AGORA

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Quando abriu a porta de casa, deixou a exaustão dominar

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Quando abriu a porta de casa, deixou a exaustão dominar. Se arrastou até o sofá e caiu lá, sem conseguir se mover, sentindo o cheiro familiar de limpeza, imaginou que Sally tinha ido ali antes dele e tirado o pó.

De fato, ao olhar ao redor, a casa estava brilhando e com tudo no lugar, o que nunca acontecia com dois adultos hiperativos vivendo juntos. Olhou para a mesinha de centro, onde sempre tinha os projetos de Annabeth espalhados em uma bagunça que só ela entendia desde que tinha aberto mão de seu escritório e não viu nada além de um vaso de planta de plástico.

Então ele chorou.

Não sabia o que fazer, não tinha se preparado para isso, não tinha sequer imaginado que tudo que aconteceu nos últimos anos era uma possibilidade e agora sua esposa, sua parceira de vida, estava dopada em uma cama de hospital por sua culpa, ela não acordava, não poderia acordar ainda. Provavelmente nunca acordaria, sua mente dizia.

Se não tivesse entrado naquele carro, dito as coisas que disse, ela estaria ali com ele, na casa que construíram juntos, cada canto que exalava as personalidades deles. Desde as paredes azuis ao teto alto que Annabeth fez questão de ter, a mesa da cozinha de vidro que Percy sempre desejou ter, desde pequeno, uma parede toda revestida em prateleiras, do chão ao teto, cheia de livros com as temáticas mais aleatórias. Eles tinham construído aquela casa, tinham construído uma vida juntos e Percy não sabia quem ele era sem Annabeth, não saberia como sobreviveria se ela se fosse.

E tudo por sua culpa.

Sua mãe dizia que existem quatro coisas que não podem ser desfeitas; a pedra atirada, uma ocasião perdida, o tempo que passou e, por fim, as palavras que foram ditas. Só lhe restava os arrependimentos.

Sentiu seus músculos moles, as pernas tremendo levemente em cansaço, mas mesmo assim se levantou, nem mais se dando ao trabalho de enxugar as lágrimas, deixando que elas escorressem livremente pelo queixo e pescoço, sentia-se sem forças até para um ato tão banal quanto esse. Forçou seus pés a andarem até seu quarto, passando por quadros deles dois, de seu casamento e de momentos juntos que foram fotografados pelo corredor largo que eles nunca lembravam de decorar. Eles tinham fotos de viagens de carro pelo país que faziam quando tiravam férias do trabalho, fotos dos natais compartilhados com a família, com Sally, Paul, Estelle, Grover e Juniper; fotos de momentos caseiros como quando Annabeth decidiu que cozinharia o jantar de Ação de Graças em vez de Percy e quebrou a quina da mesa de vidro com o peru congelado, ou quando ele estava obcecado por jardinaria e tentou plantar todas as mudas de flores que achava, mas Percy não sabia diferenciar uma muda de uma erva daninha, então as plantas logo morreram. Anos de memórias naquelas paredes fizeram suas mãos tremerem com a dor em seu coração, mas nada se comparava às memórias que só existiam em suas mentes, aquelas que nunca seriam capturadas por uma câmera; como a cor dos olhos cinzas dela quando acordava pela manhã, os gestos carinhosos involuntários quando estavam um ao lado do outro, o singelo afagar nas costas ou passar os dedos entre os fios de cabelo enquanto sorria, pequenos momentos que agora que não tinha mais, pareciam gigantes. Um sorriso de boa noite, um aconchegar no colo depois de um dia frustrante, um jantar guardado quando chegava mais tarde, uma piada boba compartilhada. Percy estava sufocado. A saudade, com a falta da pessoa amada, deixava um vazio que pesava silencioso algumas vezes, mas que frequentemente doía agudo para lembrar que estava ali e que algo faltava. Continuou andando.

Hesitou apenas quando passou pela porta antes da do quarto de casal. Ela estava aberta e Percy estava fraco demais para se obrigar a não olhar. A cama pequena estava perfeita arrumada com lençóis coloridos estampados com ursinhos, os brinquedos ordenados na estante e em uma caixa transparente que estava tampada e tinha uma camada grossa de poeira devido a falta de uso.

Mas foi ao ver a manta branca que fez Percy cair de joelhos, chorando forte novamente, sem saber se era possível alguém ter tantas lágrimas dentro de si para sair, em dor infinita, incontrolável. Um choro alto, doloroso de quem estava quebrado, de um homem que estava perdido, sem nenhum controle, que estava sozinho, de um marido sem uma esposa.

De um pai sem um filho.

✓ HAVE YOU EVER SEEN THE RAIN?, PERCY JACKSONWhere stories live. Discover now