18

11 2 0
                                    

vocês não nasceram um para outro; que, se ela te não amou naquele tempo, muito menos te amará hoje, e que enfim...

Luís Alves estacou.

- Enfim? perguntou Estêvão.

- Enfim pedes-me um sacrifício, concluiu rindo o advogado, porque também eu já a namorisquei... Não é preciso carregares o sobrolho; foi namoro de vizinho, tentativa que durou pouco mais de vinte e quatro horas. Com vergonha o digo, ela não me prestou uma migalha de atenção sequer, e eu voltei aos meus autos.

- Então... gostas dela? perguntou Estêvão.

- Acho-a bonita e nada mais. Aquilo foi um lançar barro à parede; se aceitasse, casava-me; não aceitou...

- Já vês que somos diferentes.

- Queres, então?...

- Um serviço de amigo.

- Bem, disse por fim Luís Alves, faça-se a tua vontade. A baronesa vai cuidar agora de um processo e mandou-me falar. Eu passo-te a prebenda; entrarás ali, como advogado, o que de alguma maneira me tira um peso da consciência.

Estêvão, que só pedia um pretexto, aceitou a oferta com ambas as mãos, e agradeceu-lha com tão expansiva ternura, que fez sorrir o outro.

A promessa cumpriu-se pontualmente. Luís Alves apresentou Estêvão à baronesa, na seguinte noite, como seu companheiro e amigo, como advogado capaz de zelar os interesses da ilustre cliente. A recepção foi geralmente boa, salvo por parte de Guiomar, que pareceu aborrecida de o ver naquela casa. Quando Estêvão a saudou, como quem a conhecia de longo tempo, ela mal pôde retribuir-lhe o cumprimento; em todo o resto da noite não lhe deu palavra.

Daquela parte o acolhimento não podia ser pior; mas Estêvão sentia-se feliz, desde que ia vê-la, respirar o mesmo ar, nada mais pedindo por ora, e deixando o resto à fortuna.

De todas as pessoas da casa da baronesa, a primeira que reparou na indiferença com que Guiomar tratava Estêvão, foi Mrs. Oswald. A sagaz inglesa afivelou a máscara mais impassível que trouxera das ilhas britânicas e não os perdeu de vista. Nem da primeira nem da segunda vez viu nada mais que os olhos dele, que solicitavam os dela, e os dela que pareciam surdos. Havia decerto uma paixão, solitária e desatendida.

- Sabe que descobri um namorado seu? perguntou ela alguns dias depois a Guiomar.

Guiomar fez um gesto de estranheza.

- Entendamo-nos, observou a inglesa; não digo que a senhora o namore também; digo que é ele quem anda apaixonado. Não adivinha?

- Talvez.

- O Dr. Estêvão.

Guiomar fez um gesto de desdém.

- Vejo que tinha adivinhado, disse Mrs. Oswald; também não era difícil. Quem tem alguma prática destas coisas fareja uma paixão a cem léguas de distância, por mais que ela busque recatar-se dos olhos estranhos. Os namorados geralmente supõem que ninguém os vê; é uma lástima. Olhe, da senhora posso eu jurar que não está namorada de pessoa nenhuma.

- Que sabe disso? perguntou Guiomar deitando os olhos para o espelho de seu guarda-vestidos. Pois estou, mas de mim mesma.

Mrs. Oswald desatou a rir, de um riso grave e pausado. Ela sabia que a moça tinha orgulho de suas graças; era bom caminho afagar-lhe o sentimento. Disse-lhe muita coisa bonita, que não vem para aqui, e concluiu pondo-lhe as mãos nos ombros, encarando-a fito a fito, e enfim rompendo nestas palavras, meias suspiradas: 

A Mão e a Luva (1874)Onde histórias criam vida. Descubra agora