Capítulo 17, aquele que anuncia um fim

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     Como me casei com alguém que pensa algo tão duro? A raiva tinha passado no domingo, quando saímos da casa da minha irmã, mas voltou rápido quando chegamos na nossa. O ambiente, talvez, tenha me alertado de que não adiantava fingir que nada aconteceu. Afinal, eu continuaria deixando Flávia ver Michele e Juan permaneceria me odiando por isso. Já faz quase quatro dias que vivemos em guerra declarada.

— Se não fossem casados, eu diria que essa raiva é a mais pura tensão sexual — Ana comenta, levando o copo de gin aos lábios e olhando de mim para o homem que sorri ao lado do delegado, com a mão pousada em seu ombro direito, bem à frente da mesa de salgados comemorativos.

Hoje nosso chefe faz 25 anos de casado e me questiono quantas coisas a respeito de sua esposa ele não descobriu apenas depois de se casarem. Eu, por exemplo, contei a Juan do abuso físico e psicológico do meu progenitor, mas nunca me sobrou coragem para falar sobre a nota de cem reais deixada pelo desgraçado, que achava a própria filha uma prostituta. Assim como eu não tive escolha, coloco na balança a quantidade de mulheres que têm. Definitivamente não é uma conta fácil, afinal, vender seu corpo por necessidade se encaixa em escolha? Acredito que não, mas há quem defenda que sim e uma dessas pessoas ser meu marido me incomoda como se eu tivesse passado a mão sobre aqueles cactos de espinhos quase invisíveis, mas que incomodam por dias seguidos até que remova o último. Não sei como remover os espinhos dele de mim.

Encaro a mulher ao meu lado, com a sombra prateada sobre os olhos, a pele negra bem rebocada como não vejo com frequência, e as pernas cruzadas que a fazem parecer uma empresária dona de uma rede de restaurantes caros, não uma médica legista. Aliás, médicos legistas têm cara? Nunca pensei sobre isso. Sorrio de forma contida por seu comentário, mas me sinto cansada para responder. Não foi um dia fácil, nenhum está sendo desde que aceitei esse caso.

— Se queria beber vinho quente, existe uma forma mais gostosa, Laura — fala a mulher que se aproxima.

O cabelo loiro escuro de Alessandra cai sobre os ombros e a esposa do delegado, na casa dos cinquenta anos, sorri para mim. Encaro o vestido social preto sem decote cobrindo até os braços magrelos e uma quantidade nada razoável de preenchimento nos lábios.

— Parabéns. — Ana se coloca de pé e abraça Alessandra.

— Sobrecarregada? — sussurra, colocando as duas mãos sobre o meu rosto quando me afasto um pouco.

Alessandra olha para o marido e o mesmo arregala os olhos ao ser fuzilado pela esposa, disfarça vergonhosamente, e ela está rindo quando volta a me olhar. Pergunta:

— Como está a Michele?

Isso arranca a serenidade do meu rosto com velocidade e me afasto de seu toque, bebendo um gole grande do vinho adormecido em minha mão.

Encaro Juan, dessa vez meu marido também está me olhando e nós ficamos assim por alguns segundos. Quero tanto resolver isso logo, não sou do tipo que adia problemas, mas ao mesmo tempo para esse a solução não é tão simples. Se Rogério estivesse aqui, pelo menos, ele poderia me contar se Juan comentou algo sobre Flávia na roda daqueles que bebem uísque e sabemos todos que a bebida não a restrição e sim ao gênero.

— Laura e Juan estão brigados — conta Ana, que havia sentado no braço do sofá bege mais uma vez. — Não aceita minha opinião, então pelo menos aceita a dela, ela é casada há 25 anos — enfatiza. — Vou trocar isso para você. — Retirando o copo de mim e saindo em direção à porta que dará entrada à cozinha.

— Eu não vou me desculpar dessa vez, estou certa — digo de imediato, Alessandra ergue os braços em rendição.

Ela é tão pomposa em todos os seus movimentos. Sento-me no sofá e a assisto seguir meus movimentos até ocupar um local ao meu lado.

Não Deixe a Puta MorrerOnde as histórias ganham vida. Descobre agora