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- Minha! interrompeu a outra um pouco mais rispidamente do que costumava falar.

Guiomar tinha ido sentar-se; o pezinho impaciente batia no tapete, com um movimento rápido e regular; cruzara os braços sobre o peito, fitando a inglesa com uns olhos em que se podia ler a viva exacerbação do espírito. Seguiu-se curto silêncio; Mrs. Oswald puxou outra cadeira e sentou-se perto da moça.

- Por que há de ser injusta comigo? disse ela dando à voz um tom melífluo e suplicante; por que não há de ver as coisas, como elas naturalmente são? O que há nisto é uma coincidência curiosa, mas nada mais. Se lhe falei em semelhante coisa algumas vezes, foi porque eu mesma percebi o amor que lhe tem o Sr. Jorge; é coisa que todos vêem.

Imaginei que o casamento, neste caso, seria agradável à senhora baronesa a quem sou grata. Posso ter feito mal...

- Muito mal, interrompeu Guiomar; são coisas de família em que a senhora nada tem que ver.

Guiomar levantou-se outra vez, deu alguns passos, e voltou a sentar-se. Com o movimento desprenderam-se-lhe os cabelos e caíram-lhe sobre os ombros. Mrs. Oswald aproximou-se dela para os colher, e atar, mas a moça secamente a repeliu:

- Deixe, deixe...

E ela mesma os recompôs com as suas mãozinhas finas, e ficou depois a olhar para o chão, a morder o lábio, a respirar fortemente, como se contivera a palavra que forcejava por sair impetuosa e colérica. Mrs. Oswald não disse nada durante alguns minutos; esperou que passasse o período agudo da irritação. Quando lhe pareceu que ela afrouxava, rompeu enfim o silêncio.

- Fiz mal, fiz não há dúvida, mas a intenção não podia ser melhor. Talvez não me creia; paciência! O que lhe peço, - nem lhe peço, - o que eu acredito piamente é que não me há de atribuir algum interesse de ordem...

Mrs. Oswald fez uma pausa para dar aberta ao protesto de Guiomar, mas Guiomar não protestou, quero dizer não protestou de viva voz; fez apenas um gesto negativo, bastante a satisfazer os melindres da inglesa. A moça foi sincera; não atribuía realmente a nenhum interesse vil - pecuniário - a ação de Mrs. Oswald. Nem por isso a absolvia - não só porque ela viria concorrer talvez para uma crise penosa, mas também - bom é notá-lo outra vez - porque a condição da inglesa naquela casa era relativamente inferior.

A inglesa continuou a falar em defesa própria, a justificar miudamente os bons sentimentos do coração, e a prometer que deixava por mão todo aquele negócio, a seu juízo, o melhor que a moça podia fazer.

- A experiência da vida, concluiu ela, devia ter-me convencido de que o melhor de todos os sentimentos é um egoísmo quieto e calado.

Enquanto ela falava assim, Guiomar parecia volver à tranqüilidade habitual. A mudança foi - não súbita - mas um pouco mais rápida do que devera ser, tratando-se de um espírito, como o dela, em que as impressões não eram superficiais nem momentâneas.

Havia até uns toques de afabilidade no rosto e na voz, quando ela começou a falar, o que revelaria talvez ser aquela mudança muito voluntária e meditada.

- Está bom, Mrs. Oswald, o que passou, passou. Sinto que as coisas chegassem a este ponto, e que ele se lembrasse de escrever semelhante carta, confessando uma paixão que acredito sincera, mas a que o meu coração não pode corresponder. Amores não se encomendam como vestidos; sobretudo não se fingem, ou não se devem fingir nunca.

- Oh! decerto!

- Eu gosto dele, como parente que é de minha madrinha, e também porque ela lhe tem afeição de mãe, como a mim; somos uma espécie de irmãos, nada mais.

- Tem muita razão, assentiu Mrs. Oswald. A senhora pensa e fala como um doutor. Que se 

A Mão e a Luva (1874)Where stories live. Discover now