IX

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      A semana foi rápida e turbulenta, a cada dia mais eu ouvia falar sobre os preparativos para a apresentação de balé anual da escola, sobre como os críticos viriam e dariam bolsas integrais nas faculdades para aqueles que tinham talento e podiam mostrar no dia do show. Toda essa conversa me fez questionar ainda mais qual rumo eu deveria tomar. Meu pé já estava em perfeito estado, novinho em folha, mas a senhorita Trimaine insistia que eu deveria descansar mais para não haver nenhuma complicação, então por mais uma semana lá estava eu, parada e sozinha durante a classe de balé, no alto do auditório em uma poltrona isolada vendo Jade fazer seu solo de cisne negro. O solo que eu queria.

Ela gira e gira e Dustin, o bailarino que fará o príncipe a segura com firmeza enquanto sorri e parece apaixonado até demais. Eles tem uma química avassaladora e isso só me deixa mais insegura, acredito que se eu fosse o par de Dustin, ele não estaria tão feliz em me levantar de um lado para o outro.

— Ela não parece ter asas. — Ouço ao lado e me viro assustada.

Taehyung está com o lábio entre os dentes e o capuz baixo, uma perna na poltrona da frente e all atar nos pés.

— Ela não precisa de asas. — Ela é tão perfeita que não precisa nem fazer esforço pra estar no lugar onde está — Ela tem o papel principal.

— O papel que você queria? — Arregalo os olhos por ele ser tão direto e por me fazer sentir como uma amiga invejosa, ele tem esse poder de falar as coisas na cara e não ficar constrangido e naturalmente fala: — Se quiser eu posso quebrar a perna dela.

E assim, como se fosse uma piada ou tivesse qualquer ar cômico, eu dou uma risada alta e libertadora. A senhora Trimaine pede silêncio no auditório e eu me afundo na cadeira com vergonha.

Mesmo se ela quebrasse a perna, duvido que a professora me colocaria no lugar dela, a senhora Trimaine me deixou com substituta apenas para não cortar as minhas asas de vez, mas eu sei que ela não me acha boa o suficiente para fazer uma protagonista. Eu sou crua demais e com peso demais nas costas para caminhar e rodopiar sobre sapatilhas com os ombros erguidos e uma postura impecável.

— No que está pensando? — Ele pergunta e engulo em seco.

Não sei se consigo compartilhar meus pensamentos com ele, quer dizer, acabamos de nos conhecer e ele meio que acha que gosto dele por causa das mensagens. Não é como se fôssemos amigos só porque ele me ajudou e me levou pra sair, somos apenas... conhecidos.

— Não que me interesse. — Suas mãos se erguem em rendição — Mas parecia que você queria que alguém perguntasse como se sente.

E com essas palavras eu me sinto acolhida. Ele tem esse jeito largo, libertador e despojado, me faz sentir como se os problemas não tivessem som, como se eu pudesse dizer qualquer coisa sem me importar com quem vai ouvir. Esse garoto tem o poder de me salvar, e já não sei se isso é bom ou ruim, pois não sei se ainda quero ser salva.

— Então... de acordo com suas mensagens, não somos amigos. — Começa ele — Isso acertou meu pobre coração em cheio. — Ele finge uma expressão triste e logo em seguida sorri — Sorte a sua que meu coração parou de funcionar a 150 anos atrás.

      — Pelo menos nisso eu tive sorte na vida. — Finjo um sorriso e haji naturalmente, não quero que ele fale sobre o assunto de não sermos amigos, nem que pense que quero ser mais que amiga. Eu não saberia o que falar.

      O ensaio de O Lago dos Cisnes continua a todo vapor e a senhora Trimaine continua dando comandos aos bailarinos, eu e Taehyung observamos do alto do auditório, sem dar mais nenhuma palavra assistimos ao ensaio e apenas trocamos alguns olhares rápidos e pequenas rodadas quando a professora parece que vai explodir por coisas bobas como quando o garoto da cabine de som põe a música errada para tocar.

      O auditório se esvazia aos poucos e seguimos os outros para fora, Taehyung me acompanha e continuamos a caminhar em silêncio, pelo menos até chegarmos perto do meu armário e quatro garotas rirem com o celular em mãos. Ouço a voz das gêmeas e constato que o motivo das risadas sou eu, suja de ovos e farinha. O vídeo continua um sucesso.

Respiro fundo e desvio o caminho para não passar por elas, mas sinto os dedos quentes de Taehyung se agarrarem ao meu pulso e no mesmo instante os meus olhos se enchem d'água. Seu toque não é forte, não é agressivo. Ele é delicado e cheio de preocupação.

— Deveria ignorar. Se mostrar que atinge, eles vão fazer questão de continuar. — Aconselha ele.

— Não é tão fácil. — Seguro as lágrimas — Não é como se eu pudesse só ouvir e fingir que não é comigo.

— Não, não é fácil. Mas só fica mais difícil se você não tentar. — Ele olha para baixo e sigo seu olhar, sua mão no meu pulso, seus dedos se afastam devagar e ficamos em silêncio.

Meu coração acelera do nada, como se ser tocada dessa forma mudasse algo dentro de mim, como se o toque dele pudesse derreter a dor ao redor do meu coração apodrecido. Mas eu sei que não pode. Por isso viro as costas e me apresso em entrar no banheiro antes que ele possa ouvir as batidas do meu coração.

Entro em um box e tranco a porta com as mãos trêmulas. Respiro fundo e bato de leve no meu rosto para me fazer acordar dessa sensação dormente. Minhas bochechas estão quentes e acredito que vermelhas também, acho que ele não percebeu e isso me conforta. Não sei o que houve comigo, nunca me senti assim por outra pessoa a não ser Josh, quando éramos crianças. Nunca experimentei gostar de outro garoto, até porque não tive tempo pra pensar nisso, desde que minha tia se foi tudo que eu vivi foi preocupações, balé, trabalho e escola, sem tempo para distrações. Mas com ele o tempo parece infinito, com ele é leve e amigável. NÃO! Sem chance. Você não é assim Nix, só tá pensando isso porque ele sempre diz o que você precisa ouvir. Você não gosta dele, não mesmo.

O sinal toca e ouço passos frenéticos para fora do banheiro, abro a porta do box e dou de cara com o espelho. Observo cada detalhe do meu rosto, a feição seria que esboço, a pequena espinha que insiste em nascer perto do meu queixo e o quanto isso parece me irritar agora. Toco as ondas do meu cabelo e tento colocar a franja no lugar pensando se quando ele tocou o meu pulso eu estava bonita o suficiente, se minha aparência estava boa e se ele reparou nisso. Olho para o espelho com atenção e minha expressão cai, não acho que eu seja o tipo de garota que ele gosta. Sem chance.

— Você é uma idiota. — Digo para mim mesma olhando para meu reflexo.

 Swan Lake ✦ KTHOnde as histórias ganham vida. Descobre agora