XII

84 9 4
                                    

      Nunca fui boa em consolar pessoas, na verdade nunca fui boa em nada do que eu gostaria de ser. Geralmente ouço que sou boa com as palavras, mas a verdade é que nunca sei do que estou falando, eu apenas saio colocando para fora coisas que talvez eu gostaria de ouvir. Na maioria das vezes funciona, mas isso não significa que essas são as coisas certas a serem ditas.

      O vento que sopra ao nosso redor está frio, a ponte está deserta, poucos carros passam nesse horário e a lua está muito brilhante lá no alto. Não consigo mexer um músculo, talvez devesse dar tapinhas leves no seu ombro e dizer que tudo vai ficar bem, talvez acariciar seu cabelo ou abraçá-lo? Não, isso seria muito íntimo e mal nos conhecemos. Eu não sou boa com pessoas como elas acreditam, me sinto perdida agora.

      — Desculpe. — Sua voz grave quebra o silêncio me fazendo respirar fundo. Ele levanta a cabeça e olha para mim. Seu rosto bem próximo ao meu está molhado demais. O poste de luz atrás de mim reflete em suas lágrimas e o rosto dele brilha.

      Por impulso, ergo a mão devagar e paro próxima ao seu rosto, meus dedos fechados pensando se deveria concretizar a ação. Olho para minha própria mão e meus dedos se abrem devagar, toco sua bochecha levemente e limpo uma lágrima fujona com o polegar. Seus olhos acompanham minha mão, o gesto é tão demorado que começo a tremer pelo frio.

      Meu estômago está revirando com algo gelado, como se tivesse instalado uma tempestade de inverno de última hora. Estou tão nervosa que mal consigo respirar. Ele tem os olhos mais tristes que já vi, os olhos dele parecem com os meus.

      — Desculpa, eu... — Recolho minha própria mão e a coloco dentro de um dos bolsos — Eu só... sinto muito.

      Olho para baixo sem graça e mordo o lábio interno enquanto aperto a mão que está dentro do bolso do moletom com força. Meu coração parece que vai sair pela boca se eu não disser nada de uma vez, se eu deixar o momento se prolongar em silêncio.

      — Você está com fome? — Continuo de cabeça baixa erguendo apenas os olhos. Ele demora alguns segundos, como se estivesse decidindo o próximo passo e gesticula que sim.

Subindo a rua que passa pela minha casa, caminhamos mais ou menos quinze minutos, quando acho que o fim da rua está perto, tem um pouco mais a ser percorrido, mas a vista do alto desta estrada vale a pena. Acho que ele precisa de um pouco de tempo para ficar bem, então uma caminhada seria ótimo. Caminhamos em silêncio, lado a lado, não nos olhamos e nem sugerimos nada, ele me segue como se confiasse em mim. Isso me assusta um pouco.

O fim da trilha nos aguarda com algumas escadas de pedra e logo adiante uma enorme faixa de grama e algumas árvores. Uma grade se estende por toda a extremidade do espaço para evitar que visitantes caiam lá embaixo, é como se estivéssemos no alto de uma montanha. Eu sempre vinha nesse lugar, quando minha mãe morreu eu não quis chorar na frente da minha tia, seria demais para ela. Então eu sempre percorria esse caminho apenas para chorar, eu sentava na grama e chorava até cochilar, ninguém nunca me achava aqui, então era perfeito.

Ando em direção a grade e Taehyung continua ao meu lado, ele põe as mãos dentro dos bolsos do casaco e olha ao redor. Não tem nuvens hoje, o céu está escuro e brilhante pelas estrelas, a lua está enorme e vibrante. Toco a grade exatamente no momento em que ele vai toca-la e nossas mãos se encontram. Levanto a cabeça e ele olha para mim, nos encaramos por cinco segundos antes de cairmos na gargalhada. Me sinto envergonhada, mas a situação de algum modo não me deixa tão constrangida.

Depois de retomar o fôlego devido a risada, sentamos perto de uma das árvores e abro a sacola que trouxe do restaurante. Ponho os recipientes com as porções sobre a grama.

Voilà. — Abro um pequeno sorriso e junto as mãos entrelaçando os dedos — Temos asas de frango crocantes, bolinhos de peixe, bolinhos de arroz picante, tokkebi e sopa de abóbora.

Ele olha para mim com os olhos inertes e coça a nuca.

— Você ia comer com a sua família? — Questiona olhando para os recipientes com os pratos a nossa frente.

— Na verdade, eu ia comer sozinha. — Escolho pegar um bolinho de peixe no espetinho primeiro, minha mãe adorava esses pratos — Não costumo jantar bem, então hoje caprichei no jantar. Pode comer o que quiser.

Ele se serve de um bolinho de arroz e come devagar enquanto olhamos para o céu brilhante. Termino de comer o bolinho e olho para o lado, os olhos dele estão vermelhos e cheios de lágrimas de novo, a mandíbula está travada com força.

Acho que essa vai ser uma longa noite se ele continuar chorando assim, eu nem sei porque ele está chorando.

— Quer me contar o motivo das lágrimas? — Questiono e tenho a impressão de ver seu rosto ficar vermelho.

— Quente... — Responde me deixando confusa, franzo o cenho e ele tenha mais uma vez — Picante...

— O que? — Olho ao redor tentando entender o que ele quer dizer.

Ele aponta o indicador para o próprio rosto e abre a boca soltando ar, em seguida abana o próprio rosto. Olho para o chão e depois para ele, vejo o bolinho entre seus dedos e arregalo os olhos entendendo a mímica. Ele comeu o bolinho de arroz picante. Procuro na minha bolsa a garrafa que sempre carrego, quando a encontro ele pega tão rápido das minhas mãos que vira a garrafa de uma vez molhando parte do rosto e da camiseta. Dou uma risada baixa e tampo a boca com a mão mastigando.

— Não sabia que era fraco para pimenta. — Aperto os lábios para conter mais uma risada.

— Não sou, mas isso aqui... — Diz entre goles de água.

— Tudo bem, deixa os de arroz para mim. Você pode comer os de peixe, eles estão bem mais... leves. — Sorrio e ele faz uma cara de desdém engraçada.

O tempo que passamos no alto do fim da estrada passa rápido, a grama é confortável e apesar do frio a companhia dele me faz não querer ir embora tão cedo. Depois de comer, deitamos na grama e observamos algumas nuvens finalmente aparecerem no céu. Elas passam devagar e deixam alguns rastros para trás.

— Não vai perguntar porque eu estava chorando? — Indaga.

Para falar a verdade eu já tinha esquecido do que nos trouxe até aqui, não sei se ele gostaria de compartilhar, nós começamos a nos falar agora, então acho que seria difícil ele se sentir confortável comigo. Desde que minha mãe e minha tia me deixaram, não consegui me abrir com ninguém, porque nenhuma pessoa parecia entender ou realmente querer saber como eu me sentia. Guardei cada lágrima e cada momento de dor apenas para mim, não queria infectar as pessoas com a minha tristeza, eu acreditei que poderia passar por tudo sozinha. E eu passei, com muita dor, mas passei.

— Se quisesse me contar, você já teria dito. — Ponho as mãos atrás da cabeça e relaxo o pescoço para o lado, o lado em que ele está — Mas caso queira, meus ouvidos estão aqui.

Seus olhos se fecham e ele fica em silêncio. Sua pele é lisinha e sem imperfeições, o nariz tem uma proporção perfeita e os lábios são corados e pequenos. Desse jeito, tão quieto, ele parece um anjo. Deslizo minha mão por cima da minha camiseta e toco no meio dos meus peitos, aperto o lugar e fecho os olhos para sentir melhor. Acelerado. Meu coração está acelerado.

— Por que está sendo legal comigo? — Me assusto com a sua fala repentina e olho para cima desviando o olhar.

Recupero minha compostura e abro os olhos para responder.

— Não sou legal, só tento agir com os outros da maneira que gostaria que agissem comigo.

— Isso funciona? Faz com que a tratem melhor?

Mordo o lábio e meu semblante muda rapidamente para triste.

— Não. — Mas não é isso que eu espero, nem todo mundo vai entender que gentileza deveria gerar gentileza — Mas isso diz mais sobre os outros do que sobre mim, a minha parte eu estou fazendo.

— Você não parece real. — Ele sorri — A garota que aceita ser saco de pancada.

Decido não responder e me manter em silêncio. Como eu disse, nem todo mundo vai entender que gentileza deveria gerar gentileza.

 Swan Lake ✦ KTHOnde as histórias ganham vida. Descobre agora