III. Sancta Trinitas.

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Senti a parede tipicamente fria causar um choque termal em minha pele assim que bati com as costas na mesma, tendo o outro à minha frente dando um passo descontraído. A palma de sua mão se apoiou na parede, rente a minha cabeça. Eu não conseguia explicar o quanto vulnerável estava em apenas o ter tão perto, meu olhar se perdeu por um momento nos lábios alheios que rascunhava um sorriso indecente.

Travei por alguns segundos. Não era para aquilo que eu estava ali. Eu não deveria ter distrações, mas... aquela pergunta rondou minha cabeça por um bom tempo. A única coisa que eu conseguia pensar era: o beijo ou não?

— Se eu fosse você — encaixei o dedo indicador no cós de sua calça e o puxei para mais perto, deixando seus lábios rentes aos meus enquanto eu os mirava descaradamente. — pensaria bem antes de me provocar. Esse hobby é meu.

Delineei um sorriso de canto um tanto quanto irônico, empurrando o moreno para trás outra vez e esbarrando fraco em seu ombro ao passar direto por ele e ir em direção ao balcão, agora vazio, da recepção.
De longe, escutei o riso soprado do outro, me fazendo sorrir de canto mais uma vez.

Meus olhos passearam pela madeira envernizada assim como meu dígito sobre a leve camada de poeira que revestia o móvel comprido acoplado à parede. Oscilei entre olhar para a porta pela qual a senhora havia entrado antes e para os papéis e objetos bem dispostos, enquanto, em passos descontraídos, dava meia volta no balcão alheio.

Mantendo os olhos por mais alguns segundos sobre a porta apenas por precaução, empurrei com cuidado a portinha velha que separava o hall da recepção e comecei a revistar cada canto da peça de mobília amadeirada. 

— O que tá fazendo, srta. Sem Nome? — Taehyung apoiou os cotovelos sobre o balcão, tombando a cabeça de leve e me fitando com um sorrisinho sutil.

— Até diria, mas não lembro de ser da sua conta. — retruquei com um outro sorriso irônico.

Dando de ombros, tomei em mãos os poucos papéis empilhados no canto da parede. Pareciam documentos velhos e algumas fichas de hóspedes sem muitas informações. Talvez tivesse alguma coisa sobre Jeongguk? Era uma possibilidade.
Eu precisava encontrá-lo. Saber o que aconteceu.

— Vai mesmo fingir que eu não perguntei nada e que nada aconteceu? — o tom distraído brincou nos lábios alheios. Suspirei de tédio e o mirei, vendo o beicinho fingidamente tristonho que se formava em sua boca ao mesmo tempo em que seus olhos acompanhavam as pontas dos dedos cutucarem a madeira do móvel.

— Você é carente? — arqueei uma das sobrancelhas em uma nítida cara de "é sério isso?".

— Wa, esse lugar é medonho. Tinha uns crucifixos pregados ali no canto com umas velas sinistras ao redor e... — um cara tagarela surgiu do nada pulando os lances de escada como se fosse um parque de diversões, os cabelos castanhos ainda úmidos caíam sobre a testa franzida quando ele se aproximou em passos desconfiados até ficar ao lado do moreno e o cutucar com o cotovelo de um jeito nenhum pouco discreto. — Quem é essa?

— É uma boa pergunta. — Taehyung riu soprado.

— Dispenso apresentações, se não se importa. — murmurei, folheando as fichas.

— Cadê o Yoongi? — o moreno permaneceu com os olhos grudados em mim, bisbilhotando cada detalhe meu como se eu não notasse.

— Não faço ideia, deve tá dormindo em algum lugar ou fumando por aí. — o outro coçou o topo da cabeça, fungando baixinho.

— Ele não tava no quarto?

— Quando acordei já tinha saído. — o castanho ditou estreitando os olhos ao mirar o olhar em minha direção de novo. — O que ela tá fazendo?

— Tem medo de perguntar pra mim, neném? — apoiei as mãos no balcão e o encarei sorrindo ladino, a proximidade repentina e a provocação na cara dura parece ter feito o de cabelos castanhos prender o ar e engolir em seco, o nervosismo estampado em sua feição. — Direta demais pra você? Então fica na sua.

— Isso não é invasão de propriedade privada? — Taehyung empurrou o amigo para o lado, e eu revirei os olhos, voltando a vasculhar os papéis.

— Gosta de perder seu tempo querendo saber da vida dos outros ou é só hoje que decidiu encher o saco de quem não conhece? — bufei.

— Uau, ela é como uma versão do Yoongi com peitos. — o castanho entrebriu os lábios em um perfeito "o" que logo se desfez quando o encarei impaciente.

— Hoseok. — o moreno chamou a atenção do outro. — Liga para o Yoongi e descobre onde ele se enfiou. Não acho que esse lugar seja o melhor pra ficar sozinho por aí.

— Nem vai rolar. Meu celular tá sem sinal desde ontem. — o tal Hoseok ergueu o celular no ar como se procurasse sinal para o aparelho.

Revirei os olhos e deixei um suspiro entediado soprar por entre meus lábios, dando a volta no balcão e ignorando os dois homens. Em um relance, meu olhar se voltou para a janela mais uma vez e a igreja do outro lado me prendeu a atenção. Era intrigante, de certa forma.

Parecia buscar meu olhar como um imã.
A cruz de madeira cercada por alguns corvos pendia um pouco para lado, umas três pessoas devidamente de preto faziam o sinal da cruz repetidas vezes e se curvavam com reverência na porta do lugar rústico e decaído. De longe avistei aquele garoto, Jimin, com os braços na frente do corpo e a cabeça baixa enquanto o mesmo homem carrasco de antes conversava com uma mulher ao seu lado.

O céu nublado e a névoa escura que tomava de conta não fazia muito jus à manhã que acabara de começar. O ar úmido e o soprar de um vento gélido quando saí do hotel me obrigaram a esfregar as mãos uma na outra em uma tentativa falha de esquentá-las. O clima era sempre o mesmo ali: sombrio, gelado. Instigante. Dava para ouvir os galhos quebrando e a grama morta fazendo barulho sob meus pés a cada passo dado. O coturno preto chuviscado de lama me levou a suspirar. 

— Yah! — o timbre grave e levemente enrouquecido de Taehyung fez com que o canto de minha boca se erguesse em um sorriso debochado. Não fiz questão de olhar para trás, muito menos de parar no meio do caminho. — Onde você... Ei!

— Não enche. — dando de ombros e mantendo o ritmo de meus passos, enfiei as mãos nos bolsos da calça apertada e continuei caminhando.

Meus olhos percorreram pelo matagal que cercava parte da estrada de terra. Além daquele hotel decadente, a igreja do outro lado me chamara atenção bem mais do que qualquer outra coisa - por mais que os lábios alheios do que me seguia logo atrás fossem tentadores o bastante.

— É sempre assim?

— Assim como? — não o olhei, mas senti seus olhos afundarem em mim ao finalmente me alcançar. 

— Assim. — o moreno cessou os passos a minha frente, me obrigando a parar os meus junto e o encarar de volta. — Enigmática. Um tanto... indelicada.

— E você é sempre assim, intrometido? Um tanto atrevido. — dei um sorriso cínico, pendendo a cabeça para o lado.

— Bom, eu tento o meu melhor. — ele retrucou dando outro sorriso de canto. Sorriso esse que por um rápido segundo me fez estremecer por dentro e perder a fala. — Acho que fiz um bom trabalho.

Ele havia percebido. O maldito ainda levou a língua até o canto dos lábios finos lentamente e intensificou mais o olhar sobre mim. Seu jeito estupidamente sexy e insistente mania de me investigar eram excitantes beirando ao extremo.

Taehyung estava querendo mexer comigo, ser a distração perfeita que meu corpo ansiava. Ele queria me deixar sedenta. E eu podia ver em seus olhos escuros o quanto ele estava gostando daquilo tudo, do suspense oculto, dos segredos que eu não queria compartilhar. Dava para ver os desejos lascivos na intensidade de suas orbes.

A forma como ele me olhava do jeito mais descarado era obscena.

Taehyung parecia querer jogar um jogo comigo, brincar com a tensão e me desvendar com olhares e provocações. Mal sabia ele que, nesse jogo, eu nunca perco. 

Proditorium | Kim Taehyung Where stories live. Discover now