1 - Parte I

415 70 149
                                    

  Se passaram vários dias, manhãs, tardes e noites e aquele caderno com o arame torto na ponta, continuava no mesmo lugar. Agora porém, com o título "Eu sempre quis escrever um livro". Miranda estava certa de que em algum momento assumiria para si mesma de que provavelmente nunca mais colocaria a mão naquele caderno — e talvez fossem quarenta e oito agora.

  Havia sido uma semana desesperadora em que a garota apenas encontrava tempo para criticar seu curso indesejado e se frustrar em pensamentos de que provavelmente teria que trabalhar o resto da vida para pagar algo que apenas fez por pressão.

  Acordava todos os dias duas horas após o nascer do sol e depois de tomar o seu café, se apressava para a cafeteria onde costuma trabalhar cinco dias por semana. No fim do expediente, mal conversara por precaução de que dissesse algo extremamente grosseiro sobre seu pensamento em relação ao que havia acontecido no decorrer da tarde, logo não desejaria perder uma parte de onde vinha sua renda.

  Mas havia tanto de errado em tudo que acontecia naquele lugar e ela jurou a si mesma que podia ouvir seu coração se estilhaçado ao ver o gerente negando uma bandeja de pão de ló à um garotinho magrelo de cabelo desengrenhado.

  O gerente era um moço loiro e alto, não era tão velho e sempre usava o charme ao seu favor quando podia vender algo a mais à clientela (ou quando podia encontrar alguma garota que ele achasse atraente o suficiente, cantá-la e convencê-la a esperar por ele após o expediente), mas não havia compaixão quando se tratava de alguém que realmente necessitasse de sua bondade e charme.

  Aquela situação foi capaz de consumir Miranda pelo resto do dia, seu estômago despencava todo momento em que olhava para a entrada. A massa já parecia fria e com muito menos vida do que mais cedo e aquilo ainda fazia com que seu estômago afundasse.

  No decurso desse pensamento a ter consumido por completo toda a tarde, ela finalmente terminou seu expediente e sentiu melhor após ver o garotinho segurar o empacotado que a mesma havia pago.

– Você realmente é capaz de ser nobre. – disse Clara com um sorriso de deboche e logo em seguida acrescentou – Quando quer.

– Certo. – Miranda concluiu fechando a expressão o que fez Clara sorrir novamente.

– Não precisa ser tão carrancuda. – empurrou Merlin com o ombro em sinal de camaradagem e sem deixar que ela respondesse, continuou – Por favor não esqueça mais uma vez de acessar o meu perfil, eu realmente preciso ajuda com isso, é pago para que eu possa fazer alguma prova e recuperar minha nota. – e dando um beijo em seu rosto se retirou.

  Era um sábado chuvoso em que a garota acabara de chegar em casa com uma roupa encharcada e fria. Jogou sua mochila e sacola de pertences em qualquer canto de sua bagunça e abriu seu celular na intenção de finalmente acessar o livro virtual da amiga — a que estava há semanas insistindo para que ela o fizesse.

  Passou algum tempo observando as fotos das pessoas que Clara havia adicionado em seu grupo que criara,
parando um momento em cada foto concluiu — alguns conhecidos, pessoas da universidade, talvez cinco de seu curso e outras centenas de quem ela não conhecia.

  Vencida pelo quanto a amiga insistira, acessou o site onde estava o livro "ONBOOK", criou sua conta e favoritou o trabalho. Não demorou muito para que percebesse que era na verdade um site para autores publicarem suas obras.

Crie seu livro. Atualize seu perfil. Publique seus versos preferidos. Conte seus poemas. Tópicos para criatividade toda semana.

  Miranda continuou algum tempo explorando o site e concluiu que parecia legal demais apenas para favoritar um trabalho diagnóstico de Clara. Passou-se três horas navegando em leitura, poemas, alguns livros não concluídos, músicas e até mesmo fanfic. Resolveu escrever sobre seu dia. Não, sobre o seu dia não — mudou de ideia. Não queria falar sobre seu dia em um site na Internet com pessoas estranhas, que provavelmente não se importam o suficiente — bom, talvez eu deva dar um chance para escrever sobre algo, não há seguidores. Ninguém precisa ler. Clicou na aba com os dizeres "Tópico Semanal". Tópicos semanais eram exercícios de criatividade — Certo, talvez há algo que eu deva dizer sobre isso.

Escreva sobre o tópico semanal

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Escreva sobre o tópico semanal. "Por que precisamos de tempo?"

humanos - sobre inferioridade.

Estamos constantemente nos esforçando para lembrarmos o que realmente significa estar vivo.
Precisamos de tempo. Porque não levaremos nem mesmo a nossa essência quando perdermos o nosso endereço no universo.
Precisamos de tempo. Porque preciso que eles olhem para mim. E não quero que eles olhem para mim. Não somos iguais e queremos acreditar de que não somos compatíveis. Não estamos preparados para ser, existir, residir, habitar, domiciliar-se. Não estamos aptos para apreciar, usufruir, desfrutar, fruir, dispor.
Ainda somos capazes de sentir de que não estamos em lugar algum e em obstinar-se de que em nós não há valor. A enfermidade nos afeta da mesma maneira, posso reconhecer que sentimos a mesma falta e o mesmo medo. Mas não sentimos do mesmo jeito. Estamos entre o amor e o ódio. Ambos ateiam, incendeiam e ardem no interior que escondemos do resto.
Precisamos de mais tempo porque ainda há muito em nós que merece entrar em contato com o redor. Isso nos torna humanos. Somos únicos. Mas moldados.

  Acordou após o meio-dia no dia seguinte — domingo

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

  Acordou após o meio-dia no dia seguinte — domingo. Dispensando todas suas notificações enquanto bebia seu café observou entre elas – ONBOOK - 3 notificações.

Você tem um novo seguidor.
Libeel comentou em seu tópico.
"Talvez os outros precisem de nossa essência mais do que nós mesmos. Somos compatíveis principalmente pelo fato de que jamais estaremos prontos para residir e habitar. Sobre o oposto de amor, nunca foi ódio... Talvez você goste dessa música."
Uma música recomendada por Libeel.

  Merlin não estava esperando que alguém notasse seu texto dentre milhares, não havia influência em seu perfil, afinal. Terminou seu café e observou o movimento de sua janela e em seu fone tocava a música recomendada. » Stubborn love - The Lumineers.

Eu Sempre Quis Escrever Esse LivroOnde histórias criam vida. Descubra agora