Capítulo 3, aquele sobre limites

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     O limite entre uma investigação e a imprensa deve ser uma das primeiras coisas a serem estabelecidas, mas quando o delegado Reinaldo Lima divulgou a identidade da Cinthia ficou visível que esse limite existe apenas do nosso lado. Eles querem um furo. Os jornalistas importunam sem a menor consciência de que estamos fazendo o nosso melhor. Até mesmo quando busquei minha filha na escola hoje, lá estavam para me perguntar qual era o avanço da investigação, porque Reinaldo é melhor malabarista que eu para fugir deles. Não há nada de realmente novo, exceto teorias e mais teorias, e já faz 9 dias que encontramos o corpo.

Juan cozinhou hoje, não é comum. Ele faz isso quando precisa pensar. Na verdade, quando não consegue pensar. É assim desde sempre, ele odeia andar no escuro e é exatamente o que estamos fazendo agora. Ambos precisamos, e rápido, de respostas.

Os pais adotivos de Cinthia visitaram a delegacia hoje de manhã, com três advogados, e inumeráveis ameaças que não têm fundamento. O corpo da filha deles ainda está no IML e não consigo imaginar a dor que sentem, por isso relevo. Eu sou mãe e estaria morrendo por dentro, como nitidamente estão, se estivéssemos em posições opostas. Pensar muito sobre isso me deixa instável. Preciso separar as coisas.

A cada buraco que eu e Juan abrimos no passado dessas garotas, mil animais peçonhentos saem de dentro para nos desafiar. Os caminhos ficam cada vez mais tortos e difíceis de atravessar, mas não existe outra opção além de seguir em frente.

— A Cassandra morava de favor na casa dela já fazia quase um ano, Manoela era sua melhor amiga — diz Juan, sentado em nossa mesa de jantar. Ainda não começou a comer. — Ela chegou na delegacia com o filho nos braços, foi um pouco desconfortável interrogar. Chorou e se irritou quando perguntei a chance da Cassandra estar envolvida, mas não acusou o Laerte.

Ele encara nossa filha de 4 anos, com cabelo castanho enfeitados por presilhas roxas que deixam sua testa a mostra. Michele come as batatas fritas e ignora o resto. É claro que Juan está pensando no vínculo entre Michele e a criança de Manoela. Tão iguais e diferentes ao mesmo tempo.

— Michele.

A menina o encara. Os cílios ralos batem depressa.

— Você precisa comer essas também — ele instrui, de maneira amigável, apontando os brócolis no prato. Ela faz uma careta quando começa a comer.

— Fiquei encucada por vocês prenderem o Laerte de graça, por coisas que ele mesmo tinha ido entregar — eu falo. — Qualquer advogado de esquina ia liberar ele.

— Se fosse de graça, não teríamos conseguido prender. Ele sabia de um suposto sequestro e não foi até a polícia. Então, o suposto sequestro aconteceu.

— Às vezes parece que estamos em casos diferentes, já te disse isso?

— É porque você gosta de ignorar provas.

Odeio quando Juan me alfineta. Não acho que ele pense que sou uma má investigadora, mas às vezes seu ego ultrapassa uma linha muito perigosa. Há uma série de crimes resolvidos por mim, dos mais diversos graus de dificuldade, e ele sabe disso. Tem ciência de que não estamos no mesmo degrau dessa carreira. Ele fala:

— Existiam várias mensagens da Cassandra no celular dele, a melhor amiga confirmou que são ex-namorados e ela estava planejando sequestrar a Cinthia e pedir um resgate. Tudo isso no dia anterior ao que elas sumiram. Você é a única que ainda recusa que Cassandra pode estar envolvida, porque é teimosa. — Olha-me sorrateiramente.

— Nunca disse que recuso — respondo, e bebo um pouco do suco amarelo. — Mas Cassandra já foi uma suspeita pra você desde o começo. Qual foi o resultado disso? Não encontrou nada e uma das garotas morreu. — Forço um sorriso. — Ela teria entrado em contato. Um sequestro como aquele não é pra acabar em morte. Se a vítima morre, o dinheiro vai pelo ralo junto. Foi, no caso.

Não Deixe a Puta MorrerOnde as histórias ganham vida. Descobre agora