Capítulo 24, aquele do fim

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     Limpo as lágrimas que escorreram de meu rosto e fungo o nariz. Juan está me encarando calado, acabamos de sair do hospital e Rogério foi para o seu carro.

Eu o chamei para esse encontro propositalmente, queria pedir desculpas. Pela acusação de dias atrás e por recusar sua ajuda. Preciso dele e não só porque não tenho muitos amigos, mas porque quero a amizade dele em específico. Rogério está entre os que não desejo perder para meus problemas. Ele e Ana são como alicerces. Meus escudos do mundo sem que eu precise pedir para serem ou de fato necessite. Estão aqui sempre, e quero que continuem assim.

— Ainda bem que vocês se acertaram — comenta, eu permaneço calada enquanto coloco o cinto de segurança e preparo o banco do carro para guiá-lo até nossa casa. — Não valia a pena mesmo.

Juan está fugindo. É dessa forma que entendo seu assunto. Falar sobre minha reconciliação com Rogério é a maneira que encontrou de evitar que eu fale o que irei.

— Você promete? — Pergunto rapidamente, enfiando a chave e ligando o veículo. — O que disse lá dentro — olho a fachada bem iluminada do local que acabamos de sair, depois novamente para ele. — Vamos deixar a Flávia ver a Michele com mais frequência?

Ele respira fundo, faz um bico com os lábios e começa a colocar seu cinto.

— Desculpa por aquele dia — repete algo que já perdi as contas de quantas vezes falou. Juan está me olhando de novo. — Não estou falando isso porque amo você, mas porque sei que estava muito errado. Muito mesmo — parece envergonhado, abaixa o olhar. — Estava falando sério — responde no final, só então dou partida no carro. — Estaria mentindo se dissesse que não me incomoda no fundo, tenho mesmo medo de perder a Michele.

— Nunca vamos perder a Chele, Juan — sussurro, virando na primeira rua à esquerda. Olho-o rapidamente — nem se a Flávia, um dia, tiver a guarda dela. Nunca vamos perder nossa filha. Você sabe, alguns vínculos não deixam de existir, nunca.

— Nunca vamos perder ela — sussurra meu marido, tentando se convencer.

Estou encarando a rua mal iluminada, passando pelos caminhos para evitar faróis, esperando que meu marido tenha de fato entendido e que não precise voltar a defender algo que deveria ser um consenso. Penso calada, respirando com tranquilidade, lembrando que daqui a uns dias assumo um cargo em uma delegacia desconhecida, remoendo um tanto das minhas culpas e dos acertos que vieram com elas. É um turbilhão de sentimentos que me invadem, mas não são ruins. Dessa vez não.

— É estranho trabalhar sem você nesse caso — comenta Juan, e sorri sem me olhar. Enxergo apenas sua silhueta, focando na rua. — Mas melhor. — Não encobre o riso, eu também não seguro o meu.

— Perdi mesmo todo o respeito — debocho, ainda com o ar saindo forte junto à risada. — Só que agora sou famosa — argumento, erguendo as sobrancelhas em sua direção.

Juan fica sério de repente, eu também. no mesmo instante e o silêncio ocupa o carro ao longo dos minutos até nossa casa. Enquanto o portão automático se abre, nos encaramos de forma simples e estranha. Mudamos desde que esse caso começou, mas ainda o enxergo. Agora, finalmente, consigo enxergá-lo depois da lente turva que cobriu meus olhos, acredito que ele se sinta da mesma forma em relação a mim.

— Você quer tomar uma cerveja? Faz tempo que não ficamos um tempo juntos — encaro o portão totalmente aberto. Abaixo o freio de mão.

— Pra você dormir no sofá como da última vez? — Juan balança a cabeça negativamente e faz uma falsa cara de ofendido, eu rio mais alto. Faz tempo que não rimos assim juntos. — Você comprou mesmo as cervejas?

Ele dá os ombros, tirando o cinto. Faço o mesmo.

— Já faz uns dias que estão escondidas no fundo da geladeira, não sabia o momento certo de chamar. Entranho, não é? — Assinto com velocidade enquanto estaciono o carro na nossa vaga apertada.

— Acho que temos pelo que comemorar, no fim — digo. O carro já está parado.

— Elas estão vivas. Estamos realmente de bem — Juan enfatiza a última palavra. — Vem aqui — e me puxa o braço esquerdo antes que eu possa tirar o cinto. Beija meus lábios de forma que senti saudades, depois sorri.

É bom parar de pensar um pouco na vida dos outros e focar na minha novamente. Na nossa. Quero me certificar que continuemos no mesmo caminho por um bom tempo.

— Acha que Cassandra vai mudar de vida? — pergunta-me sério, e o xingo mentalmente por voltar ao assunto, mas o tom de julgamento não está presente, me sinto satisfeita. — É estranho imaginar o futuro dela — afasta-se.

— Espero que ela se sinta feliz com o que escolher — declaro. — É o máximo que tenho direito de desejar, o resto é com ela. Cassandra faz o que quiser — ele sorri, também satisfeito com a minha resposta.

Paro um pouco de falar, o encaro por alguns instantes, e dou dois tapinhas em sua mão que ainda segura meu braço, em forma de conforto. Espero que as gêmeas que sobreviveram um dia possam encontrar esse conforto uma na outra. Torço pelas duas, e por todas as mulheres que têm sua vida colocada em risco todos os dias em troca de alguns reais. 

Não Deixe a Puta MorrerOnde as histórias ganham vida. Descobre agora