- Chapitre sept -

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02/10/2014

Aceitação.

O meu remédio que, de certa forma, é o meu vício, está indo embora. Devo aceitar isso, mas não consigo.

Leio e releio as mesmas palavras contidas no papel já amassado, de forma que já decorei cada frase.

Meus olhos estão inchados, lágrimas ameaçam cair deles e escorrerem mais uma vez pelo papel.

Seria estupidez minha? É estúpido estar assim e sentir tudo isso por conta de uma pessoa? A resposta é clara e óbvio para uns, nem tanta para outros.

Não é.

...

A aula era tediosa, o som inevitável do relógio me irritava. Estava inquieta, não conseguia resolver o dever que Lúcia - professora de matemática - havia passado há 13 minutos.

Observo o caderno em cima da mesa espaçosa o suficiente de madeira. Vejo as anotações e analiso minha letra, logo lembrando do elogio que recebia de Bernard por ter uma letra perfeita.

Sorrio, me animo e pego o lápis dentro do meu estojo de tom verde musgo. Começo a fazer os cálculos em minha mente e escrevo tudo na folha branca.

- Exatamente! - ouvi - Viu só? Você não é desprovida de inteligência, na verdade, você tem muito disso!

- Blasfémia, diz isso para me animar! - as vozes circulam em minha mente, tão reais como já foram.

O jeito que Bernard me tratava me fazia sentir tão especial. Ele me vía como uma flor delicada, com várias formas de ser decifrada. Me preseteava todo mês, dizendo que eu merecia mesmo não sendo meu aniversário. Cantava para mim toda vez que eu pedia, recitava poemas e escrevia alguns para mim. Me acolhia quando eu estava destruída e sorria quando eu estava feliz.

Sinto-me mal mais uma vez. Queria poder estar com ele para apoia-lo, assim como ele já fez.

Mas, agindo como se não fosse nada, tenho de aceitar essa vida mais uma vez, pois tenho fidúcia de que um dia serei recompensada por cada um dos vários sofrimentos que passei.

Não sei se foi por algum impulso, mas fecho o caderno com muita força e me levanto da cadeira. O barulho súbito atraiu olhares, uns preocupados e outros nervosos por terem se distraído.

- Aconteceu algo, senhorita? - a professora diz sem se mover da cadeira, me olhando um pouco assustada.

Não sei o que responder, não sei porquê fiz aquilo, simplesmente fiz.

Estou em pé quando olho para o caderno fechado e para as alunas em seguida. Senti uma raiva quando me lembrei de tudo que aconteceu a mim, tudo que aconteceu como se fosse uma profecia, como se sofrer todos os dias fosse uma maldição.

- Me desculpem, acabei me empolgando por ter terminado o dever que tanto demorei a começar - minto - Levantei para lhe entregar, mas fui muito indelicada.

Todos riem e isso me faz sentir um alívio.

- Ótimo, pode me entregar - gosto do jeito paciente de Lúcia, minha mãe era assim.

Vou até sua mesa e coloco o caderno azul em sua mão. Assim que dou meia volta para o sinal me interrompe.

Várias garotas passam por mim um pouco agitadas, a aula terminou.

...

Não sei o que me motivou a voltar aqui, na biblioteca. Talvez a insaciável curiosidade de saber quem era aquele rapaz.

O cheiro de folhas entra em meu pulmão e me faz tossir. Gosto de livros, mas esse cheiro encomoda minhas narinas.

Ando pelas prateleiras e finjo estar procurando por algo, afim de atrair aquele estranho novamente. Leio alguns títulos e nem um, realmente, me interessa. Passo os dedos pelas lombadas, folheio livros alheios, mas nenhuma presença é notada.

Meus lábios se curvam em desaprovação, queria revê-lo e conversar apropriadamente. Talvez ele esteja de folga ou em outro lugar, posso até voltar em outro dia.

Saio do cômodo e paro em frente a ele, virando meu corpo para dar uma última olhada esperançosa.

Nada.

Está bem, ele não está aqui, devo aceitar isso também.

Giro os pés ligeiramente, decidida a ficar em meu quarto pelo resto da tarde. Já socializei o bastante por hoje, minha cama postula pela minha presença.

Ando o meu caminho de sempre desde que intui que ele estaria lá, me esperando para ter uma conversa com um fim trancado, como um caminho interditado. Persisti nisso mesmo que deveria parar o quanto antes, já que não obtive a resposta que desejava, mas só de pensar em parar, minha mente fica inquieta. Não posso parar algo que preciso, não vejo justificativa para isso.

Assim que fecho a porta do meu quarto, os pensamentos param. Tenho sempre a mesma reação com isso; acho incrível que, lá fora, tudo parece bagunçado e sem rumo, barulhento e escuro, mas assim que fecho essa bendita porta, tudo se cala.

Os arrepios começam a parar e então me jogo na cama. Fecho os olhos e, por mais mentira que pareça, eu durmo.

...

Flores brancas percorriam meu corpo com suas raízes, seus espinhos se  arrastavam em minha pele, cortando-a profundamente e tingindo as flores de vermelho.

Não me movia ou sequer piscava, mas era possível ver uma lágrima escapar de um dos meus olhos.

Não sentia dor, apenas uma sensação agonizante. Queria gritar e pedir socorro, mas as belas flores me calavam com suas pétalas em minha boca e seus caules em minha garganta.

Escuto uma voz distante, ela clamava meu nome. Parecia desesperada, não sei o que dizia, mas sei a quem pertencia.

Era minha mãe, Amélia Bonato.

Seu rosto lindo e delicado surge em minha visão, as pontas de seus cachos negros esbarram em meu rosto. Vejo as sardas abaixo de seus olhos castanhos e um sorriso aliviado formando em seus lábios finos e secos.

Ela não diz uma palavra, não, isso não foi possível. Não aconteceu porquê segundos depois que a vi, ela caiu em cima de mim. Caiu enquanto seu sorriso se desfazia e sua cor desaparecesse de sua pele.

Foi desesperador, durou instantes.

E então eu acordei.

Não durou instantes, durou uma noite inteira e mais algumas horas.

Seguro minha coberta verde escuro com força. Estranhamente meus braços doem, lembrando-me dos machucados do meu pesadelo. Respiro lentamente e me deito novamente.

Não tenho condições de ir para aula; meu corpo todo dói e, além de dor, meus braços coçam. Estou com febre e sinto o suor escorrer em cada parte do meu corpo.

Tento me levantar, mas uma tontura me abate. Tudo girou e um enjôo precionava meu peito e subia pela garganta.

É...

Não vou insistir, sei que Dinah virá aqui me avisar sobre a aula daqui alguns minutos.

É mesmo uma pena, uma pena que não poderei comparecer naquela sala tediosa.

...

I'm still loving you
I'm still loving you
I'm still loving you, I need your love
I'm still loving you
Still loving you, baby

I'm still loving you
I need your love
I'm still loving you
I need your love

I need your love

I need your love

Still loving you

- Still loving you - Scorpions

Mil músicas para AntoniettaOnde histórias criam vida. Descubra agora