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erguera-se tarde; a manhã estava chuvosa e a madrinha não deu o seu passeio. A moça foi beijar-lhe a mão e a face, como costumava, e receber dela o ósculo materno. O rosto parecia cansado mas um véu de afetada alegria disfarçava-lhe a expressão natural, à semelhança das posturas de toucador, de maneira que a baronesa, pouco ledora de fisionomias, não discerniu naquela a verdade da impostura. Impostura, digo eu, devendo entender-se que é honesta e reta, porque a intenção da moça não era mais do que não amargurar a madrinha, e tirar-lhe motivo a qualquer aflição antecipada.

- Dormiu bem a minha rainha de Inglaterra? perguntou Mrs. Oswald, pondo-lhe familiarmente as mãos nos ombros.

- A sua rainha de Inglaterra não tem coroa, respondeu Guiomar com um sorriso contrafeito.

Pela volta do meio-dia, recebeu a baronesa uma carta de Luís Alves. Abriu-a e leu-a. O

advogado pedia-lhe a mão de Guiomar. Poucas linhas, corteses, símplices, naturais, feitas por quem parecia senhor da situação.

- Mrs, Oswald, disse a baronesa à sua dama de companhia que se achava na mesma sala, leia isto.

A inglesa obedeceu.

- Isto não quer dizer nada, observou ela depois de alguns instantes. É um pretendente mais; devemos crer, porém, que são muitos, e que se os outros não lhe escrevem cartas destas, é porque são menos afoitos. A senhora baronesa pensa que os olhos de sua afilhada são inocentes?

continuou a inglesa sorrindo. Eu cuido que devem estar carregados de crimes, e que há mortos...

- Mas não vê, Mrs. Oswald, interrompeu a baronesa, que esse homem parece estar autorizado?

Mrs. Oswald calou-se como quem refletia. Logo depois expôs uma série de argumentos e considerações, se não graves em substância, pelo menos nas roupas com que ela os vestia, umas roupas seriamente britânicas, como as não talharia melhor a melhor tesoura da Câmara dos Comuns, Toda ela dava ares de um argumento vivo e sem réplica. Havia em seus cabelos, entre louro e branco, toda a rigidez de um silogismo; cada narina parecia uma ponta de um dilema. A conclusão de tudo é que nada estava perdido, e que a felicidade de Jorge era coisa não só possível, mas até provável, uma vez que a baronesa mostrasse - era o essencial - certa resolução de ânimo muito útil e até indispensável naquela ocasião. Mrs. Oswald oferecia-se parair chamar a moça imediatamente.

- Pois vá, vá, disse a baronesa.

A inglesa saiu dali e foi ter com Guiomar. Quando a viu de longe compôs um sorriso, e Guiomar, vendo-a sorrir, sentiu como que um movimento interno de repulsa.

- Venho buscá-la, disse Mrs. Oswald, para uma coisa que a senhora está longe de imaginar.

Guiomar interrogou-a com os olhos.

- Para casar!

- Casar! exclamou Guiomar sem compreender a intenção da mensageira.

- Nada menos, respondeu esta. Admira-se, não? Também eu; e sua madrinha igualmente.

Mas há quem tenha o mau gosto de apaixonar-se por seus belos olhos, e a afronta de a vir pedir, como se se pedissem as estrelas do céu...

Guiomar compreendeu de que se tratava. Olhou desdenhosamente para a inglesa, e disse em tom seco e breve:

- Mas, conclua, Mrs. Oswald.

- A senhora baronesa manda chamá-la.

Guiomar dispôs-se a ir ter com a madrinha; Mrs. Oswald fê-la parar um instante, e com a 

A Mão e a Luva (1874)Onde histórias criam vida. Descubra agora