- Chapitre deux -

202 61 487
                                    

Ameaças.

Sempre há uma batendo em minha porta, saindo da boca daquele velho sem noção. O mais incrível era vê-lo sendo errado e achando estar certo.

Ele perdeu os trilhos com a morte da esposa. O amor muda muita coisa, mas no caso dele a vida mudou para pior. Além da perda, havia bebidas e drogas envolvidas, o que piorava a situação do velho.

Senti pena dele.

Barba mal feita, cheiro de cachaça, olhos vermelhos, roupas que um dia foram bonitas e limpas e uma voz de quem não aguenta mais gritar.

Era uma situação deplorável.

Lido com isso já tem anos.

Lido com assassinos dizendo que a culpa era de sua insanidade. Lido com estupradores dizendo que a culpa era da vítima. Lido com agressores dizendo que a culpa era do álcool. Eu lido com tantos tipos de pessoas que nada me surpreende.

- Não importa se você a respeita! Eu quero você longe dela quando ela sair, entendeu seu idiota? - não consigo reparar em nada além dos dentes completamente amarelos.

"Agora eu sou o idota. Quem está fazendo esse papel é senhor" penso ao invés de dizer. Diferente dele, eu fui educado de forma correta.

Não consigo acreditar, mesmo vendo, que alguém pode ser inconveniente a esse ponto. Ele vinha quase todos os dias vociferar as mesmas palavras rudes. Eu já estava tão irritado com isso, não sei como ainda mantinha a calma com esse ser de pessoa.

Hoje ele trouxe um facão, que estava apontado para o meu rosto. É nesses momentos em que sou grato pela insistência da minha mãe em pôr câmeras de segurança.

- Como aquela garota pôde se apaixonar por um rapaz como você? Só de pensar nisso eu fico nervoso! - ele gritou tanto, que as últimas palavras saíram fracas na voz rouca - Isso é pedofilia!

Permaneço calado, com o tronco encostado na porta, pés cruzados e mãos no bolso. As pessoas que passavam só viam um velho drogado discutindo com um jovem "como eu".

Eu confesso que o meu silêncio, de certa forma, era propositalmente desafiador. Quando você entende que é melhor ter paz do que razão, a sua postura muda completamente e isso irrita pessoas como ele.

Nunca tive relacionamento algum com a filha dele, ela era uma garota jovem menor de idade e eu sou um estagiário com 22 anos. Nunca me aproximei dela nem nunca a toquei, quem dirá beijá-la ou ter uma relação qualquer com a garota!

Sim, eu gostava dela, apenas dela. Não me apaixonei pelo corpo ou beleza. Não. Me apaixonei por Antonietta B. Vasconcelos. Mesmo sentindo isso por ela ou mesmo se for recíproco, não passaria dos limites e ceder o que sinto. Nunca, repito, nunca faria algo que ela não me permitisse mesmo que ela fosse de maior. Eu vou esperar o tempo que for para poder, pelo menos, abraçá-la.

A ponta do facão se aproxima de minha bochecha direita. Quando sinto o material gelado em minha pele, resolvo reagir e fechar a porta que nem devia ter aberto.

- Insolente! Um dia eu te mato - abaixa o tom e vira de costas, saindo como se nada tivesse acontecido.

Babaca

Fecho a porta e suspiro pesadamente. Eu concordo plenamente com a liberdade de expressão, mas isso que acabei de ver não tinha nada a ver com o tal.

Até onde a raiva nos leva?

Do jeito que os seus olhos me encararam com aversão, nada o impedia de me matar.

Quando o vejo agir daquela forma, sinto uma pena de Nitta. Ela não contava muito sobre sua relação com ele, então suspeitava de que eles não se davam muito bem.

Mil músicas para AntoniettaWhere stories live. Discover now