VIII. Desatino Nefasto.

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Aquela troca constante de olhares desconfiados perpendicular ao silêncio outrora estagnado não era bem o que eu escolheria como companhia ao apreciar uma xícara de café. Se é que uma água quente onde talvez tenham escaldado ao menos umas trinta e cinco meias sujas seja considerada café.

Hoseok permanecia sem cor, não parecia sequer vivo. Eu nunca o tinha visto tão tenso daquela maneira em toda a minha vida e por tanto tempo, talvez seja um bom motivo para acreditar no que ele tinha dito.

Tirando isso, os contras eram bem mais numerosos que os prós.

Sooyeon estava estreitando os olhos desde que sentou naquela cadeira velha de madeira, soprando o vapor do grotesco café.

— Onde aprendeu a fazer tal exuberante bebida? — cheirei a xícara pela milésima vez.

— Cala a boca. — ela pôs a caneca sobre a mesinha, empurrando-a fracamente ao mirar o meu amigo. — Você tem certeza? É totalmente insano. Pode ter se enganado. Não tinha nenhuma cruz nem poça de sangue...

— Eu sei o que vi. Eu vi. — Hoseok respirou fundo, olhando diretamente nos olhos alheios. Ele ditou de jeito tão firme que seus dedos amassaram de leve a xícara de alumínio.

— Pode contar só mais uma vez? Do começo. — apoiei os cotovelos sobre a mesa, cruzei os dedos e encostei o queixo ali, me concentrando na voz do outro.

— Eu e o Yoongi hyung brigamos porque ele tava fumando dentro do quarto, eu tava com falta de ar, fiquei irritado e sai. Bati a porta com força e fui até a escadaria, só que, nos últimos degraus, tinha um espírito. Era claramente um fantasma bem alto, magro, cabelo preto e tinha os olhos vazios.

— Olhos vazios? — Sooyeon pareceu intrigada. Eu, por minha vez, a observei atento como um completo imbecil. Ela tinha os lábios desenhados, carnudos e avermelhados.

Hoseok assentiu, depois de fazer uma careta ao tomar um gole da bebida quente e empurrar a xícara para longe.

— Sabe quando se fixa o olhar pra um canto só e fica meio que estático sem conseguir desviar ou mesmo mexer? Ele olhava assim, mas, não tinha brilho nos olhos dele.
A outra se conteve em um breve silêncio, como se pensasse em algo distante.

— Você tá alucinando. Isso não existe.

— É tudo que lembra? — indaguei, interrompendo a moren. Hoseok assentiu outra vez, mordiscando os lábios incansavelmente.

— Considerando que esse lugar é macabro... — Sooyeon murmurou, parecia entretida com um jogo de mistérios em sua própria mente. — E como pode saber que ele estava "morto"?

— Simples. Sangue. Ele estava coberto de sangue, mas não tinha expressão alguma. Completamente machucado. E quando olhei pra trás um segundo, ele simplesmente sumiu. O mais estranho era que...

— Que? — arqueeu uma das sobrancelhas.

— Não sei como explicar. — Hoseok coçou o topo da cabeça. — Parecia que ele tinha uma cruz na testa. Mas não desenhada, sabe? Tipo, era como se tivesse colocado alguma cruz ali por tanto tempo que ficou a marca na pele.

Por algum motivo, estremeci.

Era tão surreal que chegava a ser amedrontador apenas imaginar. O silêncio que pairou no cômodo tinha resquícios de sons: um vento uivante, tic-tac de algum relógio e o batucar nervoso dos dedos do ruivo.

— Ah, por que você tá no quarto da... Sem Nome? — Hoseok quebrou a ausência de voz, franziu o cenho e me pegou desprevenido.

— Por que você bateu na porta do meu quarto? — Sooyeon mudou de assunto, traiçoeira, arqueando a sobrancelha.

Proditorium | Kim Taehyung Where stories live. Discover now