IV

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Latet anguis

O passeio da baronesa durou pouco mais de meia hora. O sol começava a aquecer, e apesar de ser bastante sombreada a chácara, o calor aconselhava à boa senhora que se recolhesse.

Guiomar deu-lhe o braço, e ambas, seguindo pelo mesmo caminho, guiaram para casa.

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Parece muito tarde, Guiomar, disse a baronesa ao cabo de alguns segundos.

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E é, madrinha. Demorei-me hoje mais do que costumo, por causa de um encontro que tive aqui na chácara.

- Um encontro?

- Um homem.

- Algum ladrão? perguntou a madrinha parando.

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Não, senhora, respondeu Guiomar sorrindo, não era ladrão. A minha mestra de colégio... sabe que morreu?

- Quem disse isso?

- O sobrinho, o tal sujeito que encontrei aqui hoje.

- Você está zombando comigo! Um homem na chácara?

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Não era bem na chácara, mas no jardim do Dr. Luís Alves. Estava encostado à cerca; trocamos algumas palavras.

A baronesa olhou para ela alguns segundos.

- Mas, menina, isso não é bonito. Que diriam se os vissem?... Eu não diria nada, porque conheço o que você vale, e sei a discrição que Deus lhe deu. - Mas as aparências... Que qualidade de homem é esse sobrinho?

Interrompeu-as uma mulher de quarenta e quatro a quarenta e cinco anos, alta e magra, cabelo entre louro e branco, olhos azuis, asseadamente vestida, a Sra. Oswald, - ou mais britanicamente, Mrs. Oswald, - dama de companhia da baronesa, desde alguns anos. Mrs. Oswald conhecera a baronesa em 1846; viúva e sem família, aceitou as propostas que esta lhe fez. Era mulher inteligente e sagaz, dotada de boa índole e serviçal. Antes da ida de Guiomar para a companhia da madrinha, era Mrs. Oswald a alma da casa; a presença de Guiomar, que a baronesa amava extremosamente, alterou um pouco a situação.

- São nove horas! disse de longe a inglesa; pensei que hoje não queriam voltar para casa.

O calor está forte; e a senhora baronesa sabe que não é conveniente expor-se aos ardores do sol, sobretudo neste tempo de epidemias.

- Tem razão, Mrs. Oswald; mas Guiomar tardou hoje tanto em ir buscar-me, que o passeio começou tarde.

- Por que me não mandou chamar?

- Estava talvez a dormir, ou entretida com o seu Walter Scott...

- Milton, emendou gravemente a inglesa; esta manhã foi dedicada a Milton. Que imenso poeta, D. Guiomar!

- Tamanho como este calor, observou Guiomar sorrindo. Apertemos o passo e lá dentro a ouviremos com melhor disposição.

Foram as três andando, subiram a escada e entraram na sala de jantar, que era vasta, com seis janelas para a chácara. Dali seguiram para uma saleta, onde a baronesa sentou-se na sua poltrona, a esperar a hora do almoço. Guiomar saiu para ir cuidar da toilette; e a baronesa que desde alguns minutos estivera cabisbaixa e pensativa, olhou fixamente para Mrs.Oswald, sem dizer palavra. 

A Mão e a Luva (1874)Onde histórias criam vida. Descubra agora