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menos de si própria. A baronesa também tinha os seus sonhos, como ela mesma disse, e esses eram deixar felizes aquelas duas crianças. Jorge pela sua parte estava disposto a estender o colo ao sacrifício; e, bem examinadas as coisas, talvez amasse sinceramente a moça. A diferença entre ele e Estêvão é que o seu amor era tão medido como os seus gestos, e tão superficial como as suas outras impressões.

Do que aí fica dito, facilmente compreenderá o leitor que, dos dois namorados, só um percebeu logo o sentimento do outro. A alma de Estêvão andava-lhe nos olhos, enchendo-os de maneira que ele não podia ver nada mais além de Guiomar.

Ao cabo de duas semanas, a situação de Estêvão podia dizer-se menos má; na opinião dele era excelente. A baronesa soube quem ele era; Guiomar contara-lhe tudo; mas a inglesa, não menos que a observação própria, lhe mostrou que nenhum perigo corria Guiomar, e excluído o perigo, restavam as boas qualidades do bacharel, que de todo lhe caiu em graça. Mrs. Oswald navegou nas mesmas águas mansas. O próprio Jorge, naturalmente porque confiava em si, não temeu do rival, e pouco tardou que lhe abrisse os cancelos da sua gravidade. Que admira, pois, que a mesma Guiomar afrouxasse um pouco da primeira rigidez?

Aquele bom rapaz tinha a salutar crendice da esperança, em que muita vez se resumem todas as bênçãos da vida. Pedia muito, como alma sequiosa que era, mas bem pouco bastava a contentá-lo. A imaginação multiplicava os zeros; com um grão de areia construiria um mundo. A afabilidade de uns e a cortesia de outros, tanto bastou para que ele se julgasse quase no termo de suas aspirações; e posto não lhe desse Guiomar uma só das animações de outro tempo - que aliás tão frágeis eram, ainda assim acreditou ele piamente que o amor nascia, ou renascia, naquele rebelde coração.

Guiomar, no meio das afeições que a cercavam, sabia manter-se superior às esperanças de uns e às suspeitas de outros. Igualmente cortês, mas igualmente impassível para todos, movia os olhos com a serenidade da isenção, não namorados, nem sequer namoradores. Ela teria, se quisesse, a arte de Armida; saberia refrear ou aguilhoar os corações, conforme eles fossem impacientes ou tíbios; faltava-lhe porém o gosto - ou melhor, sobrava-lhe o sentimento do que ela achava que era a sua dignidade pessoal. 

A Mão e a Luva (1874)Where stories live. Discover now