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primeiro passo do homem público estava dado; ele ia entrar em cheio na estrada que leva os fortes à glória. Em torno dele ia fazer-se aquela luz, que era a ambição da moça, a atmosfera que ela almejava respirar. Estêvão dera-lhe a vida sentimental, - Jorge a vida vegetativa; em Luís Alves via ela combinadas as afeições domésticas com o ruído exterior.

Uma vez entendidos, é difícil que dois corações se encubram, pelo menos aos olhos mais sagazes. Os de Mrs. Oswald eram dos mais finos. A inglesa percebeu dentro de pouco tempo que entre eles havia alguma coisa. Interrogar a moça era inútil, sobre perigoso; seria ir, de coração leve, em busca de ódio, talvez. Todavia se ainda fosse possível salvar tudo? Guiomar resistiria dificilmente a um desejo da madrinha; era possível vencê-la por esse lado.

Mrs. Oswald concebeu então um projeto insensato, que lhe pareceu aliás excelente e de bom aviso. O desejo de servir a baronesa e levar uma idéia ao fim tapou-lhe os olhos da razão.

Ela foi diretamente a Jorge.

- Sabe o que me está parecendo? disse ela. Parece-me que há mouro na costa.

- Mouro na costa! exclamou Jorge com uma tal expressão de desgosto, que era fácil compreender o fundo de suspeita já existente em seu espírito.

-Nada menos, disse a inglesa; mas um mouro que se pode capturar.

E a inglesa expôs um plano completo que o sobrinho da baronesa ouviu um tanto perplexo. O plano consistia em ir Jorge pedir a moça à baronesa, em presença dela própria.

A baronesa, que nutria o desejo de os ver casados, não deixaria de fazer pesar o seu voto na balança, e era muito difícil que a gratidão de Guiomar não decidisse em favor de Jorge.

- A gratidão... e o interesse, continuou ela. Devemos contar também com o interesse, que é um grande conselheiro íntimo. Ela não há de querer sacrificar a afeição da madrinha, que para ela vale...

- Oh! que triste lembrança! interrompeu Jorge, recuando diante da idéia de Mrs. Oswald.

A inglesa sorriu - e deixou por mão aquele argumento; firmou-se porém no da afeição.

Guiomar não se oporia a um desejo da madrinha; era urgente dar-lhe o golpe. Jorge não se atrevia a surpreender por esse meio a aquiescência da moça; mas acreditava na eficácia dele, e sobretudo receava perder a causa. Uma vez que a vencesse, tudo podia confiar do tempo e do seu amor.

O conselho foi seguido pontualmente. De noite, em presença da baronesa à hora da despedida - porque ele hesitara a maior parte do tempo - praticou Jorge aquele ato insensato de declarar à moça que a amava e de lhe pedir a mão. A tia sorriu de contentamento, mas teve a prudência de não proferir nada enquanto Guiomar, empalidecendo, nada dizia, porque nada achava que dizer.

O silêncio durou cerca de três ou quatro minutos, um silêncio acanhado e vexado, em que nenhum deles se atrevia a reatar a conversação. A baronesa, pela sua parte, imaginava que os dois estavam enfim entendidos, e que a declaração era autorizada pela moça.

O enleio de Guiomar não era dos que pudessem dar cabimento a esta suposição; mas a boa senhora via com os olhos dos seus bons desejos.

- Pela minha parte, declarou enfim a baronesa, não me oponho; estimaria muito que acabassem por aí. Mas é negócio do coração; devo esperar a resposta de Guiomar.

E voltando-se para a afilhada:

- Pensa e resolve, minha filha, disse ela; e se fores feliz, sê-lo-ei ainda mais do que tu.

Duas vezes pairou a negativa nos lábios da moça; mas a língua não se atrevia a repetir a palavra do coração. No fim de alguns instantes:

- Refletirei, respondeu ela beijando a mão à madrinha; e continuou voltando-se para Jorge: - Boa noite! Até amanhã. 

A Mão e a Luva (1874)Onde histórias criam vida. Descubra agora