Capítulo 16, aquele na maternidade

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     Domingo não é o melhor dia para chegar em nenhum lugar. Estamos na recepção da maternidade Trevisan. Nayara nem se move, com as costas eretas e o terninho preto dobrado até o meio dos braços, parece uma boneca encarando duas mulheres com barrigas imensas duas cadeiras à nossa direita.

Há 30 minutos estamos esperando.

O local tem suas paredes bem pitadas de branco, o piso limpo reflete meus olhos cansados e os quadros são cheios de grávidas bonitas e felizes. Esse não é o tipo de maternidade que eu espero ver mulheres que vendiam seu corpo por dinheiro terem seus filhos, preconceito meu, mas a verdade é que sei: as mulheres mortas pelo Caçador de olhos não tinham dinheiro suficiente para pagar um aluguel, imagine um convênio e, olha aquela máquina de café gratuita... Como pagariam um parto e internação em um lugar bom como esse?

— Ela tá vindo — Nayara me avisa, referenciando a mulher de vestido branco no meio dos joelhos. Os cabelos estão presos para trás com tanta intensidade que sua testa parece enorme. Estende a mão quando está perto o suficiente.

— Boa tarde. — Sua voz é suave, ela está sorrindo e as rugas no canto de seus olhos aparecem de forma sutil, indicando que algo foi aplicado para evitar que se mostrassem fortes. Todo o rosto dela parece modelado por um artista e talvez tenha sido. — Laura, estou correta?

Coloco-me de pé, aceitando sua mão estendida e confirmando o meu nome. A mão é macia, sem um calo sequer. Solto-a quando percebo que passei tempo demais encarando as unhas beges da médica. Um sorriso educado pode ser visto em meu rosto, ao contrário do pânico existente no rosto de Nayara.

— Drª Bianca, obrigada por nos receber sem marcarmos antes — falo, colocando as mãos para trás.

— Vamos até o meu escritório e conversamos de maneira mais confortável — decide ela, eu não a questiono e aceito segui-la pelos corredores da maternidade, Nayara se mantem atrás de mim.

— Suellen informou que você mostrou o distintivo. Acredito, então, que esteja aqui a trabalho — diz Bianca em tom baixo e manso, eu encaro os funcionários ao nosso redor, ocupados demais em seus uniformes cor-de-rosa para nos notarem. A olho mais uma vez, o sorriso de Bianca me lembra muitas pessoas.

— Não exatamente — sussurro. É uma meia-verdade.

Depois de atravessarmos a terceira porta cor-de-rosa, pareço ter entrado em outro prédio. Ainda é bonito, mas agora as portas são cinzas e todos usam roupas formais de cores escuras. Parece um local muito menos feliz e com telefones tocando a cada segundo.

Bianca está ao meu lado e cumprimenta algumas das pessoas que passam por nós antes de chegar na última porta e abri-la, indicando que deveríamos entrar. Olho para Nayara, querendo passar segurança à garota que está a dois segundos de cair dura no chão porque ainda nem chegamos no momento que ela vai querer fazer isso.

— Podem se sentar. — Ela indica as cadeiras pretas de estofado brilhante frente à mesa de vidro. — Posso oferecer um suco? — pergunta, mas estou entretida admirando a vidraçaria que preenche toda uma parede, dando visão a uma cidade no fim de tarde. Um belo domingo para não estar se metendo em problemas.

— Não, obrigada — respondo, finalmente olhando para a médica, ela ainda está de pé, ao lado de uma mesa retangular e espera que eu me aproxime.

Nayara repete meus movimentos como um robô e não me importo o suficiente para pedir que pare.

— Estão completando 40 anos de funcionamento, parabéns — comento, aceitando o assento, as outras duas mulheres da sala também se sentam. — Tenho certeza de que está muito orgulhosa.

Não Deixe a Puta MorrerOnde as histórias ganham vida. Descobre agora