Capítulo 14

0 0 0
                                    

A claridade entrou pelos vidros foscos da janela, banhando os dois corpos que se encontravam enroscados em um emaranhado de braços, pernas e lençóis. Duo remexeu-se na cama, sentindo algo sólido e macio ao mesmo tempo debaixo de seus braços. Emitiu um sorriso quando a sua mente começou a despertar e a se lembrar do que acontecera noite passada. Remexeu-se mais um pouco, agora percorrendo os seus dedos por entre os cabelos castanhos escuros e rebeldes, os ombros largos e fortes. Notou, durante a sua exploração, que havia uma tatuagem no ombro esquerdo de Heero. Era a silhueta de uma asa. Traçou o desenho com as pontas dos dedos e continuou a sua exploração. Foi dos ombros até a base da coluna, voltando aos ombros e depositando um beijo na nuca exposta. Heero estremeceu debaixo dos seus lábios, resmungando alguma coisa em seu sono. Duo sorriu mais ainda, começando a traçar beijos pela nuca e pelas costas do japonês.

Heero sentiu os lábios macios em sua pele e abriu um sorriso, ainda de olhos fechados. Percebeu a mão percorrer as suas costas, o corpo quente se movimentando ao lado do seu. Era a primeira vez que ele achava prazeroso acordar com alguém ao seu lado. Sentiu os cabelos macios roçarem em seus braços e ombros, enquanto os beijos desciam pela a sua espinha, quando de repente tudo acabou. Um grito, um pulo e um barulho abafado ecoaram no quarto.
-O que foi? –Heero sentou-se na cama abruptamente, com parte do lençol cobrindo as suas coxas. Olhou para o chão e viu Duo caído lá, com a outra parte do lençol, que ele puxou durante a queda, cobrindo as suas pernas.
-Eu vou me atrasar! –Gemeu o caçador, apontando para o relógio ao mesmo tempo em que tateava o chão em volta da cama, a procura de suas roupas. O vampiro olhou para o relógio na mesa de cabeceira e esse indicava dez para as oito. –Se eu chegar mais uma vez atrasado, Lady Une vai me suspender. –Resmungou enquanto vestia a sua cueca, ao mesmo tempo em que tentava colocar a sua camisa. Assim que estava parcialmente decente, levantou-se do chão, refazendo a sua trança em tempo recorde, enquanto os orbes violetas olhavam atentamente a sua volta. –E onde estão as minhas calças? –Disse frustrado, quando se lembrou da noite passada e corou fortemente. –Hum… será que eu posso pegar emprestada uma de suas calças? –Heero riu e apontou para o armário a um canto do quarto.
-Vão ficar grandes em você.
-E de quem é a culpa, heim? –Duo colocou as mãos no quadril, lançando um olhar duro ao japonês ainda na cama, depois caminhou até o armário e retirou de lá de dentro a primeira calça que viu.
-Bem… noite passada você não pareceu se importar muito em perder essa peça de roupa. –Falou zombeteiro, deitando-se novamente na cama e cruzando os braços sob a cabeça, mirando o teto, quando sentiu algo bater em seu rosto. Sentou-se novamente, tirando a camisa que tinha acertado a sua cabeça, e olhou para Duo, ainda zangado, no outro lado do quarto.
-Cala a boca Hee-chan. –Resmungou, fechando o cinto o máximo que pôde. Heero tinha um físico mais atlético do que o seu e era mais alto, o que fazia a calça ser muito comprida nas pernas e um pouco larga na cintura.
-De onde você tirou isso? –Perguntou Heero, descartando a camisa a um canto.
-Tirei o quê? –Retrucou, sentando-se no chão e começando a colocar os sapatos.
-Esse Hee-chan. Você sabe o que significa? Isso é apelido para mulheres.
-Eu sei o que significa. Eu vivo em um orfanato, cheio de meninos e meninas, animes e mangás rolam soltos por lá.
-Então por que você me chamou de Hee-chan?
-Porque eu acho… como é mesmo a palavra?… Ah sim, eu acho kawaii!
-Você acha kawaii? Você me acha kawaii? –Heero piscou incrédulo. Já tinha sido chamado de tudo na vida, irresponsável, baka, demônio, besta do inferno e etc. Mas kawaii, essa era a primeira vez.
-Sim… de uma certa maneira dark… mas sim. E eu adoraria ficar aqui e discutir o quão kawaii você é e coisa e tal, mas eu estou mais do que atrasado para a escola. –Duo em um pulo pôs-se de pé, ajeitando como pode a sua blusa amarrotada e a calça maior do que ele. Deu meia volta, pronto para partir, quando algo o parou. Em um outro pulo ele encontrava-se sobre a cama, mas especificamente sobre Heero, o beijando apaixonadamente. –Tenha um bom dia. –Murmurou contra os lábios do japonês atordoado, sumindo do quarto logo em seguida em uma velocidade impressionante.
A correria não serviu de muito, pois Duo chegou atrasado mesmo assim e perdeu o primeiro tempo de aula, lhe rendendo um longo sermão de Lady Une, mas conseguiu se livrar da suspensão com o seu sorriso e seu charme tradicional. Quando a sineta do intervalo tocou, o jovem encontrava-se caminhando no corredor, em direção ao seu armário, quando um grito estridente o fez parar e seus ombros ficaram tensos por causa da voz.
-Duo Maxwell! –Relena veio pelo corredor o interceptando e parando em sua frente. Duo rolou os olhos e quase gemeu diante da presença da garota.
-Peacecraft. –Murmurou, soltando um suspiro e cruzando os braços sobre o peito.
-Eu só vim avisar que já que você fez o favor de não comparecer na aula de química essa manhã, nós dois vamos ter que fazer um trabalho juntos.
-Como é? –Perguntou incrédulo. Teria que fazer um trabalho em parceria com a Chatacraft?
-Isso mesmo. Como parecia que todos já tinham uma dupla definida, sobraram apenas eu e você. Esse trabalho vale créditos para a faculdade… -Duo teve que morder a língua para não soltar uma gracinha. -… e eu quero esses créditos, estamos entendidos?
-Sim senhora. –Caçoou o garoto, sacudindo a cabeça de um lado para o outro quando a viu sumir pelo corredor. Era tudo o que ele precisava, um apocalipse chegando e um trabalho em parceria com Relena. –Me diga que isso não é nenhuma punição pelo fato do Heero e eu… -Murmurou, olhando para cima. -… o Senhor sabe. –Completou dando de ombros como se realmente esperasse alguma resposta. Depois de minutos de silêncio, ele decidiu que nada viria "lá de cima" e continuou o seu caminho, parando em seu armário e pegando alguns livros, e depois seguindo para a biblioteca, esperando ver alguma face conhecida lá.
-Duo! –Quatre disse entusiasmado quando viu o garoto entrar na sala, mas logo o seu sorriso sumiu quando observou o curativo, que estava sendo parcialmente coberto pela trança, no pescoço do amigo. –O que aconteceu? –Perguntou preocupado, caminhando até o jovem e tirando a trança do caminho para poder observar melhor o machucado.
-Não foi nada Q, apenas ossos do ofício. –Disse displicente, puxando a gola de sua camisa para tentar cobrir o ferimento.
-Ossos do ofício? –Zechs apareceu de dentro da sala do bibliotecário, sendo acompanhado por Treize. Ao contrário das outras vezes, onde ele sempre estava bem arrumado com um terno e uma gravata, dessa vez o loiro estava bem informal e Duo tinha que admitir que assim ele parecia menos mandão do que aparentava. –Como está Yuy? –Indagou antes mesmo do caçador abrir a boca para explicar qualquer coisa.
-Ele está bem… eu diria que está bem recuperado na verdade. –Murmurou, corando fortemente e caminhando até a mesa no centro da biblioteca, jogando-se na cadeira que havia lá.
-Conseguiu curá-lo? Como? –Treize parou em frente ao seu ex-pupilo, tentando desvendá-lo com apenas um olhar. Duo sentiu-se incomodado com isso. Se contasse ao homem o que tinha feito, com certeza levaria o maior sermão de sua vida.
-Ah… você sabe… uma coisa ali… outra aqui… outra acolá. –Gesticulou largamente, balbuciando nada com o nada.
-Não, eu não sei. –O ex-sentinela cruzou os braços sobre o peito, o olhando firmemente. Duo tinha feito algo grave senão, já teria lhe contado o que tinha acontecido depois que os expulsou do mausoléu na noite passada.
-Ah, ele precisava de sangue, eu dei sangue a ele e o problema foi resolvido.
-Pensei que apenas o sangue de Gwan serviria, e você disse que não o tinha conseguido. –Zechs piscou, tão desconfiado quanto Treize. –Então como conseguiu curá-lo? –O americano remexeu-se em sua cadeira, incomodado diante do olhar dos dois ingleses. Esfregou a trança mal feita com os dedos, fazendo essa escorregar de seu ombro para as suas costas e expondo o seu pescoço, deixando ainda mais visível o curativo branco que lá estava.
-Você não fez isso! –Treize gritou quando finalmente a compreensão o abateu.
-Duo, você enlouqueceu? –Zechs acompanhou o colega depois de compreender o mesmo. –Deu o seu sangue para ele? De onde você tirou essa idéia maluca? Ele é um vampiro!
-Com alma! –Duo enfatizou, parecia que vez ou outra eles esqueciam esse detalhe. E ele que pensou que era um único que tinha problemas mal resolvidos com Heero.
-Não é questão de ele ter alma ou não. Ele ainda é um vampiro, tem instintos. Faz idéia de quanto tempo Yuy não toma sangue humano? Você oferecendo o seu pescoço deve ter sido um banquete. –Zechs afirmou, esfregando a tempôra com os dedos, mal acreditando na loucura que o jovem cometeu.
-O que faz você pensar que eu ofereci o meu pescoço? –Duo quis se chutar. Era óbvio que Zechs conhecia Heero a mais tempo do que ele próprio, e que mesmo que o loiro não o conhecesse muito, saberia dizer que ele nunca se deixaria ser mordido sem uma boa briga antes. E depois ter oferecido seu pescoço para cuidados médicos ao vampiro que o mordeu.
-Eu realmente preciso responder essa pergunta? –Retrucou o homem, balançando a cabeça de um lado para o outro em descrença.
-Okay, Duo fez uma burrada. Não vai ser a primeira nem a última… -Treize começou.
-Hey! Eu ainda estou aqui, não fale como se eu não estivesse na sala. –Protestou o garoto mas o homem o ignorou e continuou falando.
-A questão é como você sabia que essa loucura iria funcionar? Que o seu sangue serviria para curar Heero.
-Bem… eu não sabia direito, apenas resolvi arriscar diante do que aquele Gwan disse. –O jovem deu de ombros e resolveu elaborar a resposta diante do olhar curioso dos dois homens. –Ele disse que Heero precisaria do sangue fresco de um inimigo mortal… e como caçadores e vampiros são…
-Interessante. –Zechs interrompeu. –Muito interessante. Usou seu sangue partindo do pressuposto que por tradição caçadores e vampiros são inimigos mortais. Uma tática esperta.
-Esperta e burra ao mesmo tempo. Ah Duo, às vezes eu não sei o que faço com você. –Suspirou Treize exasperado.
-E você me ama por isso. –Duo deu um de seus famosos sorrisos, quebrando a tensão que a conversa criou. –Qual é o problema Q? –Perguntou ao árabe que durante todo o interlúdio permaneceu em silêncio.
-O que aconteceu com as suas calças? –Disse indiferente e Duo sentiu o calor subir pela sua espinha até a ponta de suas orelhas, e poderia dizer com clareza que o seu rosto estava vermelho.
-C-como assim?
-Elas parecem um pouco grandes e… não são nada parecidas com as suas calças habituais. –Declarou calmamente, dando de ombros.
-Er… tive um pequeno acidente com elas… nada de mais. –Gaguejou o jovem e Quatre nada disse por uns longos e torturantes segundos.
-Então o que é isso no seu pescoço? –Indagou novamente e por instinto Duo levou a mão no curativo em seu pescoço. –Não a mordida. –Disse o loirinho. –O que está do outro lado… esse hematoma… -Aproximou-se um pouco, avaliando a mancha no pescoço dele. -… Isso daí é um chupão? –Perguntou surpreso e Duo rangeu os dentes. Ele tinha quase certeza de que Quatre estava fazendo isso de propósito, pois podia ver o brilho traquinas na face angelical do loiro.
-Chupão? Que chupão? –Respondeu inocente, vendo com um certo alívio que Zechs e Treize tinham sumido biblioteca adentro, com certeza procurando algo sobre a profecia perdida. Mais interrogatório era o que ele menos queria, pois já lhe bastava Quatre e essa falsa inocência para cima dele.
-Esse chupão… acompanhado das calças largas, a mesma roupa de ontem, os cabelos embaraçados e o fato de que ontem a noite eu senti uma forte onda emanar da direção do mausoléu.
-Onda… onda de quê? –Teve até medo de perguntar. Com certeza o que ele e Heero tinham vivido na noite passada poderia ter sido sentido com força por alguém como Quatre, feiticeiro e empata. Diabos, ele tinha quase certeza que seus gritos acordaram todos os mortos do cemitério.
-Hum… -Pausou por um momento, o rosto ganhando um pequeno sorriso malicioso que não era muito característico do loirinho. -… excitação… prazer… e derivados.
-Você não vai dizer nenhum pio sobre isso, entendeu? –Duo deu um salto, saindo da cadeira onde estava e parando em frente ao amigo. –Se Hilde ouvir sobre isso, eu não vou ser deixado em paz pelo resto dos meus dias.
-Okay… eu não conto a Hilde se… você contar para mim como foi.
-Perdeu o juízo? Isso é particular Quatre!
-Mas eu te contei como foi com o Trowa! –O loiro fez beicinho e Duo rolou os olhos.
-Mas não nos mínimos detalhes… argh… olhe só para nós, parecemos garotas fofocando, que horror. –O árabe riu diante da atitude do americano.
-Eu só estou um pouco curioso… quero dizer… o sr. Heero está morto e coisa e tal. Como
-Eu lhe digo uma coisa… ele me pareceu bem vivo noite passada. –Interrompeu mas, mal terminou de dizer e, ao ver o sorriso malicioso de Quatre crescendo, Duo teve certeza de que a sua cor poderia rivalizar um pimentão.
Duo olhou em seu relógio, que brilhou na semi-escuridão do lugar. Dois dias tinha se passado desde o incidente da mordida e ele ter feito coisas antes impensáveis, com Heero. Parecia que depois da pequena agitação com a passagem breve de Gwan na cidade, tudo voltou a sua rotina normal. Bem, se você considerasse normal o fato do fim do mundo estar se aproximando e ter três caçadores vigiando a cidade. Enquanto Sally e Hilde rodavam pelos becos escuros para fazerem a ronda, Duo preferiu vir ao cemitério. Primeiro porque ele estava familiarizado com o local e geralmente a maioria dos vampiros surgiam daqui, segundo porque a casa de Heero era perto dali. Se ele desse sorte, poderia esbarrar com o japonês essa noite e eles poderiam… Duo parou a sua linha de pensamentos. Poderiam o quê? Namorar? Era isso que eles dois eram? A palavra não tinha sido colocada entre eles, mas com certeza depois de todos os acontecimentos, eles estavam longe de serem apenas amigos.
-Bem que ele poderia aparecer… porque isso daqui está chato de morrer. –Murmurou ao vento, balançando as pernas para frente e para trás, sentado sobre uma grande lápide.
-Garanto que a morte não é tão chata quanto parece. –Alguém disse atrás do garoto e ele abriu um sorriso, pulando da lápide para o chão.
-Sua mãe não lhe ensinou a não espreitar um caçador no meio da noite?
-Talvez… mas eu acho que eu já me esqueci desse ensinamento. –Heero retrucou com a sua habitual face inexpressiva.
-O que você está fazendo aqui? –Perguntou o garoto e o japonês o olhou longamente, antes de rebater com uma outra pergunta.
-O que voc está fazendo aqui?
-Ah, desculpe se não fomos apresentados. Duo… -O americano estendeu a mão para ele. -… o caça-vampiros. E você?
-Engraçadinho. –O moreno segurou a mão estendida, puxando Duo para perto de si e envolvendo a cintura dele com o seu braço. –O que eu quero saber é o porquê de você estar aqui. Deveria estar em casa descansando, os últimos dias foram agitados. –Duo rolou os olhos. Embora a expressão de Heero não indicasse nada, ele poderia reconhecer o tom de preocupação na voz do vampiro.
-Afê… eu não sou feito de vidro. E alguém precisa fazer a ronda nessa cidade.
-Pelo que eu me lembre, e pelo que Chang me contou, há duas caçadoras na cidade, elas poderiam te cobrir…
-E eu ficar fora de toda a diversão? Nunca.
-Baka. –Murmurou o japonês e Duo deu um leve chute na canela dele. -Por que disso? –Resmungou o homem.
-Eu não sou idiota Hee-chan. –Dessa vez foi Heero que rolou os olhos. –E eu vim aqui essa noite com a vã esperança de esbarrar em um vampiro alto… -Sussurrou, dando um leve beijo no canto da boca do moreno. -… moreno… -Deu outro beijo, no lábio inferior dele. -…sexy…
-Duo…
-O quê?
-Você fala demais. –E o apertou mais contra o seu corpo, selando seus lábios em um beijo sedento. Ficaram se beijando, passando a mão um pelo outro, se explorando por meia hora, até que Duo se soltou do japonês, com a respiração ofegante.
-Eu deveria estar fazendo a ronda. –Disse entre inspiradas de ar.
-Tem razão. Eu vou com você. –Se afastaram um pouco e começaram a andar lado a lado entre as lápides de pedra.
-Você está vendo alguma coisa? –Sussurrou o rapaz dentro do silêncio do cemitério.
-Não… e você?
-Também não. Acho que chega de ronda. –Declarou e voltou-se para Heero, o puxando e colando seu corpo e lábios nos deles. Ficaram mais um bom tempo literalmente se agarrando no meio dos túmulos, quando um grito estridente cortou o ar e fez os dois amantes se separarem abruptamente.
-O que foi isso? –Heero murmurou, aguçando os seus sentidos, quando outro grito cortou o ar.
-Merda… eu conheço esse grito! –Duo resmungou, apertando a deathscythe em seu cinto e enfiando a sua estaca dentro de sua jaqueta. –O que Relena aprontou dessa vez? –Deu um último resmungo, correndo em direção ao grito, com Heero em seu encalço. Se fosse um ataque de frescura da Peacecraft porque uma barata cruzou o seu caminho, ele jurava que a mataria por tê-lo interrompido. Lenta e dolorosamente, ela poderia contar com isso.

Duo, o caça vampiros! Where stories live. Discover now