Old bread and snus

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A neve pintava o centro de Ski de branco. O país cinzento ficava ainda mais cinzento em fevereiro, no ápice de seu inverno. As manhãs ficavam escuras e a depressão sazonal tomava conta das mentes inquietas.

A Escandinávia parece ser um sonho para quem quer deixar para trás a vida turbulenta dos países menos abastados. Uma ótima economia, educação, baixo índice de criminalidade e uma alta taxa de suicídio. Tudo vai muito bem, até que não vá. Até que a quietude lhe traga vazio e você sinta falta da bagunça. É como todos se sentem em algum momento.

Per odeia a Escandinávia. Assim como todos odeiam o lugar que nasceram e desejam viver algo diferente. Quando deixou a Suécia, já não esperava muito da Noruega, só não imaginava que as coisas se tornariam tão difíceis.

Seu pai pedia notícias e fazia inúmeras perguntas em suas cartas, nunca foi fã da ideia de ver Pelle tão longe. O loiro respondia que estava tudo bem, falava sobre o futuro da banda com um falso otimismo, torcendo para que a próxima carta a receber de seu pai não fosse um "Vou te visitar mês que vem", para verificar se seu filho estava falando a verdade.

Sequer fazia um ano que havia se juntado ao Mayhem, e a vontade de pegar o trem de volta para a Suécia lhe corrói. Não queria voltar com o rabo entre as pernas, não queria ouvir um "Eu te avisei", era orgulhoso demais pra isso. Quando deixou sua antiga banda, Morbid, para trás e arrumou um trabalho em uma gráfica, seu pai achou que finalmente seu primogênito estava começando a entrar nos trilhos, mas todo o dinheiro que ganhava ia para discos, camisas de banda e para a caixa escondida em seu armário, onde garantia sua passagem para a Noruega. Um dia Pelle apareceu em casa um LP intitulado Deathcrush, da banda norueguesa Mayhem.

"Eles me querem na banda, estou partindo no próximo mês" Disse o loiro com convicção. Seu irmão Anders olhava para a capa bizarra do álbum boquiaberto, assim como seu pai e sua madrasta. Já sabiam que Pelle já esteve em outra banda, que o próprio fundou, mas não haviam conseguido muito proveito; uma fita demo gravada e não mais que três shows. A ideia de que Pelle estaria em uma banda que já tinha um disco lançado, acalmava um pouco seu pai, mas ainda existia uma pulga atrás da orelha ao imaginar seu filho tão longe de casa.

Estar no Mayhem não era tão diferente quanto estar no Morbid; ensaios que não levavam a lugar algum, ideias que nunca eram colocadas em prática, uma agenda vazia e nenhum tostão no bolso. A gravadora de Øystein garantia algum dinheiro extra, que os mantinham confortáveis durante algumas semanas, até que o dinheiro acabasse, a comida se tornasse cada vez mais escassa e tivessem que recorrer a métodos alternativos de conseguir comida.

- Nós não podemos fazer isso amanhã? Eu nem tô com tanta fome. - Diz Per entediado. O loiro, juntamente com Aarseth faziam vigília atrás de uma loja de convencia. Acordaram cedo, para esperar a van que trazia os mantimentos que reabasteceriam as prateleiras, torcendo para que pudessem ter um café da manhã para aquele dia e quem sabe para os próximos.

- Como assim não 'tá com tanta fome'? - Øystein encarava o beco ao lado da loja, se escondendo atrás de uma caçamba de lixo, enquanto o loiro parecia despreocupado, encostado no muro de tijolos envelhecidos, encarando as cutículas ao redor de suas unhas, antes de prende-las entre os dentes e cuspi-las ao chão. - A comida acabou faz mais de dois dias.

- Eu comi hoje.

- Como assim você comeu hoje?

Per deu de ombros e o moreno o encarou com um olhar questionador.

- Comendo ué.

- Você estava escondendo comida todo esse tempo? - O menor se levanta com os braços cruzados e o cenho franzido, enquanto Pelle continua despreocupado, prestando atenção nas unhas que roía. - Ontem eu mastiguei gelo na janta. Gelo!

- Eu comi o pão que estava no armário.

- Tem pão no armário?

- Tinha pão no armário.

- E você comeu tudo, seu guloso do caralho.

- Só tinha uma fatia, o que queria que eu fizesse?

Øystein fecha os olhos, massageando as têmporas. Não teve tempo de gritar com o loiro pois ouviu o som do motor da Van entrando no beco que estavam. Abaixou-se rapidamente, puxando Per pelo braço e ambos se esconderam atrás da caçamba.

O motorista desce da Van e da a volta no veículo para checar a mercadoria, enquanto os outros dois esperavam apenas um momento de falta de atenção, que o homem entrasse na loja e deixasse a van finalmente sozinha.

Black Magic Woman (Pelle Ohlin)Onde histórias criam vida. Descubra agora