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com mais reserva, não o fazia com sequidão nem frieza, nem deixava de ser polida e afável. A dignidade natural que havia em toda a sua pessoa servia-lhe, além disso, como de uma torre de marfim, onde ela se acastelava e mantinha em respeito o pretendente.

Dos dois homens que lhe queriam, nenhum lhe falava à alma; ela sentia que Estêvão pertencia à falange dos tíbios, Jorge à tribo dos incapazes, duas classes de homens que não tinham com ela nenhuma afinidade eletiva. Não igualava, decerto, os dois pretendentes; um era simplesmente trivial, outro sentimental apenas; mas nenhum deles capaz de criar por si só o seu destino. Se os não igualava, também os não via com os mesmos olhos; Jorge causava-lhe tédio, era um Diógenes de espécie nova; através da capa rota da sua importância, via-se-lhe palpitar a triste vulgaridade. Estêvão inspirava-lhe mais algum respeito; era uma alma ardente e frouxa, nascida para desejar, não para vencer, uma espécie de condor, capaz de fitar o sol, mas sem asas para voar até lá. O sentimento de Guiomar em relação a Estêvão não podia nunca chegar ao amor; tinha muito de superioridade e perdão.

Com outra índole, aspirações diferentes e vivida em diversa esfera, amá-lo-ia com certeza, do mesmo modo que ele a amava. Mas a natureza e a sociedade deram-se as mãos para a desviar dos gozos puramente íntimos. Pedia amor, mas não o quisera fruir na vida obscura; a maior das felicidades da Terra seria para ela o máximo dos infortúnios, se lha pusessem num ermo. Criança, iam-lhe os olhos com as sedas e as jóias das mulheres que via na chácara contígua ao pobre quintal de sua mãe; moça, iam-lhe do mesmo modo com o espetáculo brilhante das grandezas sociais. Ela queria um homem que, ao pé de um coração juvenil e capaz de amar, sentisse dentro em si a força bastante para subi-la aonde a vissem todos os olhos. Voluntariamente, só uma vez aceitara a obscuridade e a mediania; foi quando se propôs a seguir o ofício de ensinar; mas é preciso dizer que ela contava com a ternura da baronesa. 

A Mão e a Luva (1874)Where stories live. Discover now