou sentada sozinha em uma mesa enorme, comendo um sanduíche frio preparado por mim mesma com as últimas sobras da minha geladeira, com lágrimas escorrendo pelo rosto. Sinto que estou prestes a enlouquecer, pois enquanto mastigo começo a sorrir entre as lágrimas e meus cortes nos pulsos começam a coçar.

        Sou içada para cima quando sinto uma mão pesada tocar meu pulso, nem tenho tempo para agarrar o sanduíche, que cai no chão como se não fosse tão precioso para mim. Estou sendo levada para fora da cantina por um braço largo agarrado ao meu pulso.

 Swan Lake ✦ KTHWhere stories live. Discover now