ANTES

215 30 11
                                    

- Eu quero ter um filho novamente

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

- Eu quero ter um filho novamente. Você quer tentar? - Nove palavras. Nove palavras congelaram todo o corpo de Percy como se ele tivesse visto um unicórnio dançando tango.

Tudo estava bem - era assim que ele enxergava, ao menos -, nos últimos seis meses sua esposa tinha lentamente voltado à rotina. Seu escritório de arquitetura voltou a aceitar projetos e ela estava ativamente em alguns deles, se mudaram para uma casa e saíram de vez daquele apartamento que continha muitas memórias dolorosas; estavam recomeçando, mesmo que não tenham tido uma conversa que não seja superficial em quase dois anos, mesmo que sua relação com Annabeth parecia-se mais com uma relação de amigos distantes que um casamento. Ele sentia falta de conversar com ela, uma conversa de verdade; mas toda noite, quando ambos estavam em frente à televisão sentados no sofá em silêncio, Percy abria a boca e... Nada.

Ele se lembrava de como, no começo de tudo, tinha noites que os dois passavam acordados apenas conversando, entendendo os sentimentos um do outro, os anseios e expectativas; hoje isso era apenas um sonho distante, quase se perguntava se essas noites não eram fruto da sua mente.

Nunca parado para pensar se queria ter filhos depois de tudo, não pensou que esse assunto voltaria a eles tão cedo. Percy não soube o que responder, apenas ficou parado em frente a sua esposa, chocado e com seus pensamentos a quilômetros por horas sem controle nenhum.

Annabeth estava pronta para engravidar? Ela poderia engravidar? O que aconteceria se não desse certo novamente? Ele mesmo estava pronto?

Não poderia, de forma nenhuma, fazer isso só por ela, mas como ele diria não depois de tudo? Como ele negaria a única coisa que fez a esperança voltar a brilhar seus olhos tão cinzas e tão bonitos? Ele não era capaz disso, mas como diria sim, quando sob qualquer vontade estava as inseguranças e incertezas?

Engoliu em seco e viu a expressão de Annabeth cair, lágrimas enchendo seus olhos enquanto ela entendia o que passava em sua cabeça, conhecendo-o tão bem quanto ele a conhecia. Ele não precisou falar para que ela soubesse a resposta.

Percy não queria sentir aquela dor novamente, não queria que Annabeth passasse por aquela dor novamente e ele sabia que era possível, que as chances eram altas até. Como poderia arriscar-se assim? Quase não tinha sobrevivido a perda de Bernardo, teve que sair daquele apartamento para tentar seguir em frente de verdade, guardando aquele ursinho de pelúcia no fundo do guarda-roupa, em um baú escondido e longe dos olhos do casa; aquele ursinho que a única coisa restante de Bernardo já que todo o resto ou foi para o lixo ou doado. Percy não conseguia lidar com a porra de um ursinho de pelúcia, ele não queria lidar. Ele não queria superar, se fosse honesto consigo mesmo, superar era esquecer e como ele teria a audácia de esquecer seu filho? Como ele teria a audácia de seguir em frente quando seu filho estava em um caixão? Um caixão tão pequeno que Percy ficou horrorizado ao saber que existiam.

Os menores caixões são os mais difíceis de carregar.

Apesar de dizer que o entendia, Annabeth se trancou no banheiro por horas e mesmo que fingisse que não, Percy tinha escutado os soluços de sua esposa pela porta.

Nas semanas seguintes, a situação entre eles piorou, pelo menos ele achava que sim. Se antes ao menos falavam sobre banalidades, hoje estavam em um tratamento de silêncio; chegavam em casa e cada um ia para o seu lado, como dois colegas de quarto que mal suportavam ficarem no mesmo cômodo e isso doía. Percy sabia que não era a intenção dela, mas ele se sentia culpado, como se toda a infelicidade fosse culpa dele.

Não seria difícil dizer sim; a palavra estava na ponta de sua língua e todos os dias ele lutava para não gritar, concordar com tudo que Annabeth lhe pedisse e fazer tudo ficar melhor, a ilusão de um melhor. Seria assim tão ruim engravidar novamente? Todo o risco valia a pena? Toda a dor de perder mais um filho valia a pena a tentativa?

Percy se perguntava isso todos os dias e no início a resposta era fácil ao olhar sua esposa ainda tão machucada pela morte daquilo que lhe mais era querido, mas ao ver que eles estavam afundando cada vez mais, ele sabia que o que estavam fazendo não era vida e então, talvez, a resposta certa não era aquela. Talvez o amor valesse a pena o risco da dor.

Ainda assim, ele hesitou. Faltava-lhe coragem para tomar aquele passo gigante e ousado de esperança.

Esperança, aquela coisinha simples mas tão dolorosa; que fazia Percy acreditar que mesmo depois de tanto sofrimento, algo poderia dar certo, que no final, ele seria feliz. Mas ele também sabia que não era assim que a vida real funcionava, que o destino não via moral, não via bom ou ruim, ele apenas acontecia e Percy teria que lidar com o que viesse em seu caminho, a esperança de Percy estava no saber que não importasse quão ruim o destino fosse, ele não enfrentaria nada sozinho pois Annabeth estava consigo, enfrentando lado a lado todas os obstáculos e Percy também estaria lá por ela, porque eles eram uma família, porque ele a amava mais que tudo. Porque ela era sua companheira.

Então ele disse sim.

✓ HAVE YOU EVER SEEN THE RAIN?, PERCY JACKSONWhere stories live. Discover now