Capítulo 1

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P.O.V. Christopher

Última saca do dia recolhida, agora é só carregar o caminhão. Ser lavrador numa vinícola não deve ser o sonho de ninguém, mas é a realidade de muitas pessoas pobres no Uruguai, uma chance de ganhar salário honesto se você não pode cursar ensino superior. Bem, eu mesmo não posso reclamar, é um trabalho braçal pesado sob o sol, mas não é de todo mal. Quando se é órfão desde os sete anos, você aprende a dar valor em coisas minúsculas, geralmente despercebidas por outras pessoas, como a chuva e uma boa safra de uvas para colher. Em troca, consegui juntar dinheiro para uma pequena casinha nas proximidades da fazenda, simples mas minha.

Não pense também que porque sou lavrador sou um chucro, pelo contrário. Quando terminei a escola, até fiz um curso técnico, e graças a Marcel, meu melhor amigo, tenho aprendido algo sobre administração. O garoto pode ter só 20 anos e ser um tanto franzino para o trabalho aqui, mas tem um cérebro genial e faz faculdade por correspondência, o que resulta em palestras particulares sobre seus conhecimentos enquanto trabalhamos pela vinícola. Tenho pena de alguém tão esperto não poder ter maiores oportunidades nessa vida, mas o pai dele era viciado em jogo e a família perdeu tudo, ele e a mãe tiveram que se mudar para o interior há cinco anos e ele acabou conseguindo um lugar aqui.

A senhora Ruiz, sua mãe, faleceu ano passado com minha promessa de que cuidaria de Marcel, o que tenho conseguido cumprir até então, ele é um bom garoto. Me ensinou a jogar xadrez e um pouco de inglês, eu o ensinei como não machucar as mãos na colheita e a beber cerveja, não sei se é uma troca de conhecimentos muito justa, mas de alguma forma nossas personalidades estranhas e deslocadas se completam numa boa amizade.

Chego em casa quando está anoitecendo, é bom tomar um banho depois desses longos dias na vinícola, hoje todos nós trabalhadores vamos a um bar na cidade para comemorar mais uma colheita de sucesso e o dinheiro extra que recebemos do patrão. Convenci Marcel a ir também, esse garoto precisa sair um pouco mais, quem sabe não conhece uma garota essa noite, bem quem sabe eu também. Chegamos ao La Cucaracha, o bar de costume do pessoal da vinícola, comemos petiscos e bebemos cervejas. Marcel me disse que viu uma garota bonita e o incentivei a falar com ela:

Christopher: Te encontro no fim da rua principal meia noite pra te dar carona. Isso é, se você for para casa hoje a noite. - Dou uma cotovelada nele de leve e pisco.

Marcel: Ah, que é isso Chris! - ele fica vermelho. - Te vejo lá embaixo meia noite.

Quando ele sai do bar me ponho a pensar nos meus planos para o futuro: Marcel acabará seu curso em dois anos e provavelmente vai arrumar outro emprego, um que não envolva ficar debaixo do sol colhendo uvas numa fazenda. E quanto a mim? O que vou fazer em alguns anos? Digo, esse emprego na vinícola era algo temporário para juntar grana, mas já estou aqui há 10 anos. Qual era meu objetivo na vida? De alguma forma sentia estar próximo de descobrir, como se uma mudança estivesse por vir.

Meus pensamentos ficam voando pelos meus 25 anos por algum tempo, depois me despeço de meus companheiros de trabalho e vou para o local combinado encontrar Marcel para levá-lo até sua casa. Entro no carro, dou a partida em direção ao destino combinado com meu amigo. Quando estou chegando noto uma agitação na rua:

XXX: Solte-o, Freddy! - era uma briga, dois caras rolavam pelo chão, um grande e fortão, que deve ser o tal Freddy, e o outro era...Marcel?

Christopher: Ei, solte-o! - desço rapidamente do carro e parto em direção ao cara, que continua a socar meu amigo violentamente.

Marcel está quase inconsciente, o rosto todo machucado e cheio de sangue, acho que nunca brigou nessa vida, e o cara era grande até pra mim. Lembro da promessa que fiz a senhora Ruiz, sem pensar em mais nada vou pra cima de Freddy, nós começamos a rolar pelo chão até que a rua se acabe e paremos na terra.

Freddy é bom de briga e me faz apanhar um pouco, mas também não fico para trás. Uma chuva começa a cair, a terra se transforma em lama embaixo de nós. Tudo acontece rápido demais, ele saca uma arma e vai atirar para matar, dou uma rasteira no cara, ele escorrega e acaba dando um tiro na própria perna, tropeça com a dor, batendo a cabeça e rolando morro abaixo. Meu Deus, ele estava morto.

Nem posso ficar em estado de choque, um estalo me lembra de Marcel, volto correndo até a rua o mais rápido que posso, provavelmente vou estar dolorido e com um olho roxo amanhã, mas agora preciso ajudá-lo. Ele está inconsciente, a garota que gritava quando cheguei tentava acordá-lo em vão.

XXX: Temos que levá-lo ao hospital, está muito machucado!

Ucker: Tem razão. - Não há tempo para fazer perguntas agora, temos que ajustar Marcel.

Colocamos Marcel na minha caminhonete e vamos ao hospital mais próximo, meu amigo é atendido na emergência, está muito ferido e tomou diversas pancadas na cabeça. Quando o médico volta à recepção, estou nervoso:

Médico: Infelizmente não tenho boas notícias. O senhor Ruiz teve diversos traumas na cabeça e está em coma.

Christopher: O QUE?

Médico: Marcel teve muitos ferimentos, duas costelas e pulso fraturados, pulmão perfurado e sangramento interno, já é um milagre sair vivo. Mas não acordará desse coma tão cedo.

Depois do baque da notícia, pergunto a garota o que aconteceu, seu nome era Lisa:

Lisa: Freddy era meu namorado, mas se mostrou um cara possessivo, violento e problemático, então terminei com ele há meses, mas Freddy nunca aceitou o fim. Quando me viu com Marcel, ele surtou e foi pra cima dele, não pude evitar embora, foi rápido demais.

Christopher: Eu entendo, Lisa. Não havia muito o que você pudesse fazer, o cara estava armado.

Lisa: Você corre perigo, Christopher.

Christopher: O que quer dizer?

Lisa: Freddy tem um irmão chamado Javier, o cara é um membro perigoso de gangue. Essa cidade é pequena, logo Javier vai saber e vai atrás de você para se vingar.

Christopher: Mas foi um acidente, não tive culpa!

Lisa: Acha que um bandido vai querer saber disso? Tem que fugir, Christopher!

Christopher: Mas e quanto ao Marcel?

Lisa: Prometo tomar conta dele, você tem que ir agora!

Lisa tinha razão, já tinha ouvido falar da gangue de Javier, eram violentos e matavam sem piedade. Mesmo sem querer deixar Marcel para trás, tinha que pensar que não poderia fazer muito por ele se estivesse morto. Não posso voltar para casa, com certeza já estão a caminho de lá. Só tenho meus documentos, um pouco de dinheiro, uma roupa limpa no carro e o cartão. Se for até a saída da cidade de carro ou a rodoviária, também podem me pegar. Pense, Christopher! Dirijo até um certo ponto, tomo um ônibus e depois um táxi. Ao passar perto do porto, um estalo. Mando o taxista parar.

Olho para o porto: há alguns barcos parados, mas um me chama atenção - é um enorme cruzeiro turístico, desses que passam por vários países antes do porto final. Talvez fosse minha melhor chance. Aproveitei a distração de passageiros entrando e me esgueirei até o bagageiro. Não sei para onde vai, mas é para onde estou indo também.

Menos de uma hora depois, ouço o barulho dos motores, o barco começa a se mover. Quando tenho certeza de que estou em alto mar, deito em meio às malas e durmo, exausto. Quando acordo, meu relógio diz que são oito da manhã, estou morrendo de fome e preciso mijar. Minha única solução é sair do esconderijo para tentar arranjar comida em algum lugar.

O navio era muito maior do que parecia, ando pelos corredores totalmente perdido, nem ao menos sei o que estou procurando. O cheiro inebriante da comida invade minhas narinas, fazendo meu estômago roncar. Olho pela janela redonda, é a cozinha deste hotel cinco estrelas em forma de barco. Sinto uma mão pesada em meu ombro:

NNN: Procurando por algo, meu jovem?

Ser o ParecerHikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin