Softening

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    Os raios da manhã invadiam o dormitório enquanto eu tentava entender a mistura de sensações que rodeavam meu corpo. Ou melhor, a falta delas. Eu não podia negar que era estranho não sentir tantos toques incômodos em minha pele, mesmo sabendo que era apenas um bloqueio temporário. Nem mesmo as oscilações de temperatura provavelmente me importariam, e eu teria confirmado esse fato se não fosse por um calor incomum em uma de minhas mãos.

    Ao abrir os olhos contra a luz, não pude deixar de escapar algo muito parecido com surpresa quando vi Enid dormindo debruçada na ponta de minha cama, com seus dedos entrelaçados aos meus.

    As unhas pintadas das mais diversas cores quentes e alegres contrastavam com o preto das minhas, a pele rosada era facilmente diferenciada da palidez que sempre me foi característica. Discrepâncias tão intensas, mas ao mesmo tempo tão certas.

    Era impossível não perceber o quão adequado era o encaixe de nossos dedos. A textura de sua pele, que nunca me fora incômoda, agora parecia um manto quente feito especialmente para minhas células epiteliais.

    A luz agora batia em seus cabelos, deixando os fios em um tom dourado, ofuscante até para as estrelas mais brilhantes do universo.

    Minha admiração intrínseca foi interrompida por um conjunto de dedos que se encontrava em meu ombro. Thing sinalizou em resposta ao meu olhar:

     "Se sente melhor agora?"

    — Sim.

    Pelo visto o som de minha voz despertou a garota.

    — Wed?

    — Bom dia, Enid. – respondi enquanto a garota ainda acordava, pelo visto alheia ao fato de que estava do meu lado do quarto. – Por que não dormiu em sua cama ontem?

    Enid percebeu onde estava, e principalmente o que fazia. Então a garota retirou sua mão rapidamente, me deixando com uma sensação horrível de vazio.

    — Desculpe, eu acabei pegando no sono. Eu não quis invadir seu lado eu só tinha que ter certeza que estava tudo bem e...

    — Digo por que sua cama deve ser muito mais confortável do que dormir nessa posição, Enid. Vai ficar com uma dor horrível depois.

    Algo muito parecido com alívio passou por suas safiras azuis. Pelo visto seu medo era de minha reação por ter invadido meu espaço pessoal.

    — Não tem problema, Wednesday. – seu sorriso era com certeza a parte mais encantadora de seu rosto. – Como se sente?

    — Relativamente bem, mesmo que pareça que uma manada de elefantes me usou como ponte. Pelo menos agora os efeitos serão mantidos apenas por ingerir as ervas em doses específicas. Não precisará de todo esse trabalho.

    — Foi uma sensação horrível tudo aquilo ontem. – ela disse sem olhar para mim. – Mas não foi pior que a do dia em que perdi a pessoa mais importante de minha infância.

    Decidi manter a expressão neutra, mesmo que ela continuasse olhando para a janela.

    — Eu tinha um tio. Ele era com certeza a pessoa mais importante da família para mim. O nome dele era Rômulo. Eu sempre ia em sua casa que era bem próxima da minha para passar o tempo com ele, pois Tio Rômulo era o único que me entendia.

    Ela deu um sorriso, só que dessa vez não tinha o mesmo brilho costumeiro.

    — Ele não se transformou no tempo correto, e foi expulso da matilha. E fiquei muito tempo sem vê-lo outra vez. E quando o vi novamente, ele estava morto. Meus pais me disseram que ele se transformou muito tardiamente e enlouqueceu, violando o tratado dos lobisomens, e devorando uma humana. E depois foi assassinado por isso.

A Sky Full of Stars - WENCLAIRWhere stories live. Discover now